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Mês das mulheres – Raqueline Cristina Pereira Monteiro
Dia internacional da mulher

por | 12 mar 2021

A oceanógrafa paraense é a oitava pesquisadora destacada em nosso especial

Raqueline Cristina Pereira Monteiro, 29 anos, oceanógrafa, jovem embaixadora do Brasil, desde dezembro de 2020, na All-Atlantic Ocean Research Alliance (Aanchor) – em tradução livre, Aliança para Pesquisa de todo o Oceano Atlântico – é uma representante típica de brasileiras (e brasileiros, claro!) que viram seus horizontes se expandirem intensa e inesperadamente com a ampliação das universidades públicas e sua abertura para as faixas de baixa renda, a partir das políticas inclusivas, as de cotas entre elas, desde os anos 2000.

“Eu não tinha nenhuma noção desse mundo da universidade e da pesquisa, nem mesmo sabia que existia. Mas, na escola em que eu estava fazendo o ensino médio, tinha uma disciplina de iniciação para o vestibular que começou a mostrá-lo um pouco. E uma amiga que sonhava em fazer jornalismo, aliás ela é mesmo jornalista, começou a me falar muito da universidade. A sementinha de entender esse mundo foi plantada pela escola e por essa amiga”, conta Raqueline em fluência cativante.

Escola pública, ressalte-se, a Visconde de Souza Franco, assim como aquela em que a jovem fez todo o ensino fundamental, a Coração de Jesus, “infelizmente demolida para virar um estacionamento”, ela enfatiza. Era em Marco,  coladinho a Curió Utinga, um bairro da periferia de Belém onde morava. Ali na escola, nas brincadeiras de rua, nos passeios de bicicleta ou na casa da avó materna, onde morou dos 5 aos 15 anos com a mãe, uma irmã e mais dois tios, nem de longe parecia haver espaço para o trajeto que está hoje no resumo de seu currículo na plataforma Lattes.

Entretanto, a escola que frequentou até a oitava série era muito boa em fazer os alunos se conectarem com a importância do meio ambiente e com atividades culturais. “Eu tive professores excelentes, e embora não fosse bem em algumas disciplinas, havia outras em que era boa e adorava, por exemplo, a Feira Cultural”.

Além da referência logo de cara à missão de embaixadora, consta no Lattes “doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aquática e Pesca na Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Oceanografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Integrante do grupo de pesquisa de microplásticos na Amazônia (GEMA)”.

O Lattes também aponta que a oceanógrafa formada pela UFPA é “especialista em poluição marinha com ênfase em lixo marinho e microplásticos em ambientes costeiros e oceânicos. Possui também experiência em recursos hídricos, educação ambiental na zona costeira e oceanografia biológica. Palestrante sobre uso e consumo de plástico e seus impactos no meio ambiente”.

Na origem dessa cientista está a menina que viveu com os pais e a irmã, apenas 10 meses mais nova. até os 5 anos de idade. A separação do casal levou o grupo feminino à casa da avó, provavelmente o elo mais direto de Raqueline com alguma etnia indígena da Amazônia. “Ela é de Óbidos, área de muitas comunidades indígenas perto de Santarém. Investiguei, mas não consegui descobrir ainda de que grupo é”, diz, arrematando em seguida, entre brincalhona e jocosa, com uma frase lapidar: “Como não sei a etnia, me declaro parda. No Brasil, quando a pessoa não sabe direito sua origem, geralmente se declara como pardo”. Ela anda pensando em pedir a ajuda de Marcia Kambeba, importante liderança indígena no Pará, para descobrir seus ancestrais. “Como ela diz, esse é um resgate importante”.

Raqueline conta uma história familiar que se estrutura sobre personagens femininas. “Minha mãe, Rosana, 49 anos, é autônoma, sempre trabalhou no comércio, e sempre foi o eixo da nossa família. Hoje é corretora”. A avó, mudou-se de Óbidos para Belém e “trabalhou desde 12, 13 anos, em casa de família, como empregada doméstica, depois, cozinheira em restaurante”. Teve 5 filhos e dias marcados pela violência doméstica do marido, mesmo depois de separada. Foi ela quem sustentou os filhos.

A propósito, foi temerosa dessa violência que a mãe preferiu que suas filhas adolescentes saíssem da casa da avó e fossem morar com o pai, e é com ele, Reginaldo Monteiro, 51 anos, motorista, que Raqueline Cristina vive desde os 15 anos e até o presente. Regiana, a irmã, atualmente vive em Recife. Curiosidade de repórter: de onde vem o nome da jovem cientista? “Minha mãe viu numa cantora gospel e gostou, e acho que teve um boom desse nome em Belém na década de 90, porque encontrei muitas”, ela conta, rindo.

