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Pesquisa indica tendência de adolescentes se informarem por sites jornalísticos

Os sites noticiosos são a mais importante fonte de pesquisa de assuntos sociocientíficos na web para adolescentes brasileiros e franceses de diferentes classes sociais, seja a busca motivada por tarefa escolar ou por interesse próprio, de acordo com um revelador estudo qualitativo e exploratório apresentado em artigo científico publicado em dezembro passado, na revista Journal of Information Science (JIS). Esse achado traz à cena mais uma vez a credibilidade do jornalismo, dessa vez com sinal positivo, chacoalhando algumas visões bastante pessimistas sobre as relações entre jovens, ciência e mídia.

De acordo com o artigo, “quase todos os adolescentes do estudo (39 de 41) usaram o Google como porta de entrada inicial para suas pesquisas”, focadas em vacinação e desmatamento da Amazônia, dois temas escolhidos pelos autores do estudo por sua grande exposição no debate público no período de desenvolvimento do trabalho. “Além do Google, foram acessados 227 sites (143 pelos participantes franceses e 84 pelos brasileiros)”, informa.

Adiante, o texto detalha que “os sites de notícias prevaleceram como os mais acessados tanto pelos adolescentes brasileiros quanto pelos franceses (representaram 55% dos 84 sites acessados no Brasil e 47% dos 143 sites consultados na França). As fontes oficiais ficaram em segundo lugar entre os franceses (17%), enquanto no Brasil as fontes institucionais ficaram em segundo lugar (14%), à frente das fontes oficiais (13%)”.

Acesso por tipo de fonte no Brasil e na França

Antes de avançar para outros dados igualmente instigantes propiciados pelo estudo, vale assinalar uma diferença marcante constatada pelos pesquisadores nas escolhas dos adolescentes dos dois países. É que enquanto os franceses usaram mais critérios relativos ao próprio conteúdo do material encontrado para selecionar suas fontes, por exemplo, a legibilidade dos textos, os brasileiros consideraram antes de tudo critérios relacionados ao receptor, de caráter mais pessoal, como sua opinião, interesse individual e a familiaridade com os veículos selecionados.

A rigor, o ponto de partida original do estudo tratado no artigo da JIS, que tem como primeiro autor o jornalista e pesquisador Washington Castilhos, 52 anos, vinculado ao Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), foi sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), iniciada em 2018. Ela deu corpo à tese “Fontes acessadas e critérios utilizados por adolescentes na busca por informações envolvendo questões sociocientíficas na internet”, centrada nos dados obtidos com os adolescentes brasileiros, orientada pela pesquisadora e professora Luisa Massarani, e defendida em 2022.

Mas, em paralelo, já em 2020, a despeito do clima de emergência e medo avassalador que a pandemia de covid-19 espalhava pelo mundo, uma colaboração internacional entre a equipe liderada por Massarani, no Brasil, e a de Monica Macedo-Rouet, na Universidade Paris 8, na França, permitiu a aplicação, na capital francesa e arredores, de atividade de pesquisa com adolescentes quase idêntica à realizada por Castilhos, um ano antes, no Rio de Janeiro e cidades da região metropolitana, basicamente São Gonçalo e Nova Iguaçu. A diferença sensível entre ambas foi o fato de, no Brasil, os encontros com os adolescentes terem sido presenciais e, na França, virtuais — via Zoom, por força justamente da pandemia

Naquele período, agências de fomento como a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior) haviam acertadamente suspendido todas as viagens de intercâmbio científico, dentro e fora do país. Assim, Castilhos não pôde se deslocar para o estágio sanduíche na França e a realização do trabalho de campo que lhe caberia no país parceiro. Mas “a oferta generosa de Monica” para substituí-lo nessa atividade, como ele diz, resolveu o impasse.

No ano seguinte, com o quadro dramático da saúde pública mundial um tanto amenizado, Castilhos conseguiu viajar, e os dois fizeram a análise do material que ela obtivera com os adolescentes franceses. Comparados aos dados brasileiros, ambos comporiam um novo estudo, base do artigo que há dois meses veio à luz, com a coautoria de Massarani, que é coordenadora do INCT-CPCT, Macedo-Rouet e Carla da Silva Almeida, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Um bom resumo do estudo e da tese, aliás, está no vídeo de pouco menos de sete minutos, narrado pelo próprio Castilhos, que integra a robusta e didática série A ciência da divulgação científica, produção do INCT-CPCT.

Sem preguiça ou alienação

Há alguns aspectos muito atraentes no desenvolvimento desse estudo apresentado no artigo da JIS. Primeiro, há a destacar a clareza e concisão das três perguntas formuladas por Castilho para nortear a pesquisa, tanto para o doutorado quanto do projeto seguinte: (1) Que tipos de fontes os adolescentes brasileiros e franceses acessam em suas buscas? (2) Quais critérios de avaliação usam para selecionar as fontes que acessam? (3) Suas escolhas de fontes diferem de acordo com o contexto de pesquisa?

