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Largo da Banana: estudo investiga como surgiu e como desapareceu o berço do samba paulistano

Bianca Camatta, Jornal da USP

Pesquisadora se aprofundou em letras de músicas, leis, jornais, entrevistas e projetos urbanísticos para entender o surgimento e o desaparecimento desse local no bairro da Barra Funda, considerado o marco inicial do samba em São Paulo

Ao analisar diferentes registros como jornais, projetos urbanísticos, leis, letras de samba e entrevistas de sambistas, a pesquisadora constatou que os períodos históricos relacionados ao surgimento e ao desaparecimento da região começaram a se distanciar da narrativa comum, eternizada por letras de samba. Na imagem, a placa indicando a origem do Largo da Banana, afixada em 2021 nas paredes do viaduto Pacaembu, na Barra Funda, em São Paulo (foto: Renata Siqueira)

O Largo da Banana, localizado junto à estação de trem da Barra Funda, zona oeste paulistana, é conhecido como o Berço do Samba de São Paulo. Muitos sambistas cantam a região com saudosismo, contribuindo para difundir a história consolidada: o local teria surgido entre o final do século 19 e início do século 20, quando a população negra lá se reunia e alternava trabalho com momentos de lazer, marcados pelo samba – exatamente como diz a placa afixada em 2021 em uma parede do viaduto Pacaembu e que homenageia o lugar. Já o seu desaparecimento estaria associado à urbanização da área. Porém, uma pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidasde de São Paulo (USP) traz novos dados sobre o berço do samba: segundo a arquiteta e urbanista Renata Monteiro Siqueira, foi apenas após 1950, ou seja, muito tempo depois do que conta a narrativa consolidada, que começam a surgir os primeiros registros oficiais do nome Largo da Banana, o que caracteriza essa região.

“O fundamental da minha pesquisa foi mostrar que o Largo da Banana é parte de um momento histórico da cidade de São Paulo que está muito mais próximo da gente do que imaginamos”, comenta a autora da tese de doutorado O viaduto e o samba: o Largo da Banana, urbanização e relações raciais em São Paulo, orientada pelo professor Eduardo Alberto Cusce Nobre e defendida em dezembro de 2021. Para Renata, a colocação da placa no viaduto Pacaembu ajuda a trazer reconhecimento ao lugar que, por muito tempo, foi conhecido apenas pelos versos das músicas. Segundo a pesquisadora, com essa indicação, as pessoas passam a ter noção do seu significado e de sua localização. A demarcação desse território negro no viaduto garante uma oficialização do berço do samba, diz.

A partir da narrativa dos sambistas, Renata partiu da hipótese de que o processo de urbanização de São Paulo, em específico a construção do viaduto Pacaembu — projeto inaugurado em 1958, que estendeu a Avenida Pacaembu até a Marginal Tietê — teria levado ao desaparecimento do Largo da Banana. Atualmente, na região, além do viaduto e da placa, há um movimento de incentivo e de resgaste que surge de várias escolas de samba e de sambistas da cidade.

O Largo da Banana nas músicas, nos jornais e nos projetos urbanísticos

Para investigar essa relação, foram analisados diferentes registros históricos: jornais, projetos urbanísticos, leis, letras de samba e entrevistas de sambistas. “Confrontar fontes diversas me ajudou a trazer mais complexidade para a história desse lugar tão importante”.

Foi analisando todos esses registros que os períodos históricos relacionados ao surgimento e ao desaparecimento da região começaram a se distanciar da narrativa comum, eternizada por letras de samba, como em O Último Sambista (1968), de Geraldo Filme:

Geraldo Filme (foto: reprodução)

Adeus,

Tá chegando a hora

Acabou o samba

Adeus Barra Funda

Eu vou-me embora

Veio o progresso

Fez do bairro uma cidade

Último Sambista, Geraldo Filme

“Até metade do século 20, aquele lugar existe, só não é conhecido como Largo da Banana. Então tinha negros e brancos, brasileiros e estrangeiros, um cotidiano extremamente diverso”, conta Renata. A região era um importante ponto comercial e uma das zonas de abastecimento da cidade. Alguns dos comércios que fizeram parte da região foram o de café, o de algodão e, inclusive, o de banana.

“Ele começa a ser chamado informalmente de Largo da Banana devido a um comércio de bananas sobre o qual eu só encontro referências a partir dos anos 1940. Referências interessantes, como um artigo do Correio Paulistano, que reclama do cheiro do comércio”, explica.

E o Largo da Banana só começa a ser reconhecido assim nos documentos analisados alguns anos depois das referências ao comércio da fruta, nos anos 1950. Esse mesmo período na narrativa popular é relacionado ao desaparecimento dessa região. Já em meados dos anos 1970 as referências começam a desaparecer, à medida que o pátio de cargas é desativado e começam as obras da construção da linha vermelha do metrô na região.

O Largo da Banana está localizado próximo a região da Barra Funda (foto: Renata Siqueira)

Renata conta que, entre os documentos analisados para a pesquisa, estão algumas entrevistas realizadas para um projeto audiovisual do Museu da Imagem e do Som de São Paulo, desenvolvido a partir de 1976 e, sobretudo, no início dos anos 1980, sobre o carnaval paulistano. Segundo ela, o material ajudou muito a esclarecer a formação do Largo da Banana. Dionísio Barbosa (1891-1977), conhecido como o fundador dos cordões carnavalescos paulistanos, foi um dos entrevistados pelo projeto. Na conversa, em nenhum momento, o sambista se refere a região da Barra Funda como Largo da Banana, apenas quem cita o termo é o entrevistador. Outro sambista entrevistado é Zezinho da Casa Verde (1911-1988), que trabalhou como ensacador no comércio de banana e fez questão de se referir a região com o nome Pátio da Banana, aludindo ao pátio de cargas da ferrovia.

“São os sambistas mais novos, como Geraldo Filme (1927-1995) e Inocêncio Tobias (1921-1980), que se posicionam por essa narrativa do desaparecimento da região”, aponta a pesquisadora. Renata acredita que esses cantores ajudaram a criar a imagem do berço do samba desaparecido, em suas lutas por consagração.

Relações raciais e historiografia urbana

Assim como a placa, Renata busca dar voz a narrativas antes escondidas. Ela destaca que ainda há muito a ser estudado sobre as histórias de lutas e aspirações da população negras dentro da sua área de estudo. “Isso vem mudando ao longo dos anos, mas, no geral, poucos pesquisadores dos estudos urbanos deram atenção às relações raciais”, opina. Para ela, um dos principais destaques da sua pesquisa é contribuir para a historiografia urbana sobre a população negra na cidade de São Paulo.

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