Nós sabemos. É desagradável. Mas alguém precisa falar sobre xixi com os leitores. Sobrou para o Ciência na rua. Todo esse desconforto porque é carnaval e com o crescimento dos blocos, cresceu também a incidência de foliões regando postes, muros e plantas com urina.
Antes sério que engraçado, esse hábito traz uma série de inconveniente. Além do cheiro, a urina é cheia de microorganismos e outras substâncias que poluem o ambiente, dissemina doenças e corrói as estruturas do equipamento urbano. Em palavra pouco científica: é nojenta, quando despejada fora do lugar.
O problema ganhou tal vulto que cidades com tradição de carnaval na rua – Rio de Janeiro e Salvador – há anos multam os foliões que fazem xixi em locais indevidos. Este ano, São Paulo entrou no cordão e, só no final de semana anterior à oficial folia de Momo, distribuiu 52 multas de R$500 para os apertados.
Decididamente, há outros lugarem mais apropriados para colocar a urina. A pesquisa científica é um deles
“O exame de urina é uma ferramenta importante para avaliar o estado de saúde do indivíduo, fazendo parte do elenco de exames de check-up, pré-operatório e pré-natal. Através dele podem ser diagnosticadas doenças renais, urológicas, metabólicas, de outras partes do organismo e até gravidez. A urina é um material de coleta simples, não invasiva e indolor e seu exame tem um custo relativamente baixo, tornando-se accessível para a maior parte da população”, explica a enfermeira Roberta Vasconcellos Menezes de Azevedo, doutora em Ciências da Saúde e professora da Universidade Federal de Minas Gerais.
É um líquido valoroso e sua análise foi o primeiro exame laboratorial realizado pelo homem. “Referências para o estudo da urina pode ser encontrada nos desenhos de homens das cavernas e em hieróglifos”, garante Roberta. No século V aC, Hipócrates escreveu um livro sobre a uroscopia. Durante a Idade Média, os médicos concentraram seus esforços sobre a arte de uroscopia, recebendo instruções no exame de urina, como parte de sua formação. Aí, com a invenção do microscópio, no século XVII o método de análise do sedimento urinário foi desenvolvido e os resultados começaram a aparecer com mais vigor.
“Em 1827, a análise de urina tornou-se parte do exame de rotina do paciente. Em meados de 1900, métodos enzimáticos para detecção de glicose foram desenvolvidos e se tornaram amplamente utilizados e em 1941 foi lançado o primeiro teste de detecção de açúcar na urina. Atualmente, por método laboratorial se permite avaliar o pH, densidade, glicose, proteína, bilirrubina, cetonas, nitrito, presença de sangue e leucócitos”, ensina a professora da UFMG.
Depois de tanto empenho dos cientistas, acho que já para se convencer de que é um tremendo desperdício fazer xixi na rua. Não? Bom, então vale lembrar que o uso da urina para diagnosticar, analisar e entender o que se passa com o paciente não parou no início do século XX. Os pesquisadores do Brasil e de outros países continuam descobrindo e sugerindo usos e possibilidades para aquele xixizinho inocente.
Essa necessidade de usar a urina para fins, digamos, mais nobres roda o mundo. Em 2016, a agência de notícias BBC fez um levantamento de cinco pesquisas relevantes em que o personagem principal era o xixi.
1. Na lavoura:
Na cidade norte-americana de Brattleboro, em Vermont, mais de 100 voluntários doaram urina para uma experiência na agricultura local. Por ali existe um pasto é verde e saudável onde se cultiva cenouras. O segredo? Urina, claro. Os cientistas da Universidade de Michigan conheceram a técnica na China e resolveram replicar nos Estados Unidos.
Os estudos feitos no pasto de Brattleboro provam que o xixi humano é um ótimo fertilizante e ainda ajuda a economizar água. Tudo porque possui nitrogênio e fósforo, substâncias bem usadas nos fertilizantes químicos.
A Organização Mundial de Saúde concorda e recomenda o uso, mas indica que a urina seja armazenada por 1 mês em culturas caseiras e por seis meses em usos mais industriais..
2. Xixi até os dentes:
Mais uma que vem da China. Cientistas do Instituto de Biomedicina e Saúde de Guangzhou conseguiram produzir dentes a partir de células-tronco retiradas da urina. o artigo saiu na revista Cell Regeneration e ali contam como conseguiram criar estruturas parecidas com as de um dente, com polpa, dentina e esmalte.
É bem verdade que as estruturas não eram tão duras como um dente. Mas o feito abre caminho para usar as células encontradas na urina para a regeneração de dentes no futuro.
3. Urina elétrica
Pesquisadores britânicos estão debruçados (mas não muito de perto) sobre o desafio de desenvolver sistema para carregar celulares e outros aparelhos a partir do reaproveitamento da urina. “Um dos produtos que podemos ter certeza de fornecimento infinito é nossa urina”, disse à BBC, Ioannis Ieropoulos, do Laboratório de Robótica da Universidade de Bristol, na Grã-Bretanha.
E Ieropoulos não foi o único a pesquisar aplicações para o xixi humano. Na Universidade de Bath, também na Inglaterra, uma equipe desenvolveu uma mini-célula de combustível que gera eletricidade – adivinhe! – a partir do líquido em voga.
4. Urinolina.
É um sonho antigo e virou até assunto da novela Araponga, da TV Globo. Mas para Gerardine Botte, cientista da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, não tem nada de ficção usar urina para abastecer o carro.
Claro que ela não vai chamar um folião carnavalesco para resolver seu problema diretamente no tanque do automóvel. Geraldine é especialista em transformar xixi em combustível de hidrogênio.
“A premissa parece simples. A urina tem dois compostos que poderiam ser fonte de hidrogênios (amônia e ureia), então, se você coloca um eletrodo no líquido e aplica uma corrente suave, o gás de hidrogênio produzido poderia ser usado para alimentar uma célula de combustível”, ensina em entrevista ao jornal britânico The Guardian.
A vantagem do sistema é que a amônia e a ureia da urina usam menos força para manter os átomos de hidrogênio e, por isso, não precisa de tanta energia para separá-los. É mais rápido e mais fácil que arrancá-lo da água, por exemplo.
5. Xixi sideral
Na falta de outras fontes, os astronautas suor e xixi para conseguir água. Mas antes que o leitor enjoe, os líquidos são totalmente tratados e a água aproveitada é potável e sem nenhum resquício de urina.