Evanildo da Silveira

Comércio fechado na rua 25 de Março durante a quarentena.
Mesmo parcial, o isolamento social evitou pelo menos 18 mil mortes no Brasil até o dia 3 de junho, número que poderá chegar a cerca de 32 mil no dia 16 – a depender da adesão à quarentena. A conclusão é do estudo de um grupo de pesquisadores das universidades Estadual Paulista (Unesp) e Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Unicisal), da Faculdade de Medicina de Cajazeiras, na Paraíba, e da Oxford Brookes University. Para fazer estas estimativas, a equipe usou modelos matemáticos.
O pesquisador Vitor Engrácia Valenti, da Faculdade de Filosofia e Ciências do câmpus de Marília, da Unesp, conta que a ideia do estudo surgiu porque a literatura científica indicava que medidas de distanciamento social são importantes para a contenção do surto de covid-19. “Pesquisas recentes sobre a situação na China, Alemanha e França apontam que medidas de lockdown, isolamento social e quarentena conseguem controlar a doença”, explica. “Em vista disso, nosso grupo teve como objetivo analisar a relação entre mobilidade e notificação de óbitos associados à pandemia no Brasil.”
Para isso, eles estudaram dados de mortes associados à doença, notificados no site Worldometer, que fornece números diários sobre casos e óbitos em cada país. A taxa de distanciamento social foi analisada por meio do Covid-19 Community Mobility Reports, do Google. “Investigamos os dados a partir do dia em que a quinta morte cumulativa foi ultrapassada no Brasil (19 de março, com sete mortes)”, diz Pedro de Lemos Menezes, da Unicisal. “Analisamos os números a partir de então até o dia 20 de abril.”
Valenti lembra que nesse período ocorreram medidas de distanciamento e para redução na mobilidade mais rigorosas. “Depois disso, houve relaxamento delas, com o aumento da mobilidade”, explica. “É importante ressaltar, que estudos ingleses consideram movimentação em escolas e universidades como responsáveis por cerca de 30% da disseminação do vírus. Considerando que essas entidades ficaram fechadas, nossos resultados reiteram o impacto positivo dessa intervenção.”
A equipe analisou as diversas tendências cruzando com os dados de mobilidade do Google. “Projetamos três cenários, que chamamos de otimista, realista e pessimista”, explica Valenti. “O primeiro teve como base o período inicial de implementação do distanciamento social e, portanto, na menor mobilidade (taxa de isolamento entre 40 e 60%). O segundo foi calculado de acordo com medidas de distanciamento social relaxadas (taxa de isolamento menor que 40%) e o terceiro foi traçado com base na ausência de medidas preventivas.”
Após a definição dos cenários, os pesquisadores fizeram diversas regressões matemáticas, a partir dos dados que tinham para a obtenção das curvas de estimativa. “Assim, obtivemos três equações preditivas para os três cenários”, explica Menezes. “Entretanto, é bom destacar que as equações são eficientes, do ponto de vista matemático, apenas enquanto o número acumulativo de mortes cresce. Depois, será necessário uma complementação ou novas equações.”
Os resultados dos cálculos chegaram muito perto do que ocorreu de fato até o dia 3 de junho, último dia que os pesquisadores coletaram o número de mortes reais, que foi de 32.547. É muito parecido com os apontados pelos cálculos do modelo realista (taxa de isolamento menor que 40%) da equipe, que foi de 32.580. “Contudo, caso tivéssemos relaxado as medidas de isolamento teríamos o cenário pessimista, com 50.839 mortes.”, diz Menezes. “Ou seja, foram poupadas 18.292 vidas. Isso sem contar o eventual colapso do sistema de saúde, que poderia aumentar muito mais esse número e o de mortes por outros fatores.”
Se a taxa de isolamento fosse superior a 40%, aconteceria o cenário otimista e um número maior de mortes seria evitado. Nesse caso, os cálculos indicam que morreriam 25.533 pessoas, ou sejam mais 7.047 óbitos poderiam ter sido evitados. Para o dia 16 de junho, o modelo realista prevê 51.560 e o pessimista 82.820. Isso significa, que, se o isolamentos e as medidas preventivas deixarem de existir poderão ocorrer 31.260 falecimento que poderiam e ainda podem – ser evitados.
Isso sem falar na subnotificação. “Existem evidências fortes de classificações insuficientes (subnotificações) gigantescas”, diz Valenti. “Quando analisamos o número de mortes por insuficiência respiratória, que ocorre em casos graves de covid-19, no período de março a maio, entre 2019 e 2020, observamos que o valor chega a ser no mínimo três vezes maior neste ano. Isso aponta uma imensa subnotificação.”
Segundo Menezes, um dos objetivos do trabalho é ajudar os governos a se organizarem para o que está por vir. “Infelizmente parece, com as políticas do governo federal e as eventuais aberturas determinadas por alguns governadores, que vamos tender para a pior situação”, lamenta. “Nesse cenário, calculado pela equipe da Casa Branca [sede do governo dos EUA], o Brasil pode chegar a cinco mil mortos por dia em agosto.”
Valenti acrescenta: “Nossos resultados apontam que, apesar de existir fortes indícios de que o distanciamento social evitou mortes, o que corrobora a literatura científica, levantamos dados que reforçam a necessidade de maior exigência dessas medidas.”



