Tradução e edição: Tiago Marconi
Mecanismo foi observado em diferentes espécies do gênero Anolis
Uma equipe de biólogos evolucionistas demonstrou que alguns lagartos do gênero Anolis se adaptaram para “re-inspirar” o ar que expiram embaixo d’água, usando para isso uma bolha presa ao focinho.
Anolis semi-aquáticos vivem perto de rios na região tropical das Américas e frequentemente mergulham em busca de refúgio, permanecendo submersos por até 16 minutos. Lindsey Swierk, pesquisadora na Universidade de Binghamton, nos Estados Unidos, documentou esse comportamento em uma espécie de anoli da Costa Rica em 2019. Ela ficou espantada ao ver um espécime submergir por um longo período e usou uma câmera GoPro para filmar o comportamento.
“É fácil imaginar a vantagem que esses anolis pequenos e lentos obtêm ao se esconder de seus predadores embaixo d’água – eles são difíceis de encontrar!”, disse Swierk. “Mas a questão real é como conseguem ficar tanto tempo.”
Os pesquisadores conduziram experimentos documentando a respiração submersa em várias espécies aparentadas e descobriram que os anolis semi-aquáticos podem respirar sob a água “re-inspirando” ar preso entre suas peles e a água em volta.
“Descobrimos que os anolis semi-aquáticos expiram ar para uma bolha que fica agarrada à pele deles”, disse o autor principal Chris Boccia, que recentemente concluiu o mestrado na Universidade de Toronto, no Canadá. “Os lagartos então inspiram de novo o ar, uma manobra que batizamos de “re-inspiração” (rebreathing), a partir da tecnologia de mergulho autônomo.” Mergulho autônomo é aquele feito com cilindro de oxigênio.
Os pesquisadores acreditam que a pele hidrofóbica, observada em todas as amostras de anolis, pode ser exaptativa (ou seja, pode ter evoluído por pressões seletivas não relacionadas à função em questão), e ter facilitado a evolução do fenômeno em espécies que mergulham regularmente. As análises sugerem que a re-inspiração especializada é adaptativa (evoluiu por pressão seletiva relacionada à função) para animais de habitat semi-aquático. O mecanismo pode ajudar no desempenho do mergulho ao incorporar o espaço morto (a parte do ar inalado que não participa da troca gasosa no organismo) da cavidade bucal ou do plastrão – uma espécie de bolsa de ar – aos pulmões, facilitando a expulsão do dióxido de carbono ou permitindo a captação de oxigênio da água ao redor (como nas guelras dos peixes). A equipe usou um sensor dentro das bolhas re-inspiradas para determinar se os anolis estavam consumindo oxigênio. Os cientistas descobriram que, tal como nos cilindros dos mergulhadores, a concentração de oxigênio na bolha de ar dos anolis diminui ao longo do tempo, confirmando o que imaginavam.
“A descoberta de que diferentes espécies de anolis semi-aquáticos convergiram evolutivamente para extrair oxigênio de suas bolhas re-inspiradas leva a outras questões estimulantes”, disse Swierk. “Por exemplo, a taxa de oxigênio da bolha consumido diminui ao longo do mergulho, o que possivelmente poderia ser explicado por uma redução na taxa metabólica do anoli submerso por muito tempo”. Alexandra Martin, aluna de pós-graduação da Universidade de Binghamton e co-autora do estudo, está atualmente pesquisando se o resfriamento do corpo durante os mergulhos pode ajudar a explicar esse fenômeno.
“Re-inspiração nunca tinha sido considerada como um potencial mecanismo natural para respiração submersa em vertebrados”, disse Luke Mahler, professor assistente de ecologia e biologia evolutiva na Universidade de Toronto e orientador da tese de Boccia. “Mas nosso trabalho mostra que isso é possível e que os anolis empregaram essa estratégia repetidamente em espécies que usam o habitats aquáticos”.
Swierk e Mahler estão planejando projetos futuros para entender melhor a evolução da fisiologia e do comportamento relacionados à re-inspiração. “Anolis são um grupo de lagartos notável, e a quantidade de formas com que esse táxon se diversificou para tirar vantagem de seus ambientes é espantosa”, disse Swierk.