O pesquisador Washington Castilhos

Em segundo lugar, vale observar a cuidadosa composição das amostras brasileira e francesa — e isso mesmo tendo se definido de antemão que seriam bem pequenas, adequadas ao caráter qualitativo e exploratório do trabalho e inadequadas a uma eventual extrapolação dos resultados da pesquisa para os adolescentes em geral dos países envolvidos. Assim, 19 adolescentes do Brasil, 58% dos quais meninas, na média de idade de 16,05 anos, e 22 adolescentes da França, 41% dos quais do sexo feminino, com média de idade de 15,15 anos, participaram da pesquisa. No grupo brasileiro, 53% residiam em bairros pobres e 47% em áreas de classe média alta, enquanto no francês, 64% eram moradores de bairros pobres e 36% de bairros de classe média alta. Os pesquisadores chegaram a esses grupos de adolescentes via colegas que atuam como professores ou diretores de escolas e, nessa condição, se dispuseram a anunciar o estudo em sala de aula.

Um terceiro componente fascinante do trabalho liderado por Castilhos é a especial conjugação de técnicas para compor uma metodologia que, de fato, revelasse os percursos e escolhas dos adolescentes em sua busca na internet, guiados por objetivos bem claros, e, na sequência, permitisse a análise acurada dos dados obtidos.

Dito aqui de forma muito esquemática, primeiro, os adolescentes tiveram que fazer duas buscas de 10 minutos cada, para responder a duas questões hipotéticas; na sequência responderam individualmente a uma entrevista semiestruturada, inclusive vendo a gravação de suas buscas; e, por último, responderam um questionário. No Brasil, isso aconteceu nas residências dos participantes, em escolas (durante o recreio ou intervalos) e centros comunitários, entre setembro e novembro de 2019. Na França, por causa da pandemia de covid, as mesmas atividades foram realizadas por videoconferência ou nas residências dos participantes.

No tema da vacinação, relacionado ao reaparecimento de casos de sarampo nas vizinhanças, os participantes foram convidados a investigar se precisavam tomar uma dose de reforço da vacina para se protegerem da doença. Já em relação ao desmatamento da Amazônia, tratava-se de encontrar informações sobre as taxas registradas naquele momento. Cada participante podia escolher qual tópico encararia de modo formal, como se estivesse cumprindo uma tarefa escolar, ou de modo informal, como se a busca se desse por interesse próprio. Importante era que, ao final, todos tivessem buscado os dois temas, um formal e outro informalmente. O que os pesquisadores buscavam era representar uma variedade de situações que os adolescentes enfrentam em sua vida cotidiana.

Washington Castilhos diz que lhe impressionou o grau de motivação e engajamento com que os participantes da pesquisa aderiram às várias tarefas. Ele não viu no comportamento dos adolescentes superficialidade, preguiça ou alienação. “Eu os vi sempre supermotivados. Lembro de uma tarde inteira em que estive numa casa na Barra da Tijuca com quatro adolescentes. Enquanto estávamos com um por cerca de uma hora e pouco para acompanhar a busca, fazer a entrevista e proceder ao preenchimento do questionário, os outros esperavam do lado de fora, na maior expectativa”, ele conta.

As entrevistas eram organizadas em torno de três tópicos: (1) as ações e escolhas que cada um fez no contexto informal; (2) as que fez no contexto formal, finalizando com uma pergunta sobre as diferenças entre as duas buscas; e (3) as estratégias para verificar as informações acessadas em seu cotidiano. Quanto ao questionário que, para encerrar, cada um foi solicitado a preencher, ele incluía “questões sobre o acesso e uso da internet, a percepção geral de confiabilidade das informações online e dados sociodemográficos”.

Ampliação desejada

Há um enorme arsenal de dados a serem explorados no estudo apresentado no artigo de Castilhos et al, e o Ciência na Rua certamente voltará a eles. A razão é que são dados que fornecem novas pistas preciosas para um universo cujo desvendamento é de vasto interesse. Compreender comportamentos e práticas dos adolescentes em pesquisas na internet não interessa apenas às políticas públicas de educação, saúde ou divulgação científica, e, sim, diz respeito a possibilidades de uma percepção ampla, transdisciplinar, profunda, das relações sociais e da comunicação nas sociedades contemporâneas. É justamente para esse moinho que o estudo joga água.

A propósito, está no horizonte de Castilhos o desdobramento da pesquisa, talvez num pós-doutorado, incluindo uma dimensão também quantitativa no estudo, com amostras representativas, e mirando comparativamente adolescentes estudantes de escolas públicas e privadas. A ver.

 

Foto do topo: Monstera Production / Pexels

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