- Pesquisa da FGV entrevistou 612 profissionais da assistência social de todos os estados brasileiros
- 63,8% afirmam não terem sido testados para covid-19 em nenhum momento
- 85% destes profissionais têm uma visão negativa sobre as perspectivas de trabalho para os próximos meses
Depois de oito meses de crise sanitária, os profissionais da área da assistência social continuam sem suporte e condições adequadas para realizarem seu trabalho. Diretamente envolvidos no enfrentamento da pandemia, ao atender grupos tradicionalmente mais vulneráveis e afetados pela crise — como famílias em situação de pobreza, mulheres vítimas de violência doméstica, idosos e LGBTI+ –, eles relatam a falta de testes, de treinamento e de equipamentos de proteção individual (EPI). Como consequência, 78% tiveram impactos negativos na saúde mental.
Esse é o cenário retratado pela terceira fase da pesquisa “A pandemia de Covid-19 e os(as) profissionais da assistência social no Brasil”, realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB FGV-EAESP) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Os resultados serão divulgados hoje (24).
Para mostrar os impactos da covid-19 no trabalho e na qualidade de vida desses profissionais, foi aplicado um survey online, entre 15 de setembro e 15 de outubro de 2020, com 53 perguntas de múltipla escolha e abertas. Elas foram respondidas por 612 profissionais, entre assistentes sociais, psicólogos, orientadores e educadores sociais, além dos que atuam na gestão desses serviços, de todos os estados brasileiros. Nesta terceira rodada da survey, foram incluídas novas perguntas, sobre expectativas futuras, gênero e raça para compreender melhor os impactos da covid-19 na vida de mulheres, populações LBGTI+ e outros grupos minoritários.
A comparação das três rodadas da pesquisa (abril, julho e outubro) revela que a situação é muito estável e precária. Os únicos indicadores com alguma melhora são acesso a EPI (aumentou de 38,5% para 60,6%) e treinamento (aumentou de 13% para 22,8%). Mas os indicadores de medo, sensação de preparo, acesso a testes e saúde mental permanecem ruins. “O cenário mostra um avanço muito pequeno nesses oito meses de pandemia, o que é uma situação muito triste para esses profissionais. Aqueles que cuidam da população mais vulnerável não estão sendo devidamente cuidados e protegidos pelo Estado”, afirma Giordano Magri, um dos coordenadores da pesquisa.
No que se refere às condições de trabalho, a pesquisa revelou que 63,8% dos entrevistados não receberam testagem em nenhum momento da pandemia, sendo que apenas 6,1% foram testados de forma contínua durante esse período. O treinamento para lidar com a crise não foi fornecido a 77,7% desses profissionais — entre assistentes sociais, esse percentual chega a 81,7% e, na região Norte, a 95%. Equipamentos de proteção individual (EPI) não chegaram a 39,4% dos profissionais em nenhum momento. Sobre o medo de contaminação, 86,6% dizem ter esse temor (índice que alcança 100% entre os respondentes da região Centro-Oeste) e 71,4% afirmam não se sentir preparados para lidar com a situação de crise, porcentagem ainda alta se considerado o prolongamento da crise sanitária.
A porcentagem de profissionais que afirmam que a saúde mental foi abalada pela pandemia também sofreu um leve aumento com relação à segunda rodada do estudo, passando de 74% para 78%. Apesar desse quadro crítico, apenas 20% dos respondentes disseram ter recebido algum apoio nesse sentido. Emoções como medo, empatia, estresse e cansaço são prevalentes entre os entrevistados e motivadas pela possibilidade de infectar colegas, o aumento da disseminação do vírus, a possibilidade de se infectar, as incertezas, a exaustão psicológica, a falta de ação dos governos e a sobrecarga de trabalho. Mais de um quarto dos entrevistados afirmam, ainda, ter sofrido assédio moral no trabalho durante a pandemia, um aumento de 5% em comparação com a rodada anterior.
Em relação às perspectivas para os próximos meses, 85% dos profissionais de assistência social têm uma visão negativa, atrelada ao caráter estressante do trabalho na pandemia, às incertezas, inseguranças, medos e tensões causados pelo coronavírus.
No que diz respeito ao suporte governamental, mais da metade dos entrevistados diz não receber esse apoio nas esferas municipal (50,7%) e estadual (57,6%), chegando a 80,4% no nível federal. “Esses dados mostram como temos profissionais atuando na linha de frente da assistência em condições muito vulneráveis. Eles estão sem acesso a recursos, sem apoio, sem treinamento e sem suporte governamental durante todo esse período. A consequência é que este profissional está em sofrimento, sente medo, estresse e ansiedade e tem sua saúde mental abalada”, afirma Gabriela Lotta, uma das coordenadoras da pesquisa.