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Do lixo à água limpa: minúsculas partículas de carbono podem fazer essa ponte

Por Salan Titinche, pesquisador da Western Cape University, África do Sul, para The Conversation*

Na quarta-feira, 22 de março, comemora-se o Dia Mundial da Água e a ONU abre em Nova Iorque sua conferência sobre água e saneamento, tema que tem preocupado ambientalistas e cientistas do mundo inteiro, como Salan Titinche

Foto de Riccardo Mayer / Shutterstock

Muitos romances e filmes futuristas exploraram como seria o mundo sem água. Mas a escassez de água não é um problema para um futuro distante: ela já está aqui. Em seu relatório de 2021, a ONU Água delineou a escala da crise: 2,3 bilhões de pessoas vivem em países com estresse hídrico e 733 milhões dessas pessoas estão em “países com alto e crítico estresse hídrico”.

Em 2018, na Cidade do Cabo, onde moro e conduzo minha pesquisa, os moradores se viram diante do “dia zero”, quando o abastecimento doméstico de água acabaria. As boas chuvas pouparam a cidade sul-africana, mas agora outras partes do país enfrentam previsões igualmente terríveis de torneiras vazias.

 

Este cenário está ameaçando acontecer em toda a África. Na região do Chifre, por exemplo, grandes áreas da Etiópia, Somália e Quênia passaram quatro estações chuvosas consecutivas sem chuvas decentes. O surgimento de “megacidades” na África – com milhões se mudando para áreas urbanas – põe mais pressão sobre a infraestrutura já limitada.

E a crise se estende muito além do continente africano.

Não há uma solução para essa realidade sombria. Será necessária uma abordagem multifacetada, como ilustrou a experiência da Cidade do Cabo. A tecnologia será uma parte fundamental da solução da crise global de escassez de água. As soluções tecnológicas podem ir desde as mais básicas, como detectores de vazamento de água para residências, até as altamente sofisticadas, como formas de retirar a umidade do ar para produzir água potável ou converter a abundante água salgada do planeta em água doce.

Em um artigo recente, colegas e eu descrevemos outra tecnologia potencialmente poderosa: nanomateriais de carbono, que comprovaram remover poluentes orgânicos, inorgânicos e biológicos da água.

Contaminação ameaça fontes de água

A contaminação é um dos fatores que pressionam as fontes de água. Todos os suprimentos de água contêm alguns micróbios e patógenos, mas o lixo industrial é um grande problema: os veículos liberam poluentes de metais pesados, por exemplo, e a drenagem ácida de minas se infiltra nas fontes de água. Isso resulta em águas subterrâneas e superficiais contaminadas que não podem ser usadas com segurança para a maioria das atividades humanas, muito menos para beber ou lavar alimentos.

Algumas tecnologias atuais encarecem demais o tratamento da água. Outras simplesmente não estão à altura do trabalho e são incapazes de remover microrganismos. Na remoção de poluentes orgânicos, como resíduos farmacêuticos, corantes orgânicos, plásticos e detergentes de águas residuais, por exemplo, algumas técnicas convencionais, como a filtração por membrana, foram consideradas ineficientes.

É aí que entram os nanomateriais de carbono. Com outros, estou explorando seu uso e descobrindo que são mais eficientes e economicamente viáveis ​​do que os materiais convencionais.

Nanomateriais

Nanomateriais são amplamente definidos como materiais que contêm partículas entre 1 e 100 nanômetros (nm) de tamanho. Um nanômetro é igual a um bilionésimo do metro. Diferentes nanomateriais são compostos por diferentes átomos – alguns, como os que pesquiso, são compostos por átomos de carbono.

Em termos de massa, o carbono é o segundo elemento mais abundante no corpo humano depois do oxigênio. É também um elemento comum de toda a vida conhecida. As nanotecnologias de carbono são ecologicamente amigáveis porque trazem menor risco de poluição secundária do que alguns adsorventes (substâncias sólidas usadas para remover contaminantes de líquidos ou de gases).

Projetados em forma nanomaterial, digamos assim, os nanomateriais de carbono vêm sendo saudados por muitos cientistas ao redor mundo por suas superiores propriedades físicas e químicas. São cada vez mais valorizados por seu potencial de remover metais pesados ​​da água, graças à sua larga superfície e capacidade de adsorção, seu tamanho em nanoescala e suas propriedades químicas.

Todos os nanomateriais de carbono demonstraram ser eficazes no tratamento de águas residuais.

 

Combatendo a escassez de água

Eu trabalho com nanomateriais magnéticos revestidos de carbono. Esse composto misturado desempenha um papel crucial na descontaminação da água ao mesmo tempo em que remove materiais como metais pesados. Isso o torna ideal para o tratamento de água, assim como sua fácil e rápida recuperação e reciclabilidade, graças a que é conhecido como filtragem magnética. Nesse processo, os nanomateriais magnéticos adicionados à água contaminada são recuperados após tratamento por um forte ímã externo, e os materiais recuperados podem ser regenerados e reusados.

 

Os nanomateriais à base de carbono ainda apresentam deficiências. Tendem a se agrupar em partículas grandes, reduzindo sua capacidade de adsorver (atrair e reter) poluentes. E as nanopartículas nem sempre são totalmente recuperadas da água tratada, levando à contaminação secundária. Ainda não temos certeza de como separar os nanomateriais esgotados – totalmente utilizados – da água tratada.

 

O trabalho continua em nosso laboratório e em outros pelo mundo inteiro. Cientistas não gostam de cronogramas, já que os avanços raramente acontecem dentro dos prazos estabelecidos. Mas nossa esperança é de que mais e mais avanços sejam feitos com nanomateriais baseados em carbono nos próximos anos, dando ao mundo uma ferramenta importante para combater a escassez de água..


*Várias edições internacionais da Conversation publicaram nos últimos dias artigos de pesquisadores de diferentes partes do mundo relativas aos problemas decorrentes da escassez da água. Daniel Stycer, o editor-chefe da  Conversation Brasil (ainda em fase de implantação), incluiu alguns na mais recente newsletter brasileira da publicação, entre eles o escolhido pelo Ciência na Rua nesta segunda-feira, 20.

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