No começo da adolescência foi o mundo dos esportes que se abriu para ela também. “Minha amiga Lamolza e a mãe dela mostraram que eu podia frequentar as atividades esportivas da Universidade Estadual do Pará (UEPA) e aí fiz tudo que era possível lá, gratuito, três vezes por semana: vôlei, ginástica olímpica, dança moderna e contemporânea, futsal, atletismo. Ainda hoje sou boa no vôlei”.

Mas o tempo de enfrentar a passagem para a universidade chegou. “Prestei para engenharia naval primeiro e não passei. Era 2010, havia o debate do pré-sal, pensávamos nas carreiras mais promissoras, e eu sempre gostei muito de meio ambiente. Mas a verdade é que me achava incapacitada”. Mas vendo as fantásticas imagens das atividades da oceanografia, “as lindas águas azuis e os animais marinhos”, Raqueline não teve dúvidas. “É isso que quero para mim, eu disse. Me apaixonei. Entrei pelas cotas de estudante de escola pública, mas ao começar o curso, foi uma decepção, porque oceanografia na Amazônia só tinha rios escuros e mar escuro”.

A decepção passou. “Era muito grande minha vontade de conhecer o novo, viajar, e quando eu soube que teria essa oportunidade, isso pesou bastante. E a conclusão é que foi a melhor coisa que eu podia ter escolhido na minha vida. O curso me fez conhecer pessoas bem diferentes, outras realidades”.

Ainda na graduação, o professor James Tony Lee foi uma figura fundamental na formação de Raqueline. “Eu não sabia escrever um texto, era zero de inglês, não sabia fazer nada de pesquisa, e foi com ele que tudo começou, inclusive uma visão mais ampla do mundo da ciência”. No TCC, ela levou bem a pesquisa “Distribuição Vertical das Larvas de Neritina zebra”, em que examinava sua movimentação na água em função da maré. Mas as dificuldades com a apresentação que aconteceria numa segunda-feira eram tamanhas que no fim de semana o orientador foi ver de perto a preparação. “Ele foi em minha casa para assistir, e eu tão nervosa fui tão mal que no final ele disse, ‘vamos torcer para você passar’”. Mas Raqueline surpreendeu e quase tirou um excelente. “Era minha primeira avaliação científica, fiquei bem orgulhosa, e ele meio que não acreditou no que estava vendo, embora sempre tenha me dito que era muito perseverante”.

Já no mestrado, como queria trabalhar com poluição ambiental – ainda na graduação tinha criado com um grupo de colegas o projeto de educação ambiental “Lixo zero: do rio ao oceano” – ela foi para a UFPE, com bolsa da Fundação de Amparo a Ciência Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe). Orientada por Mônica Ferreira da Costa e coorientada por Juliana Assunção Ivar do Sul, trabalhando sobre o tema “Plásticos em ilhas do Oceano Atlântico, com ênfase na fração <1 mm na Ilha de Fernando de Noronha”, foi dali que eu tive publicado meu primeiro artigo em 2018 (Plastic pollution in islands of the Atlantic Ocean), ela conta com certa emoção.

Agora está em andamento o doutorado, na UFPA de novo, com a pesquisa sobre microplásticos na plataforma continental amazônica e área oceânica adjacente,
sob a orientação do professor Tommaso Giarrizzo, e como coorientador, Moacyr Araújo

Foi enquanto a pandemia pesava muito e a impedia de trabalhar com análises de amostras de sedimentos e bichos, que surgiu a oportunidade de se inscrever para a seleção feita pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparoà Pesquisa (Confap) dos três jovens  embaixadores brasileiros do Oceano Atlântico, um projeto de parceria internacional entre vários países da América, África e Europa banhados pelo Atlântico.

“O programa internacional visa a envolver estudantes, sociedade civil e tomadores de decisão, assim como a mídia local, para promover a conservação e proteção do Oceano Atlântico para as futuras gerações”, disse notícia da página da UFPA, em matéria assinada por Maiza Santos em 30 de dezembro passado.
Os 25 embaixadores, incluindo os 3 brasileiros, participam de eventos virtuais e presenciais integrados às ações colaborativas do Atlântico, apoiados por ações de pesquisa e inovação do projeto. A declaração de Raqueline ao portal da UFPA em dezembro teve força e sabor de manifesto:

“Ter sido escolhida no ano inicial da Década dos Oceanos é uma honra, mas também uma grande responsabilidade que vai além da comunicação e ação para um oceano sustentável. Muitas vezes a Amazônia é retratada pelas vozes de outras pessoas e nós precisamos assegurar o nosso direito de ser ouvido e respeitado dentro dos espaços de poder e decisão. Ninguém melhor que um amazônida para falar da Amazônia. Nós temos líderes e pesquisadores com trabalhos e projetos incríveis, que, muitas vezes, são esquecidos e substituídos por quem não vive a nossa realidade, principalmente no que se refere às mulheres”.

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