Gilberto Stam, Pesquisa Fapesp
Ossos bem preservados permitem fazer reconstituição detalhada do corpo do animal, batizado como Berthasaura leopoldinae
O esqueleto de um dinossauro batizado em homenagem a duas mulheres, Berthasaura leopoldinae, foi descoberto no município de Cruzeiro do Oeste, noroeste do Paraná, a 550 quilômetros de Curitiba. O animal tinha cerca de 1 metro de comprimento do focinho ao rabo, 80 centímetros de altura, braços curtos e não pesava mais do que 10 quilogramas. A espécie viveu há cerca de 80 milhões de anos na era Mesozoica, no Cretáceo Superior.
“Nesse período os dinossauros estavam amplamente distribuídos no Brasil, mas conhecemos poucos exemplares”, diz o paleontólogo Geovane Alves de Souza, estudante de doutorado no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ) e primeiro autor de estudo publicado nesta quinta (18/11) na revista científica Scientific Reports. “É o dinossauro mais bem preservado do Cretáceo brasileiro e a primeira espécie sem dentes descoberta na América do Sul”, disse ele em coletiva de imprensa. O pesquisador assinala que não é necessário ter dentes para ser carnívoro. Águias e corujas, afinal, dilaceram as presas e engolem sua carne tendo bicos como ferramentas. Como a região era um grande deserto, o mais provável é que fosse um animal onívoro, que aproveitava ao máximo o pouco alimento disponível.
Os pesquisadores fizeram uma investigação para verificar se o animal de fato não tinha dentes, ou se por algum motivo eles não foram preservados. Os terópodes carnívoros da Era Mesozoica, um grupo de dinossauros bípedes que deu origem às aves, costumavam ter dentes grandes e afiados. “Não havia sinal na mandíbula de local para inserção dos dentes no osso”, conclui Souza sobre o achado recente.
O dinossauro descrito agora não é um parente próximo das aves, indicando que a perda dos dentes e a boca em forma de bico não é exclusividade dessa linhagem. “É um evento evolutivo comum nos terópodes”, diz a paleontóloga Marina Bento Soares, do MN e coautora do estudo. “Mesmo entre as aves, isso aconteceu diversas vezes, de forma independente.”
B. leopoldinae vivia no supercontinente de Gondwana, que incluía o que hoje é América do Sul, África, Índia, Austrália e Antártida. Seus parentes do Norte, os tiranossauros, viviam no supercontinente da Eurásia, que incluía as atuais América do Norte, Ásia e Europa. Há poucos dinossauros terópodes no Brasil e geralmente são mal preservados, com a maioria dos registros compostos de fragmentos de osso ou dente isolados. Para a nova espécie foi encontrada uma grande quantidade de ossos, incluindo crânio, tronco, membros, pélvis, bacia e cauda, o que enriquece a possibilidade de análises futuras sobre sua biologia.
É o primeiro dinossauro batizado com dois nomes femininos, homenageando duas figuras históricas: a bióloga Bertha Lutz (1894-1976), filha do cientista Adolfo Lutz (1855-1940), que foi pesquisadora do Museu Nacional, diplomata, política e ativista no movimento de emancipação das mulheres; e a Imperatriz Leopoldina (1797-1826), que desempenhou um papel importante no processo de independência do Brasil e morou no prédio do Museu Nacional. Era uma incentivadora das ciências naturais e trouxe em sua comitiva, quando se mudou para o Brasil para casar-se com dom Pedro I, naturalistas como o botânico Carl von Martius (1794-1868) e o zoólogo Johann Baptist von Spix (1781-1826), ambos alemães, que coletaram e descreveram parte da flora e fauna brasileiras. “Fizemos ainda uma terceira homenagem, à escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que homenageou o Museu Nacional no desfile de 2018”, conta Soares.
Apesar do nome que homenageia mulheres, os pesquisadores não sabem ainda qual o sexo do dinossauro, algo que poderá ser determinado pela análise de estruturas ósseas que só as fêmeas desenvolvem no período de postura dos ovos. “Mas resolvemos apostar, já que a chance é de 50%”, brinca Soares.
A nova espécie faz parte de um grupo de animais descobertos nessa região do Paraná rica em fósseis, entre eles duas espécies de pterossauros. “Coletamos uma grande quantidade de material e é provável que novas espécies apareçam”, diz o paleontólogo Alexandre Kellner, diretor do Museu Nacional.
Artigo científico
SOUZA, E. A. de et al. The first edentulous ceratosaur from South America. Scientific Reports. v. 11, 22281. 18 nov. 2021.