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Que venham as vacinas! E se mantenham as máscaras!
Covid-19

por | 16 dez 2020

Vacinas evitam mortes, provavelmente não impedem a transmissão do vírus, e será preciso seguir com as medidas de proteção

Foto: Frauke Riether / Pixabay

A vacinação contra covid-19 no Brasil deve começar, provavelmente, em algum momento de janeiro ou fevereiro, mas sob nenhuma hipótese poderá ser tomada como um salvo-conduto para as pessoas abandonarem no próximo ano as atuais medidas de proteção contra o vírus Sars-CoV-2. Ao longo de 2021, as máscaras precisam continuar a ser usadas, as recomendações sobre lavagem frequente das mãos e uso do álcool em gel continuarão em vigor, o distanciamento físico terá que ser mantido – e isso mesmo nos grupos que já tiverem recebido a vacina e entre esses e os demais.

A primeira razão científica para isso é que se desconhece – isso mesmo: não se sabe – o efeito das vacinas que já começam a ser aplicadas sobre a cadeia de transmissão do vírus. Sabe-se de sua eficácia contra a doença, chegando a uma taxa de até 95% num dos produtos, o que já é por si uma notícia extremamente auspiciosa. Ou seja, o que se examina exaustivamente e comprova em todos os casos nesse momento é o quanto podem evitar, com segurança, sem efeitos colaterais severos, as formas graves da covid e, portanto, as mortes que ela causa.

A segunda razão científica para que as máscaras, a higiene das mãos e o distanciamento físico permaneçam em cena em 2021 é matemática. Mesmo com o maior esforço de produção jamais visto sendo feito, o mundo inteiro certamente não conseguirá dispor de um volume de vacinas em 2021 para proteger acima de 2,7 bilhões de pessoas, algo em torno de 34% da população mundial (perto de 8 bilhões de pessoas). Trata-se de um percentual insuficiente para garantir a imunização mais geral, que atende também pela feia expressão de imunização de rebanho, e que se situa ao redor de 60% em uma dada população.

No caso particular do Brasil, consideradas as possibilidades de compras no exterior e de produção interna da CoronaVac (Sinovac e Instituto Butantan) e da vacina de Oxford (com AstraZeneca e Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz), serão disponibilizadas em 2021, até onde por ora a vista alcança, no máximo, 70 milhões de doses no primeiro semestre. Isso assegura proteção para 35 milhões de brasileiros, ou seja, cerca de 17% de uma população hoje próxima dos 212 milhões de pessoas. É um número muito pequeno de imunizados para se sonhar com proteção mais geral.

Todas essas questões têm sido enfatizadas por pesquisadores diretamente envolvidos com a questão da pandemia e da vacinação no Brasil, e uma boa amostra delas foi oferecida no programa Roda Viva da TV Cultura, na noite de segunda-feira, 14, que reuniu o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, a médica infectologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo e a epidemiologista e diretora da ONG Instituto Vacina Sabin, Denise Garret.

Foi logo no começo do programa que Dimas Covas informou cristalinamente: “Sabemos que a vacina protege da gravidade da doença, mas ainda não sabemos se é imunizante”. Margareth Dalcolmo, manifestando o desejo por uma vacina que interrompa a cadeia de transmissão do vírus, também reiterou que “não sabemos o quanto as que estão em uso e em desenvolvimento darão de proteção, uma vez iniciada a vacinação em massa”. Após duas horas de respostas dos cientistas aos jornalistas, com intensas discussões sobre as vacinas em si e sobre os erros na condução política brasileira ante o que deveria ser o Plano Nacional de Imunização (PNI) para essa dramática pandemia, estava claríssimo o quanto se desconhece ainda no caminho da luta contra a covid-19.

Sim, a vacina da Pfizer, elaborada em tempo recorde sobre a plataforma inovadora do RNA mensageiro é mesmo um feito tecnocientífico notável – e o começo da vacinação com o produto, já em meia dúzia de países mais afortunados, uma razão legítima de alegria e alívio. Sim, as vacinas que se valem de plataformas tecnológicas mais tradicionais e largamente testadas, como a do vírus atenuado usada na CoronaVac, oferecem em princípio um alto grau de segurança no quesito eventuais efeitos adversos. E sim, as cerca de 70 vacinas contra a covid-19, em diferentes graus de desenvolvimento nesse momento no mundo, com variadas tecnologias, ao mesmo tempo em que fazem avançar em velocidade inesperada o conhecimento básico sobre biologia, fisiologia do vírus, mecanismos do sistema imune, etc, permitem descortinar um largo e novo cenário para o enfrentamento a outras viroses que, com certeza, virão.

Uma absurda luta política

A determinação do governo federal, via resolução no Ministério da Saúde, para que cada usuário assine um termo de consentimento antes de receber a vacina contra covid é apenas a ponta mais nova e visível de um pacote inteiro de absurdos políticos que tem cercado o tratamento da pandemia no país desde março, quando o presidente da República comparou a covid-19 a uma gripezinha. Essa atitude, que na prática põe o mesmo agente público responsável pela vacinação como protagonista de um enredo de suspeição e solapamento da confiança na vacina, soma-se à declaração de Bolsonaro, diante de uma multidão que ele reuniu na terça-feira, 15 de dezembro, na Ceagesp, de que não tomará a vacina.

O presidente comanda, assim, diretamente, uma campanha criminosa contra a vacinação, que coroa toda a sua frenética atividade política contra medidas de saúde pública destinadas à proteção da população desde o começo da pandemia no país. É uma campanha voltada com gosto especial ao confronto com o governador de São Paulo, João Doria, que ele toma como seu adversário na disputa por um lugar confortável nas eleições de 2022 .

