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Plana, minúscula e ultrafina: cientistas da USP criam lente “impossível”
Inovação tecnológica

por | 4 ago 2020

Texto: Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação (SEL) da EESC
Arte: Luana Franzão
Publicada no Jornal da USP

Mil vezes mais fina que um fio de cabelo, tecnologia poderá ser usada em câmeras de celular para torná-las mais baratas

Dedos em pinça cobertos por luva de tecido fino seguram pequena lâmina de vidro esverdeada com dois círculos de poucos milímetros no meio

Películas feitas de silício (círculos estampados na lâmina) funcionam como uma lente fotográfica – Foto: Henrique Fontes – SEL/USP

Pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram uma película feita de silício que é mil vezes mais fina que um fio de cabelo e poderá funcionar como uma lente fotográfica, semelhante às de câmeras de smartphone. A tecnologia inédita permite que o usuário veja imagens em até 180 graus, mesmo ângulo proporcionado pelas famosas lentes olho-de-peixe. No meio científico, essa funcionalidade até então era considerada impossível de ser obtida em lentes totalmente planas, como a que foi construída pela EESC. Os resultados do trabalho geraram um artigo que foi publicado na ACS Photonics, revista científica norte-americana da área de Fotônica, campo da ciência dedicado a estudar a luz.

A nova lente pesa aproximadamente dois microgramas, possui cerca de 230 nanômetros de espessura e tem uma área de 3,14 milímetros quadrados. Segundo os cientistas, a expectativa é de que o material ajude a enfrentar um dos principais desafios no desenvolvimento de dispositivos óticos: fabricar lentes cada vez mais poderosas, porém com tamanhos cada vez menores. “O maior benefício da nossa lente é que ela é muito fina, então promete ser mais barata de ser produzida se comparada às convencionais, que são grandes e esféricas. Como se trata de uma superfície plana, é mais fácil colocá-la em um circuito integrado, o que simplifica a parte mecânica do dispositivo”, explica Augusto Martins, autor do estudo e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da EESC.

Além do pequeno tamanho, outra vantagem da película de silício é que ela poderá atuar sozinha dentro do celular, sem a necessidade de incorporar lentes complementares para obter imagens em alta resolução, como acontece nas câmeras comuns. Isso contribuirá para diminuir ainda mais o porte dos sistemas óticos e, consequentemente, dos dispositivos móveis. “Essa é a primeira lente do mundo formada por uma única camada capaz de gerar imagens que cubram todo o campo de visão”, afirma Emiliano R. Martins, um dos orientadores da pesquisa e professor do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação (SEL) da EESC.

Durante a pesquisa, que foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Augusto Martins construiu um protótipo de uma câmera com a ajuda de uma impressora 3D para testar a sua lente. Os resultados foram animadores. Imagens em alta resolução foram obtidas na cor verde, que por enquanto é a única na qual a película consegue operar. A ideia, segundo o pesquisador, é que nos próximos meses a lente seja aprimorada para que todas as cores possam ser visualizadas.

Duas imagens esféricas em preto e verde: à esquerda, cientista branco jovem posa no laboratório; à direita o que parece ser uma espécie de circuito eletrônico

Imagens obtidas com a lente criada pelos cientistas da USP – Fotos: Henrique Fontes (esq) Augusto Martins (dir)

Para chegarem até a composição da nova lente, os cientistas adotaram como ponto de partida as próprias lentes tradicionais e trabalharam com um parâmetro chamado índice de refração, que mede o quanto a velocidade da luz diminui ao incidir sobre uma superfície – quanto maior for esse índice, menor é a velocidade de propagação da luz pelo material. Em simulações realizadas no computador, eles perceberam que, conforme ampliavam o índice de refração de uma lente esférica convencional e simultaneamente a deixavam mais plana, mais o campo de visão dela se abria e a qualidade da imagem melhorava. Em certo momento, quando ela ficou 100% plana, era preciso que seu índice de refração fosse infinito, o que, na prática, faria com que a luz não se propagasse por ela, algo impossível de acontecer. No entanto, como a película de silício desenvolvida pelos pesquisadores possui princípios físicos diferentes das lentes comuns, ela foi capaz de imitar o comportamento ótico da lente esférica com índice infinito, ou seja, passou a atuar como uma lente impossível.

Pesquisadores criaram um protótipo de câmera fotográfica para testar a película desenvolvida – Foto: Augusto Martins

De onde vem a tecnologia?

A lente desenvolvida pela USP é um tipo de metalente, que está inserida no conceito de metassuperfície – conjunto de nanoestruturas que conseguem controlar as propriedades da luz. Descoberta há poucos anos, essa tecnologia pode ser aplicada em uma série de segmentos além da produção de lentes, como em segurança da informação, na fabricação de componentes de informática e no entretenimento. No ano passado, por exemplo, Augusto participou do desenvolvimento de uma metassuperfície capaz de gerar hologramas em três dimensões e com mais qualidade.

Ao contrário das lentes comuns, que precisam de uma espessura maior para gerar imagens com nitidez, as metalentes utilizam nanopostes microscópicos inseridos em sua superfície plana capazes de “prender” e focar a luz do ambiente, fazendo com que as imagens sejam projetadas. É como se elas fossem rodovias construídas para não deixar os carros (as luzes) saírem dela. Em 2016, pesquisadores da Universidade Harvard, dos Estados Unidos, desenvolveram a primeira metalente do mundo capaz de tirar fotos, mas ela tinha uma limitação: seu campo de visão era de apenas 0,5 grau, ângulo que permite enxergar apenas o que está à sua frente.

Metalentes são compostas de nanopostes capazes de “prender” e focar a luz do ambiente – Foto: Augusto Martins

Agora, além de expandirem a operação da metalente para outras cores, os cientistas da EESC esperam nas próximas etapas do estudo aumentar a eficiência da película, melhorar ainda mais sua resolução e aplicá-la em sistemas óticos mais complexos. Por enquanto, ainda não há previsão de quando a tecnologia deve chegar ao mercado. A pesquisa também teve a orientação do professor Ben-Hur Viana Borges, do SEL, e contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade de York, do Reino Unido, e da Universidade Sun Yat-sen, da China.

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