jornalismo, ciência, juventude e humor
Escalas de dor são usadas para reduzir o sofrimento dos animais na recuperação de cirurgias
Veterinária

por | 2 jul 2020

Caroline Marques Maia

Grupo de pesquisas da Unesp de Botucatu tem destaque mundial nessa área

Serena Koi / Pexels

Quando um gatinho sofre uma cirurgia, ele pode sentir dor assim que passar o efeito da anestesia… Ou seja, enquanto estiver se recuperando com seu tutor, pode ser necessário utilizar analgésicos para diminuir seu sofrimento. Mas como saber se ele está realmente com dor e o quanto está doendo? É exatamente essa questão que o grupo de pesquisas do professor Stelio Luna, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, vem desvendando. Esses pesquisadores desenvolveram uma escala para avaliar de forma objetiva a ocorrência de dor em gatos que passaram por cirurgias, um estudo publicado na reconhecida revista BMC Veterinary Research em 2013.

Essa escala se baseia em mudanças de comportamento que os animais expressam quando sentem dor. Ela não existe apenas para os gatos… as primeiras começaram a ser desenvolvidas e publicadas na década de 90, mas, segundo Luna, passaram a ser confiáveis apenas a partir dos anos 2000. “Em 2001, lançou-se a primeira escala validada para avaliar a dor em cães; em 2008 em equinos; em 2013 em gatos; e em 2014 em bovinos, sendo essas duas últimas realizadas pelo nosso grupo de pesquisa”, comenta o pesquisador. A escala para avaliar dor em cães foi desenvolvida por um grupo de pesquisadores da Universidade de Glasgow, na Escócia; enquanto que a escala de dor em cavalos é de um grupo de pesquisas da universidade de Montreal, no Canadá.

Quando a dor começou a ser estudada nos animais?

De acordo com Luna, os cavalos foram os primeiros animais a se tornarem foco dos estudos sobre dor, possivelmente por serem de uma espécie com expressões faciais e corporais evidentes, especialmente para sensações de dor. “Desde a década de 40 já há escores para diagnosticar o grau de manqueira desses animais”, aponta o docente. Mesmo assim, apenas bem mais tarde é que a avaliação da dor em animais começou a ser investigada e publicada em estudos científicos. “Embora a ciência já apresentasse este conhecimento, apenas mais recentemente, a partir da década de 90, iniciaram-se estudos que propõem métodos para avaliar a dor em animais.”, pontua Luna.

Como o grupo de pesquisas da Unesp de Botucatu se destaca?

No grupo de pesquisas que coordena, Luna vem desenvolvendo e publicando diversos trabalhos importantes nessa área em revistas científicas internacionais de impacto. “Existem outros grupos também, mas o grupo do professor Stelio foi o pioneiro no Brasil e ainda nos dias atuais representa grande destaque”, comenta Pedro Trindade, estudante de doutorado que faz parte do grupo coordenado pelo pesquisador Luna. Além disso, outro diferencial do grupo é a validação estatística das escalas, que é mais robusta e inovadora, algo que vem sendo mundialmente reconhecido. A própria escala para avaliar dor em gatos operados, chamada de Unesp-Botucatu cat pain scale, é um trabalho de destaque do grupo, pois é considerada uma referência mundial na área, tendo já sido mencionada diversas vezes por outros trabalhos científicos de revistas de qualidade. “Essa escala para avaliar dor em gatos foi a única validada com uma estatística robusta”, aponta Pedro.

Infografia: Caroline Marques Maia

Como o estudo com os gatos foi desenvolvido?

Para desenvolver esse estudo, os pesquisadores fizeram uma divulgação no Hospital Veterinário da Unesp de Botucatu voltada para aqueles que gostariam de castrar suas gatas. Os responsáveis pelos animais que se interessaram, entraram em contato espontaneamente com os pesquisadores responsáveis, que explicaram as bases do projeto. As gatas saudáveis cujos responsáveis concordaram com a participação no estudo foram internadas no hospital, filmadas e castradas de forma convencional por um custo reduzido ou mesmo gratuitamente, como uma forma de recompensa para os participantes. Para construir essa escala, os pesquisadores se basearam em outra já existente para cães e, para validá-la, foram obtidos dados de 30 gatas.

No processo de construção da escala, após a cirurgia de castração, as gatas foram observadas em períodos regulares até 24 horas após a cirurgia. Quando os pesquisadores observavam dor nos animais nesse período, eles usavam morfina e anti-inflamatório para aliviar o sofrimento das gatas. Os pesquisadores avaliaram quais comportamentos observados com base na escala de cães eram relevantes também para as gatas. Já no processo de validação da escala, todas as gatas receberam analgésicos após a cirurgia e foram então avaliadas por até 24 h após o processo cirúrgico.

Pesquisadora observando e registrando os comportamentos de uma gata já operada. (Foto: Maíra Belli e Stelio Luna)

Para avaliar os comportamentos das gatas antes e após as cirurgias, enquanto estavam nas gaiolas próprias para internação, foram colocadas no chão e filmadas. O pesquisador responsável pelo projeto se aproximava e abria a gaiola, interagindo com os animais e observando suas reações. Posteriormente, os comportamentos das gatas foram registrados a partir das filmagens por quatro avaliadores, todos veterinários experientes e que participaram da pesquisa. Quando a gata estava inquieta, agressiva ou mesmo lambendo a ferida cirúrgica, por exemplo, é porque estava com muita dor.
Após a construção e a validação dessa escala para avaliar dor em gatas castradas, houve ainda um processo de simplificação dos itens que a compõem. “Como a escala ficou bem longa, acabou passando por um processo de refinamento com base em análises estatísticas e foi reduzida. Essa escala é o que a gente chama de short form, que é simplesmente uma versão curta da escala original”, explica Maíra Belli, aluna de mestrado orientada por Luna.

Planos futuros e outras informações…

Luna tem intenção de desenvolver e publicar escalas para os mais diversos animais domésticos, incluindo aqueles de produção – como foi o caso dos cavalos e dos bovinos, com escalas de dor já publicadas pelo grupo. “Este ano serão publicadas as primeiras escalas validadas em suínos, asininos, ovinos e coelhos, também pelo nosso grupo de pesquisa”, comenta o pesquisador. Além disso, pesquisadores do grupo estão desenvolvendo também escalas para avaliar a dor em gatos em outras situações além da castração. Até o momento já contam com 52 animais filmados para essa pesquisa. “Meu estudo busca demonstrar que a escala para avaliar dor em gatos pode ser utilizada em vários contextos além da castração de fêmeas. Assim, o que estamos fazendo agora é um estudo de validação clínica para outros procedimentos cirúrgicos, tais como cirurgias ortopédicas ou de retirada de mama, e também para o atendimento clínico de animais que chegam ao hospital com dor, por exemplo, por terem quebrado uma pata.”, finaliza Maíra.

O grupo de pesquisa do professor Luna tem um site, o Animal Pain, em que a escala para avaliação da dor em gatos em condição pós-operatória de castração está divulgada de forma aberta e didática. O site conta também com outras informações sobre a importância da dor para questões relacionadas a qualidade de vida dos animais, outras informações sobre escalas de dor, e também sobre a avaliação da dor em gatos.

Compartilhe:

Acompanhe nas redes

ASSINE NOSSO BOLETIM

publicidade