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Mecanismos da percepção de toque e temperatura rendem Nobel de medicina
Prêmio Nobel

por | 4 out 2021

Prêmio será dividido entre um cientista americano e um libanês, que descobriram receptores fundamentais em nossa relação com o ambiente

Como o sistema nervoso identifica um toque em nossa pele ou se um objeto ou ambiente está quente ou frio? A resposta a essas perguntas resultou no prêmio Nobel de medicina ou fisiologia para os pesquisadores David Julius e Ardem Patapoutian, conforme anunciado pela assembleia do prêmio nesta segunda-feira, 4.

David Julius, americano de Nova York e pesquisador na Universidade da Califórnia, utilizou a capsaicina – o composto que deixa a pimenta ardida – para identificar um sensor nas terminações nervosas da pele que respondem ao calor. Ardem Patapoutian, libanês de Beirute e pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes, também na Califórnia, utilizou células sensíveis à pressão para descobrir uma nova classe de sensores que respondem a estímulos mecânicos na pele e nos órgãos internos. Suas descobertas ensejaram intensa atividade de pesquisas que levaram a um rápido aumento em nossa compreensão de como o sistema nervoso percebe calor, frio ou contato.

Os mecanismos pelos quais sentimos o ambiente ao nosso redor são objeto de nossa curiosidade há muito tempo. No século XVII, o filósofo francês René Descartes especulou sobre fios que conectariam diferentes partes da pele ao cérebro. Em 1944, os pesquisadores americanos Joseph Erlanger e Herbert Gasser ganharam o Nobel de medicina pela descoberta de diferentes tipos de fibras nervosas sensoriais que reagem a distintos estímulos, por exemplo toque doloroso e toque sem dor. Desde então, foi demonstrado que células nervosas são altamente especializadas para detectar e converter diferentes tipos de estímulos, possibilitando uma percepção nuançada do ambiente. Por exemplo, nossa capacidade de sentir diferentes texturas em superfícies com as pontas dos dedos, ou a capacidade de discernir entre uma temperatura morna agradável e uma temperatura quente que cause dor.

As descobertas de Julius e Patapoutian foram fundamentais para entendermos como a temperatura ou o estímulo mecânico se convertem em impulsos elétricos no sistema nervoso.

Nos anos 1990, já se sabia que a capsaicina ativa células nervosas causando a sensação de dor, mas não se sabia como o composto químico faz isso. Julius e colegas na Universidade da Califórnia criaram uma biblioteca de milhões de fragmentos de DNA correspondentes aos genes ativos nos neurônios sensoriais que podem reagir a dor, calor e toque. A hipótese deles era de que a biblioteca conteria fragmentos de DNA que codificassem a proteína capaz de reagir à capsaicina. Eles usaram genes individuais dessa coleção em culturas de células que normalmente não reagem à capsaicina. Depois de uma longa busca, identificaram um gene que tornava a célula sensível ao composto. Pesquisas posteriores mostraram que esse gene codificava um canal iônico (uma proteína presente em membranas celulares que deixa alguns íons passarem e outros, não, entre os meios interno e externo da célula), receptor posteriormente chamado de TRPV1. Quando pesquisou a resposta dessa proteína ao calor, Julius percebeu ter descoberto um receptor que é ativado em temperaturas percebidas como dolorosas.

David Julius usou capsaicina de pimentas para identificar o TRPV1, canal iônico ativado por calor doloroso

Essa descoberta abriu caminho para que se encontrassem outros receptores sensíveis a temperatura. Em pesquisas independentes uma da outra, os dois ganhadores do Nobel 2021 utilizaram a substância mentol para identificar o TRPM8, receptor ativado pelo frio. Outros canais iônicos relacionados ao TRPV1 e aos TRPM8 foram encontrados e descobriu-se que são ativados por uma gama de diferentes temperaturas. A descoberta do TRPV1 foi decisiva para que se começasse a entender como diferenças de temperatura podem induzir sinais elétricos no sistema nervoso.

Enquanto os mecanismos relacionados a temperatura iam sendo revelados, prosseguia a dúvida cobre como o estímulo mecânico se converte na sensação de toque ou pressão. Pesquisadores já haviam encontrado sensores mecânicos em bactérias, mas o mecanismo em vertebrados continuava um mistério.

Patapoutian, então no instituto Scripps Research, e alguns colegas identificaram uma linhagem de células que emitia um sinal elétrico mensurável quando uma das células era cutucada com uma micropipeta. Assumindo que o receptor ativado pelo estímulo mecânico era um canal iônico, os pesquisadores identificaram 72 genes que codificavam possíveis receptores. Esses genes foram inativados um por um para que se descobrisse qual deles era sensível ao estímulo, até que a equipe encontrou qual deles, quando inativado, tornava a célula insensível ao cutucão com a micropipeta. O novo canal iônico recebeu o nome de Piezo1 (de píesi, “pressão” em grego). Depois foi descoberto um canal iônico similar, o Piezo2, também diretamente ativado pela pressão em membranas celulares.

Patapoutian usou cultura de células mecanossensíveis para identificar um canal iônico ativado por força mecânica, o Piezo1; depois seria descoberto o Piezo2

A partir do trabalho de Patapoutian e seus colegas, foram feitas muitas outras pesquisas sobre a importância do Piezo2 para a sensação de toque. Além disso, descobriu-se que esse canal iônico tem papel fundamental na percepção de posição e movimento do corpo – chamada de propriocepção. Também se descobriu mais tarde que o Piezo1 e o Piezo2 são importantes em processos fisiológicos como pressão sanguínea, respiração e controle urinário pela bexiga.

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