Guilherme Gama, Jornal da USP
A resolução da imagem exibe detalhes do campo magnético que envolve o buraco negro através da técnica de polarização das ondas de luz
Dois anos depois da divulgação da primeira fotografia de um buraco negro pelos astrônomos do Telescópio de Horizonte de Eventos (EHT) fazer história na ciência, uma nova imagem desse astro, localizado no centro da galáxia Messier 87 (M87), na constelação de Virgem, foi revelada pela equipe. Desta vez, a melhor resolução exibe detalhes da natureza desse objeto misterioso e confirma a presença de um enorme campo magnético o envolvendo, o que sustenta modelos que há anos buscam explicar o que de fato ocorre nesse imenso devorador do Universo.
O EHT é um projeto de nível global que tem como foco estudar o horizonte de eventos ligados a buracos negros. Conta com cerca de 300 cientistas e uma rede de telescópios espalhados pelo planeta.
Segundo Rodrigo Nemmen, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, a gestação de um buraco negro se dá pela implosão de estrelas muito massivas, de massa acima de 20 Sóis, unidade de medida astronômica. No final de suas vidas, elas entram em colapso pelo próprio peso e, nesse processo, a gravidade se torna tão intensa que nenhuma força externa tem capacidade de frear esse adentramento em si, gerando um buraco de onde nada escapa de dentro, nem mesmo a luz — por isso o nome “buraco negro”.
Entretanto, Nemmen conta que, neste caso, o fotografado é do tipo supermassivo e a explicação para o seu tamanho, da ordem de 3 milhões de vezes maior que a Terra e de 6,5 bilhões de vezes a massa do Sol, ainda não é clara. “Uma hipótese é que há bilhões de anos, a eclosão da primeira geração de estrelas no Universo, que eram supermassivas, tenha gerado buracos intermediários que, com o passar do tempo, acumularam massa durante a evolução cósmica”, afirma o professor.
A sua proporção é uma das razões pelas quais ele é objeto de pesquisa do EHT, voltado ao estudo do horizonte de eventos, a fronteira teórica ao redor do buraco negro. O projeto também observa outro buraco negro supermassivo, o Sagitário A, que é mil vezes menor, embora esteja mais próximo da Terra, no centro da Via Láctea, enquanto o alvo da imagem está a 53,5 milhões de anos-luz de distância do nosso planeta. Quem explica essa escala ao Jornal da USP é Lia Medeiro, única brasileira que participou da pesquisa, em 2019: “O tamanho, no céu, da foto do buraco negro seria equivalente a você pegar uma laranja, colocá-la na superfície da Lua e tentar tirar uma foto dessa laranja estando na Terra”.
Mas, mesmo assim, com a rede da EHT de oito radiotelescópios distribuídos pelo planeta, não é possível ver o objeto com detalhes na fotografia como vemos nesta nova imagem divulgada pelos astrônomos e, segundo Nemmen, não veríamos mesmo se estivéssemos bem próximos dele. O pesquisador explica que, na verdade, a imagem atual se trata de uma reconstrução criada a partir da sobreposição da primeira fotografia com a utilização de uma técnica chamada polarimetria, que mapeou o campo magnético ao redor do buraco e identificou os jatos de luz. O que vemos não é resultado de observação direta, é a chamada “cor falsa”. Afinal, campos magnéticos não são perceptíveis aos humanos, diferente de alguns animais, como tartarugas-marinhas, que são capazes de sentir o campo magnético terrestre e usá-lo como guia para migrar no oceano.
De acordo com ele, o mapeamento foi feito no disco de acreção (material composto de gás e poeira estelar que é “engolido” pela força gravitacional do buraco), onde foi possível observar a polarização da luz, ou seja, a ordenação das ondas de luz oscilando em uma direção, o que é representado pelas linhas curvas brilhantes. O princípio da polarização já é usado em óculos de sol, por exemplo, que filtram a luz solar e bloqueiam as ondas ultravioleta polarizadas em um sentido, impedindo que cheguem aos nossos olhos, protegendo-os.
Mas se a luz pode ser polarizada aqui na Terra, onde também temos campos magnéticos, por que não os vemos? A questão é que, neste caso, o campo magnético no centro da M87 é tão forte que polariza as ondas de luz. Se em 2019 soube-se da emissão de luz no disco, agora a observação não apenas prova a existência do campo magnético, mas traz medidas sobre sua forma, direção e intensidade. O que os cerca de 300 cientistas do EHT fizeram neste dois anos foram complexas checagens autocomparadas entre as equipes do observatório para chegar a uma resolução espacial do fenômeno. “Um resultado fantástico”, comenta o professor.
Esses jatos de luz polarizada escapam nos arredores do M87 e viajam a cerca de 5 mil anos-luz de distância, de acordo com o EHT, mas Nemmen afirma que a resposta para como são produzidos e atuam esses raios ainda não é certa na astrofísica. “Nosso melhores modelos que explicam esse tipo de fenômeno se baseiam no campo magnético como responsável por produzir tornados de jatos e, por isso, esse mapeamento é extremamente importante. Assim, podemos estudar se a intensidade é suficiente para criar e explicar a origem dos raios”, diz.
De acordo com ele, a pesquisa aponta para a mesma direção do que vem sendo desenvolvido no IAG, embora sejam necessários outros estudos para melhor interpretar e traduzir essa nova informação. Um modelo apresentado por Nemmen, feito pelo doutorando Ivan Almeida, do Grupo de Buracos Negros da USP, também do IAG, é a reprodução computadorizada de simulação de um buraco negro “almoçando”, com um disco de acreção ao seu redor. As cores representam a densidade de matéria e o círculo negro no centro de cada quadrado indica o buraco negro. Pela descrição do professor, à esquerda tem-se a visão acima do disco de gás e, à direita, a vista de lado do sistema. As linhas no quadrado à direita indicam as linhas de campo magnético.
Para os pesquisadores do IAG, o que muda com os novos resultados é a maior confiança de que o trabalho científico desenvolvido no instituto está no caminho certo. Assim como a imagem de 2019 comprovou teorias previstas por Albert Einstein há cerca de 100 anos, essa contribuição sustenta os trabalhos teóricos do grupo. “Nossas vias de pesquisa teóricas como as simulações que estamos fazendo são promissoras para explicar esse tipo de fenômeno dos jatos e a própria M87”, afirma.