Reportagem publicada originalmente no Edgardigital, veículo de divulgação da UFBA, edição 63
Pedro Meirelles, 33 anos, professor do Instituto de Biologia desde janeiro de 2017, há menos de um ano, portanto, foi o único pesquisador da UFBA selecionado na primeira chamada pública de projetos inovadores de pesquisa do Instituto Serrapilheira (veja mais em: Instituto Serrapilheira divulga os ganhadores do seu primeiro Edital – Ciência na rua) , encerrada em setembro passado. O anúncio foi feito na quinta feira, 21 de dezembro.
Sua proposta, em termos gerais e sintéticos, é estudar os impactos das mudanças climáticas – por exemplo, com a elevação da temperatura e a concentração de carbono que promovem – sobre o conjunto dos microrganismos (o microbioma) de aquíferos sedimentares, reservatórios de água subterrânea que, no Brasil, asseguram recursos hídricos para 30% a 40% da população. Vale ressaltar que quase nada se conhece hoje da biodiversidade ou do microbioma dos aquíferos, e conhecê-las inclusive em termos moleculares e genômicos pode contribuir não apenas para se saber como as mudanças climáticas as impactam, mas também como podem ser usadas para minorar efeitos ambientais dessas mudanças.
O Serrapilheira, organização privada de apoio a projetos de pesquisa e divulgação científica lançada em caráter pioneiro no Brasil em 2016, por iniciativa do grupo Moreira Salles, examinou 1.955 propostas enviadas de 331 instituições espalhadas por 26 unidades federativas do país e escolheu 65 delas para apoiar. Duas foram enviadas da Bahia, a de Pedro Meirelles, em ciências da vida, subárea ecologia e evolução, e a de Natan Silva Pereira, professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em ciências da terra.
Concidentemente, ambas se ligam ao mesmo grande tema, informação, o mais concorrido dentre sete propostos pelo Serrapilheira aos pesquisadores para enquadrar seus projetos – os outros foram tempo, energia, identidade, matéria, forma e espaço. Em termos de áreas do conhecimento, diz o comunicado do Serrapilheira, predominaram largamente entre os projetos enviados os de ciências da vida (60%), seguidos por engenharias (13%), química (9%), ciências da terra (6%), ciência da computação (5%), física (5%) e matemática (2%).
Os 65 projetos finalmente selecionados vão receber R$ 100 mil de apoio por um ano. Depois desse período, uma nova rodada definirá os 10 felizes escolhidos para dar continuidade às respectivas pesquisas, com direito a R$ 1 milhão cada um, pelo período de 3 anos.
O projeto abrangente e audacioso apresentado por Pedro Meirelles e equipe já de cara, ou seja, desde o título, deixava claro o que propunha estudar: o impacto das mudanças climáticas sobre o microbioma, a fixação de carbono e a qualidade da água em aquíferos. E em apenas cinco linhas resumia seu objetivo geral. “Meu interesse é entender como macro e microrganismos se relacionam com os processos ambientais e os influenciam. Em meu trabalho, avalio essas interações e respostas via integração de dados ambientais com informações contidas em moléculas de DNA. O foco principal de minha pesquisa é entender como as funções metabólicas de comunidades microbianas estão relacionadas com a homeostase [o equilíbrio, digamos] de sistemas biológicos (de hospedeiros a ambientes) e de serviços ecossistêmicos”.
Meirelles contou que a ideia do projeto começou a se esboçar quando ele ligou o interesse que tinha por um grupo de microrganismos ainda não estudados com uma notícia que o sensibilizara sobre águas subterrâneas, mais especificamente, sobre o Aquífero Guarani, o segundo maior reservatório de água doce do planeta, com 1,2 milhão de quilômetros quadrados distribuídos em parte dos territórios do Uruguai, Argentina, Paraguai e, principalmente, Brasil. “Se ligássemos esses dois pontos poderíamos estudar bem um ambiente super negligenciado e da maior importância para nós brasileiros”, ele diz.
Base sólida para encarar os desafios da proposta, ele demonstrou ter também na apresentação ao potencial financiador. Principal autor de quatro artigos e co-autor de outros 23 publicados em periódicos científicos de alto impacto, Meirelles deteve-se especialmente em dois papers que saíram em revistas do respeitado grupo Nature para evidenciar sua expertise. “No primeiro, estudamos os papéis dos microbiomas intestinais no crescimento e na saúde dos invertebrados marinhos”, resumiu. No segundo, por meio de experimentos de manipulação, abordagens de metagenômica e modelagem, Meirelles e colegas estimaram a absorção de carbono de leitos de rhodolith (sedimento rochoso formado principalmente por carbonato de cálcio, que funcionam como verdadeiras biofábricas em ambiente marinho), fazendo crescer a importância desses ambientes para o sequestro de carbono globalmente.
