A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) divulgou nota, na quarta-feira, 10, contra a medida provisória editada pelo governo federal, na mesma data, que autoriza o Ministério da Educação a escolher reitores e vice-reitores de universidades federais durante a pandemia de covid-19. A medida vale também para instituttos federais e para o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro.
Na nota, assinada por seu presidente João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia, a Andifes aponta a inconstitucionalidade da medida e provocação contida nela ao Congresso Nacional, que não tramitou medida anterior que também buscava alterar regras na escolha dos dirigentes das instituições. “Suspender eleições e escolha dos dirigentes universitários ou condicioná-las ao fim incerto do período da pandemia”, diz a nota, “implica uma intervenção por tempo indeterminado, que tão somente revela um mal disfarçado pendor autoritário e uma chantagem política em desfavor da vida.”
O documento ataca o as alegações de que a suspensão das atividade presenciais inviabilizaria consultas e reuniões de colégios eleitorais, lembrando que cada universidade tem feito adaptações para funcionar de forma remota, assim como as casas parlamentares e tribunais. “O funcionamento administrativo está garantido, e cada instituição encontra as melhores medidas de acompanhamento e participação de sua comunidade, nas formas e ritmos que, no exercício de sua autonomia, julga adequados para dar continuidade a seus compromissos de ensino, pesquisa e extensão.”
Leia abaixo a nota completa:
Intervenção na Democracia
No dia 10 de junho de 2020, o Brasil foi surpreendido pela Edição da Medida Provisória 979, que dispõe sobre a designação de reitor e vice-reitor pro tempore para universidades federais e de reitor pro tempore para institutos federais e Colégio Pedro II, no caso de término de mandato dos atuais dirigentes durante o período da emergência de saúde pública, decorrente da pandemia da covid-19. Tal Medida Provisória é, claramente, inconstitucional e perigosa. A inconstitucionalidade patente da MP 979 abriga também uma provocação ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal. Afinal, no último dia 02 de junho, a MP 914, com a mesma intencionalidade de alterar regras de escolha de dirigentes, não tramitou e perdeu sua eficácia, por falta de aceitação do legislativo. E o STF já se manifestou sobre o expediente de reedição de medida provisória.
Trata-se agora de uma intervenção em nossas instituições, dando curso aos ataques à autonomia universitária e afrontando diretamente toda a sociedade brasileira. Temos, porém, a convicção de que o Congresso Nacional e a sociedade brasileira não serão cúmplices de tamanha agressão à democracia. Suspender eleições e escolha dos dirigentes universitários ou condicioná-las ao fim incerto do período da pandemia e, depois, pelo período subsequente necessário para realizar a consulta à comunidade, até a nomeação dos novos dirigentes, na dependência dos humores do Presidente da República, implica uma intervenção por tempo indeterminado, que tão somente revela um mal disfarçado pendor autoritário e uma chantagem política em desfavor da vida.
Alegam que nas instituições federais de ensino as atividades presencias estão suspensas e, por esse motivo, não poderiam ocorrer consultas nem reuniões dos Colégios Eleitorais, nos quais se decidem as listas tríplices, em conformidade com os respectivos regimentos e legislação vigente. Ora, as atividades presenciais estão suspensas, sim, mas justamente por orientação das autoridades sanitárias e da opinião científica mundial. Medidas de igual natureza, de proteção das pessoas, combinadas com adaptações que preservam a essência das instituições, ocorrem em todo o mundo. Apesar da grave crise sanitária, somada à atual crise política e econômica, o Congresso Nacional e os Tribunais Superiores cumprem suas funções constitucionais. Também, parlamentares, ministros e servidores trabalham de forma remota. Votações legais e legítimas, mesmo virtuais. Não se pode, portanto, responsabilizar a pandemia pelo desgoverno ou pelo fim da democracia.
Salvaguardar vidas é imperativo ético de todas as pessoas responsáveis. Desse modo, muitas atividades nas universidades foram adaptadas, prosseguindo, todavia, no essencial, de modo remoto. Assim, órgãos deliberativos têm funcionado com a regularidade necessária. O funcionamento administrativo está garantido, e cada instituição encontra as melhores medidas de acompanhamento e participação de sua comunidade, nas formas e ritmos que, no exercício de sua autonomia, julga adequados para dar continuidade a seus compromissos de ensino, pesquisa e extensão. E universidade, sabemos bem, é muito mais do que sala de aula. Nossos laboratórios, cientistas e hospitais universitários estão em dedicação extraordinária ao enfrentamento da COVID-19. Centenas de ações são hoje desenvolvidas em nossas instituições no combate à pandemia e mais de mil pesquisas estão em curso sobre o coronavírus. E a sociedade brasileira reconhece e apoia esse trabalho.
Mais uma vez, o governo testa os limites da democracia. Provoca e insulta nossa responsabilidade cívica ao suprimir a autonomia e a democracia nas universidades, lugar natural do conhecimento e da liberdade de expressão. A universidade federal brasileira confia assim que o Congresso Nacional devolverá ou rejeitará em rito sumário essa Medida Provisória, cabendo também ao STF, como guardião da Constituição Federal, impedir liminarmente este atentado à democracia. Não à intervenção em universidades e institutos federais!
Brasília, 10 de junho de 2020
Reitor João Carlos Salles Pires da Silva
Presidente da Andifes