Suzana Camargo, Mongabay
- Estudo inédito coletou 38 mil insetos no dossel de uma área próxima a Manaus e descobriu que 60% dos exemplares vivem acima dos 8 metros de altura.
- A maioria das espécies, e até mesmo alguns gêneros, nunca foi descrita pela ciência. Segundo os autores, a verdadeira riqueza de invertebrados na Amazônia está subestimada.
- O levantamento se diferencia das pesquisas convencionais com insetos, quase sempre realizadas no nível do solo, por dar mais atenção à diversidade vertical da floresta, do chão ao topo das árvores.
Pequenos, muitas vezes imperceptíveis ao olhar humano, os insetos têm papel essencial no meio ambiente.
“Eles surgiram mais de 400 milhões de anos antes dos humanos”, explica Dalton de Souza Amorim, pesquisador da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. “Participaram da evolução dos ambientes naturais e são fundamentais nos processos de reciclagem e manutenção dos ecossistemas, controlando populações de outros animais e plantas, polinizando e servindo de alimento para outras espécies. Não haveria vida como conhecemos hoje nos ambientes terrestres sem os insetos. E não haverá ambientes naturais sem eles também.”
Por isso o estudo dessas minúsculas criaturas se faz tão importante. Todavia, em geral, por razões óbvias, pesquisas de campo sobre os insetos são feitas, com mais frequência, próximas do solo ou em baixas altitudes. Mas um levantamento realizado a 32 metros de altura, no meio das copas das árvores em plena Floresta Amazônica, resultou numa descoberta incrível: cerca de 60% da densidade dos insetos da região está no dossel, acima de 8 metros de altura. E a maioria das espécies e até alguns gêneros, sequer foram descritos até hoje pela ciência.
Esses achados fazem parte de um esforço conjunto de pesquisadores de diversas instituições brasileiras e também do Museu de História Natural do Condado de Los Angeles (EUA), em um projeto que começou em 2017, quando foram instaladas “armadilhas de interceptação de voo” para a coleta de insetos na Estação Experimental de Silvicultura Tropical do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), uma torre metálica de mais de 50 metros de altura, instalada numa área de floresta primária, preservada para estudos científicos, a cerca de 40 km ao norte de Manaus.
Foram montadas cinco grandes redes, no mesmo eixo vertical, aproveitando as plataformas da torre, desde o nível do solo e a partir daí, a cada 8 metros, com a última a 32 metros do chão, quase 4 metros acima do dossel das árvores naquele local. “Os insetos que caíam nas armadilhas ficavam armazenados em recipientes contendo álcool, que servia para preservá-los. Esse material foi retirado dali a cada 15 dias e cada estrato foi devidamente identificado”, revela José Albertino Rafael, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
O mesmo processo foi feito durante 13 meses. Entretanto, apenas na primeira amostra foram coletados quase 38 mil exemplares de insetos. Levados para laboratório e com ajuda de microscópios, eles foram separados pelas suas ordens. A mais abundante foi a Diptera, grupo de moscas e mosquitos, com quase 17 mil indivíduos. Os insetos foram enviados então para 35 especialistas do Brasil e também do exterior, que identificaram cada espécie.
“Nosso método surpreendeu porque nos alertou que os estudos tradicionais, realizados quase sempre no nível do solo, nos dão, até hoje, uma subestimativa da verdadeira riqueza das nossas florestas”, destaca o pesquisador do Inpa e autor sênior do estudo.
Diversidade nas alturas
Desde o começo do século passado sabia-se que a copa das árvores tinha uma fauna bastante diversa. Mas eram informações muito fragmentadas. Na década de 1980, alguns estudos começaram a mostrar de maneira mais sistemática como havia espécies de insetos desconhecidas e mais raras no dossel. Há 40 anos, no início da carreira científica, José Albertino Rafael já fazia experimentos com redes suspensas na Amazônia, mas sabia que eram necessárias armadilhas maiores e mais eficientes.