“Impeachment é pouco”, dizia, a propósito, Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP), em sua coluna na Folha de S. Paulo na terça-feira, 15. “Bolsonaro tem responsabilidade pelo aumento do descumprimento do distanciamento social, pelo aumento das contaminações e das mortes e, ao que tudo indica, terá também responsabilidade pela cobertura vacinal reduzida. Pode ser que ainda não seja politicamente viável, mas já não é mais motivo para impeachment, é motivo para cadeia”, concluía.

São mais de 180 mil, a caminho das 200 mil mortes por covid no país, enquanto o ambiente público crispa-se em inumeráveis desconfianças de toda ordem. Recentemente, as dúvidas sobre qual problema metodológico de fato se interpusera no percurso dos testes fase 3 da vacina de Oxford, diante das confusas taxas de eficácia do produto entre 62% e 90% e da estranha medida de 1,5 dose, que voluntários do estudo clínico haviam tomado, assim como da constatação de que não se testara ninguém acima de 55 anos, azedaram um tanto os humores na comunidade científica. Um respeitável pesquisador comentou que, se problemas desse tipo tivessem ocorrido em pesquisa liderada por brasileiros, “as pessoas iam cair matando em cima da gente. Mas era Inglaterra, e mais, é Oxford!”

Na terça-feira, surpreendente foi o ataque do biólogo molecular Fernando Reinach aos sucessivos adiamentos na publicação dos resultados da fase 3 dos testes da CoronaVac pelo Butantan, em sua prestigiada coluna no Estado de S. Paulo. De cara, interrogava no título: “Podemos contar com a Coronavac?” Adiante, constatava que os resultados “seriam divulgados nesta terça-feira, 15, e agora foram adiados para 23 de dezembro. Esse fato levanta a suspeita de que existe algum problema com a eficácia dessa vacina ou com o ensaio clínico conduzido pelo Instituto Butantã”.

A partir daí, Reinach passava a descrever os três cenários que julgava mais prováveis para o adiamento, não sem antes alertar: “Qualquer que seja a realidade, a falta de transparência dos responsáveis por essa vacina é um enorme desserviço para a população brasileira. E, espero, para a reputação dos envolvidos”. Uma das possibilidades que ele levanta é a de que o estudo tenha tido falhas graves em sua execução e os resultados sejam inconclusivos.

A segunda possibilidade seria de o estudo ter resultados claros, apontando para sua baixa eficácia. E a terceira hipótese, a de que o ensaio clínico foi bem executado, o Butantan já estaria sabendo que a vacina funciona e tem alta eficácia. Mas, segundo ele, “para fazer birra e prolongar a guerra com o governo federal, essa informação está sendo sonegada de modo que o governo federal não conte com a vacina no seu plano de vacinação e São Paulo saia na frente, capitalizando politicamente essa informação. Se for o caso, esse é o mais sujo uso político de uma vacina que se pode imaginar”.

Consultado pelo Ciência na rua, o Butantan enviou por escrito sua contundente resposta, aqui publicada na íntegra, considerada sua importância:

“Beira a irresponsabilidade, o acinte e a falta de qualquer embasamento o artigo do colunista Fernando Reinach “Podemos contar com a Coronavac?”, publicado nesta terça-feira, 15 de dezembro, em O Estado de S. Paulo.

Por meio de ilações e hipóteses absolutamente infundadas, o missivista ataca o Instituto Butantan, uma instituição que acumula 120 anos de história e serviços em favor da vida.

O Instituto Butantan tem trabalhado incansavelmente, desde junho deste ano, para desenvolver e realizar testes clínicos de fase 3 em humanos, tendo atingido um contingente de 12,4 mil voluntários, profissionais da área da saúde, que receberam a vacina e o placebo.

Os resultados até aqui já comprovaram que a vacina é segura, não tendo sido registrado nenhum efeito adverso grave dentre os que receberam as doses. Isso por si só é um grande avanço.

O adiamento em cerca de uma semana da entrega dos resultados de segurança e eficiência foi uma decisão estratégica que atende a uma recomendação do comitê internacional independente que acompanha a pesquisa desenvolvida em parceria entre o Butantan e a biofarmacêutica Sinovac Biotech.

Assim, o instituto poderá entregar um estudo conclusivo – e não preliminar como o previsto anteriormente para o dia 15 de dezembro, o que possibilitará o envio, à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e à National Medical Products Administration, da China, do pedido de registro definitivo da vacina. Isso facilitará e agilizará o processo de registro, e não ao contrário.

Tratou-se, portanto, de uma decisão fundamentada em fatos, não em hipóteses.

Os resultados de testes clínicos de fases I e II da Coronavac – publicados na revista científica Lancet -, bem como o resultado de segurança da fase 3, já tornado público – demonstram inequivocamente que a vacina é promissora. Não há motivos para se pensar no contrário, e justamente por isso o Governo de São Paulo se antecipou e elaborou, desde outubro, um Plano Estadual de Imunização contra o novo coronavírus.
Apostar no fracasso da vacina é torcer contra a saúde dos brasileiros.

É repugnante também, como fez o missivista, questionar uma suposta “falta de transparência do Butantan”, uma vez que a instituição vem a público, por meio de seu diretor, cientista e professor Dimas Covas, no mínimo duas vezes por semana, nas coletivas de imprensa, como nenhuma outra instituição ou farmacêutica fez, além de se colocar à disposição dos veículos de comunicação para entrevistas que são quase diárias.

O artigo, este sim, presta um desserviço ao leitor, porque desinforma e não contribui em nada com o debate em torno de uma vacina tão importante para o Brasil e para o mundo.

Instituto Butantan

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