- Estudo avaliou impacto da industrialização nas costas do Amapá, Pará e Maranhão
- Região é alvo do avanço desordenado da indústria do petróleo, pesca e mineração no fundo do mar
- Faltam planejamento e proteção para garantir o futuro da área
Um estudo pioneiro sobre os usos da costa marítima amazônica publicado na quarta (24) na revista Marine Policy revela a complexidade da zona econômica exclusiva brasileira ao largo do Amapá, Pará e Maranhão. Ainda que distante dos grandes centros e insuficientemente conhecida pelos cientistas, a região está longe de ser intocada. Assim como a floresta, a plataforma continental amazônica, fundo submarino junto à costa, já vive as contradições do avanço desenfreado de diversas atividades econômicas.
O estudo, feito por doze pesquisadores brasileiros ligados a diversas instituições, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e a Universidade da Geórgia, Estados Unidos, teve como objetivo avaliar a extensão de atividades econômicas que impactam a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas marinhos, como a exploração de óleo e gás e a mineração. Ele revela que, ao mesmo tempo em que a industrialização avança nesta imensa área submersa, que corresponde ao dobro do território do Estado de São Paulo, há uma lacuna enorme de iniciativas para a conservação e o uso sustentável dos recursos marinhos.
Além de delinear a escalada de conflitos e as políticas públicas desencontradas, muitas delas antagônicas, os resultados do trabalho fornecem um alicerce conceitual e uma extensa base de dados para subsidiar a utilização racional e sustentável da costa amazônica.
A região é dominada pela influência do rio Amazonas no mar. Sozinho, o grande rio responde por 20% da descarga fluvial mundial que chega aos oceanos, criando um ecossistema sem similar em todo o mundo. A Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), por exemplo, define a região como Área Ecológica e Biologicamente Significativa, em nível global. Do Oiapoque, no Amapá, à baía de São Luiz, no Maranhão, encontra-se a maior faixa contínua de manguezais do mundo, com cerca de 10 mil km², ou 1 milhão de campos de futebol. Alimentados pelos nutrientes carreados do continente, os manguezais e estuários representam segurança econômica e alimentar para centenas de comunidades tradicionais, boa parte delas residentes nas 17 reservas extrativistas que cobrem costa amazônica.
Apesar do gigantismo dos indicadores sobre a costa amazônica, um dos pontos que a pesquisa levanta é o descompasso entre o avanço de atividades econômicas extrativistas e a falta de um planejamento minimamente integrado e que considere a complexidade social, ambiental e climática da região. “Nesse cenário, prevalece a falta de diálogo entre os diferentes setores e a exploração irracional dos recursos naturais. Reverter esse impasse é chave para a recuperação econômica do país em bases sustentáveis”, destaca Rodrigo Moura, professor da UFRJ, que liderou o estudo.
Conhecimento fragmentado
O conhecimento científico sobre a costa amazônica vem se acumulando progressivamente, mas as bases de dados fragmentadas permanecem como obstáculo para uma agenda de gestão ambiental abrangente e efetiva. Um dos méritos do trabalho, segundo Moura, foi sobrepor dados acumulados desde a década de 1970 sobre a costa amazônica, dispersos em diferentes plataformas. “Nosso esforço foi reunir e organizar a informação, fornecendo subsídios para decisões sensatas, pensando nas próximas gerações. A disponibilização da base de dados permite correções e integração de novos estudos”, afirma o pesquisador.
Segundo Beatrice Padovani Ferreira (UFPE), co-autora do estudo, a pesquisa fornece bases para uma gestão da pesca neste sistema complexo. Porém, ela ressalta que informações básicas como dados estatísticos da pesca e biologia das espécies comerciais ainda são escassos, e destaca a importância da participação do setor pesqueiro nestes esforços. “Sem esses elementos, a atividade pesqueira coloca em risco não só a própria indústria, mas também acaba impactando negativamente a economia e as comunidades locais”, complementa Beatrice.
Para os cientistas, um dos maiores riscos no horizonte é a tentativa de fazer da costa amazônica uma nova fronteira exploratória para petróleo e gás. Embora algumas gigantes da indústria petrolífera tenham desistido de licenciar blocos de exploração, como a francesa Total, que no final do ano passado passou para a Petrobrás os blocos comprados em leilão da Agência Nacional de Petróleo. “A controvérsia sobre a exploração de petróleo próximo aos recifes trouxe prejuízo para as petroleiras, mas poderia ter sido evitada se as análises prévias ao licenciamento tivessem sido feitas conforme estabelece a legislação”, completa Eduardo Tavares Paes (UFRA), co-autor do estudo.