Pedro Meirelles fez referência a outros artigos resultantes de estudos que liderou, seja explorando evidências de efeitos protetores marinhos sobre macro e microrganismos ou mostrando o papel central do metabolismo de carbono da comunidade microbiana na estabilidade do ecossistema. Em muitos deles, a par de autor principal, foi o responsável por expedições científicas para lugares remotos. “No campo, tive a chance de dirigir os experimentos de biologia molecular e microbiologia e adiante integrar todos os dados usando ferramentas de bioinformática e modelagem, para produzir informações científicas inteligíveis e confiáveis”
Todo esse background será fundamental para o desenvolvimento do projeto apoiado pelo Instituto Serrapilheira que, no primeiro ano, terá por foco a construção de modelos de nichos ecológicos, depois a validação desses modelos em campo. “Vamos nos aquíferos coletar a água e quantificar os microrganismos. Isso vai implicar uma abordagem nova de sequenciar todo o material genético dos microrganismos e montar genomas a partir dessas sequências”, explica Pedro.
A terceira etapa de seu projeto implica usar água do aquífero para fazer um experimento manipulativo simulando o efeito de mudança climática, aumentando a temperatura e a concentração de carbono, para ver como essa microbiota dessa água subterrânea muda, “A partir dessa mudança, faremos uma extrapolação global para entender a ligação dessa mudança com o sequestro de carbono”, diz. A base de dados, na qual todos os cientistas depositam as sequências de DNA depois de fazerem experimentos e pesquisas de campo, está disponível. Hoje já são 5 terabytes de dados disponíveis na internet.
Entre os métodos que serão utilizados pela equipe está a modelagem numérica e computacional para fazer os modelos, sequenciamento em plataformas de nova gerações em larga escala para identificar as diferenças nos genomas e experimentos de abordagem metagenômica.
O projeto é desenvolvido por Meirelles e sua equipe de estudantes e colaboradores do Laboratório de Bioinformática e Ecologia Microbiana (https://meirelleslab.org), criado por ele, em janeiro. O laboratório tem quatro linhas de pesquisas diretamente relacionadas à proposta, colabora com o Instituto de Saúde Coletiva (ISC) e com o Instituto de Ciências da Saúde (ICS), além de colaborar com a Fiocruz-Bahia e e outros órgãos de pesquisa no país e no exterior.
Meirelles observa que o projeto tem um claro viés interdisciplinar, e se abre tanto para estudantes de engenharia elérica e ciências da computação quanto para uma residência artística. “Um artista viverá o dia-a-dia do laboratório e, no final do projeto, fará um produto que reflita sua vivência. Estamos inovando em diversos aspectos”, comenta.
Do amor pela natureza à ciência como profissão
Pedro sempre se interessou por ciências e queria entender como a natureza funciona. Seu avô foi quem o influenciou, contando as histórias da época em que viveu na Floresta Amazônica. Quando criança, na praia, ele sempre examinava os bichinhos que encontrava. Gostava de fotografia, documentários, animais marinhos e terrestres e tudo isso convergiu para a escolha da carreira de biólogo e pesquisador.
Graduado em biologia pela UFBA, com mestrado, doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele diz que desde que iniciou a vida acadêmica sempre se interessou pelo funcionamento como um todo, pela biologia de sistemas. “Minha motivação é essa. Já a questão da agua subterrânea, é algo urgente a ser estudado”.
Poucos meses após ingressar na UFBA, surgiu a oportunidade de submeter a proposta ao Serrapilheira. Percebeu que seu perfil se encaixava no que estavam propondo, fechou as atividades do laboratório, convocou estudantes e parceiros e escreveu a proposta. O resultado não podia ser melhor
“Quando eu entrei na UFBA, ainda estudante de graduação, perguntei a um veterano o que era preciso para ser docente da universidade. Ela me respondeu que era difícil, e que eu tinha que publicar muito. Fiquei com essa obstinação de ser pesquisador aqui dentro. Busquei instrumentos, vivi fora, nos Estados Unidos e no Japão e quando abriu esse concurso, me inscrevi, era meu sonho. Quero contribuir para a pesquisa na minha universidade e no meu estado”, conclui Pedro Meirelles.