Para Expedito Luna, a endemia não é necessariamente uma coisa boa, porque podemos ter uma doença endêmica num nível muito alto
Áudio: Rádio USP
Os países da Europa passarão a tratar a covid-19 como uma endemia. França, Reino Unido, Espanha e Dinamarca decretaram o “fim da pandemia” em seus territórios após baixa na onda da variante ômicron, mas o anúncio levantou a questão de que isso não deve ser visto como algo muito positivo.
O professor Expedito Luna, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, explicou que a covid passaria a ser considerada uma doença que ocorre regularmente ao longo do tempo, o que seria a endemia, mas isso não significa algo positivo e sim de frequência. “Não é necessariamente uma coisa boa, porque podemos ter uma doença endêmica num nível muito alto, por exemplo, os casos de Aids no Brasil, nós temos 40 mil casos novos de Aids todos os anos no Brasil, é endêmico, mas não é bom.”
Imunidade vacinal combinada com imunidade híbrida
O professor prossegue, explicando que os países da Europa estão adotando essa perspectiva porque têm uma população já altamente vacinada e uma imunidade que é conferida pela infecção natural, o que seria uma imunidade híbrida. Mas ele alerta que, para que isso ocorra, é necessária a vacina, pois só a imunidade natural não resolveria a questão. “Vemos que a imunidade natural conferida pela doença, por si só, não é suficiente para gerar essa imunidade coletiva, essa imunidade populacional. Agora ela, combinada com a vacina, pode ser que nos dê um certo fôlego.”
Notícia boa, mas é necessário cautela
O que se espera dos países da Europa e também no Brasil é que nos próximos meses ocorra uma diminuição da ocorrência de casos. Porém, apesar da boa notícia, é necessário cautela. Por isso, como destaca o professor, é preciso o monitoramento da situação, ou seja, “melhorar nossa vigilância epidemiológica, o acesso ao diagnóstico e a vigilância genômica”, pois, com isso, estaremos preparados para enfrentar outras variantes.
“Nós não sabemos o que vai acontecer com o vírus […] e temos ainda grandes contingentes populacionais não vacinados, principalmente concentrados no continente africano. Nós vamos ter a situação propícia para a emergência de outras variantes, que podem vir a desafiar essa proposição do fim da pandemia”, afirma Luna.
Situação brasileira
O Brasil precisa melhorar seu monitoramento da covid e do diagnóstico. O professor ressalta que os testes positivos no País ficam entre 30% a 40%, enquanto naqueles países que têm usado extensivamente a vigilância epidemiológica como instrumento para ajudar o controle da doença os valores ficam entre 1% ou 2%. ”Ou seja, isso demonstra que nós estamos testando só quem tem grande chance de ter a doença. Nós não estamos fazendo a vigilância de cadeias de transmissão.”
Além disso, Luna destaca também a necessidade de “um canal de comunicação com toda a população, para convencer as pessoas a adotarem os comportamentos corretos e convencer as empresas a permitir que seus funcionários fiquem em casa quando tiverem sintomas de gripe”. Assim, haverá mais adesão voluntária e facilita-se a vigilância da doença.