Agora, prestes a se aposentar, o pesquisador celebra o resultado do trabalho, em parceria com uma grande equipe de entomólogos. Mas ressalta que ainda há muito o que ser descoberto. “Nossa diversidade de insetos ainda é muito pouco conhecida, face à riqueza imensa desconhecida vivendo no dossel”.
“Nosso estudo mostrou que não apenas a quantidade de espécies é enorme: a complexidade do ambiente é absurdamente alta”, concorda Amorim, o autor principal do artigo.
Ele cita, por exemplo, que foram observadas espécies de insetos predadores, com números diferentes em cada estrato da floresta. Há ainda espécies de insetos que são parasitas de outros insetos, também com abundância muito maior acima da copa do que no nível do solo, assim como espécies cujas larvas comem cogumelos — mais de 30% dos exemplares foram coletados nas copas, onde, curiosamente, não há cogumelos.
Segundo o especialista, cada um desses grupos tem uma distribuição distinta de suas espécies nos vários níveis da floresta.
Em alguns grupos particulares, os resultados obtidos são considerados impressionantes. Para a família Lauxaniidae, cerca de 70% das espécies só foi registrada acima do nível do solo. Já os insetos da família Phoridae geraram uma enorme supresa para Brian Brown, curador de Entomologia do Museu de História Natural do Condado de Los Angeles. “Por causa de sua aparência, os gêneros coletados na torre são espécimes que não parecem pertencer a nenhum dos gêneros já descritos [pela ciência]”.
Conservação depende de conhecimento
O trabalho publicado em fevereiro na Scientific Reports contém somente a análise do material coletado nas duas primeiras semanas do projeto. Isso significa que ainda há uma quantidade enorme de amostras e dados a serem avaliados.
“Essa primeira parte levou seis meses para separar ordens e famílias de Diptera e, depois, quase dois anos para ser analisada pelos especialistas de cada família, com um ano mais para fazer as finalizações e preparar o artigo. É um longo trabalho para gerar conhecimento novo sobre a biodiversidade com estudos massivos”, salienta Amorim.
O cientista acredita que os resultados obtidos com a investigação feita no topo das árvores amazônicas servirá de base para florestas do mundo todo. “Como ainda há poucas pesquisas sobre a diversidade vertical da fauna de insetos, ainda temos muito a aprender”.
Por isso, a nova etapa do projeto deve envolver mais de 400 pesquisadores do Brasil e de diversos países, em três localidades diferentes da Amazônia. A ideia é que sejam respondidas perguntas como, por exemplo, quantas espécies de insetos vivem em uma única área de floresta tropical ou qual é a porcentagem de espécies de cada ordem de insetos em uma fauna local de floresta tropical.
Muito se fala atualmente sobre a conservação da biodiversidade, entretanto, parece que ainda há pouco conhecimento sobre quantas espécies há em uma floresta, como a amazônica.
“As descobertas desse estudo são importantes porque focam a atenção no complexo mosaico de insetos que vivem na floresta tropical, e quanto dele ainda é desconhecido. Nossas análises levarão a outros trabalhos que investigarão quão estáveis são essas diferentes comunidades de insetos no dossel, como interagem e como respondem a distúrbios causados por humanos. Talvez um maior conhecimento nos permita mitigar alguns dos piores efeitos do desmatamento, mas pelo menos mostramos que há mais em jogo do que se pensava anteriormente”, ressalta Brian Brown.
E é só a partir do momento em que soubermos exatamente quem são, como agem e como se relacionam os habitantes da floresta — dos insetos aos grandes mamíferos, além da própria vegetação — que conseguiremos traçar estratégias eficazes de preservação.
“Considerando que os resultados estão restritos a um ponto na Amazônia, quando extrapolamos isso para todo o bioma fica evidente a enormidade de espécies a serem descritas. Ainda não conhecemos a totalidade dos organismos com os quais convivemos na natureza, mas gastamos bilhões para descobrir espécies em outros planetas. O que é mais importante para o homem?”, questiona José Albertino Rafael.