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Clima da Baía de Todos os Santos está ficando mais árido, conclui pesquisa

Murilo Guerra, Edgardigital

Foto: André Urel CC BY 3.0

A Baía de Todos os Santos (BTS) tem se tornado progressivamente menos úmida e mais quente, com uma forte tendência de aridificação do clima regional constatada nas últimas 5 a 6 décadas. É o que aponta a dissertação de mestrado intitulada “Tendências Climáticas Regionais e Variabilidade do Campo de Salinidade da Baía de Todos os Santos (NE Brasil)”, defendida em setembro pelo oceanógrafo Rafael Mariani, no Programa de Pós-graduação em Geofísica, do Instituto de Geociências da UFBA (Igeo), sob orientação do professor Guilherme Lessa.

Para a realização do trabalho, foram utilizados dados de mais de 50 anos de monitoramento do aporte hídrico fluvial e atmosférico e da temperatura do ar regional, 7 anos de simulação por modelagem numérica da BTS e da plataforma oceânica, e 3 anos de observações do campo de salinidade da baía, que serviram para estimar as condições passadas da salinidade média da Baía de Todos os Santos, que é umas das maiores do mundo, com área de 1.233 km².

Os resultados apontam tendências estatisticamente significativas de redução do aporte fluvial e pluvial e de elevação da temperatura do ar e da salinidade da BTS. Os três principais rios afluentes à BTS, rios Paraguaçu, Jaguaripe e Subaé, apresentaram respectivamente redução das vazões médias anuais em 62%, 72% e 24% em relação a valores de referência de longo prazo (climatologia). Além disso, o volume anual de chuva foi reduzido em 24% (Salvador), 29% (Cruz das Almas) e 50% (Feira de Santana) da climatologia.

Foi também observado o aumento da temperatura média do ar regional de 0,75 °C, especialmente das temperaturas máximas do ar (em Salvador, esse aumento foi de +1,25 °C). O autor da tese atribui essa situação climática, que diz muito sobre o aquecimento global, a ações humanas com o desmatamento que resultam na diminuição da cobertura vegetal e da evapotranspiração, o aumento exacerbado da emissão de CO2 na atmosfera e o consequente aumento contínuo da temperatura global desde o século passado, o que impacta nos padrões de circulações atmosféricas de larga escala, e consequentemente no regime de chuvas e de vazão dos rios.

Os dados fluviométricos são da Agência Nacional de Águas (ANA); os dados meteorológicos são do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) – das estações de Alagoinhas, Cruz das Almas, Feira de Santana, Salvador e estações pluviométricas complementares da ANA (Muritiba, São Felix e Feira de Santana); e os dados oceanográficos são do projeto de monitoramento da Baía de Todos os Santos (Instituto Kirimurê – Fapesb), subcoordenado pelo professor Guilherme Lessa, e de esforços do Grupo de Oceanografia Tropical (GOAT-UFBA), junto com a Rede de Modelagem e Observação Oceanográfica (Remo).

De acordo com o estudo, a diminuição das chuvas e das vazões fluviais resultaram na eliminação de metade do volume de água doce que normalmente aportava na BTS. “O aporte de água doce na BTS é fundamental para a circulação gravitacional na baía, que é um mecanismo de grande importância na renovação das águas, no transporte de organismos e materiais em suspensão (incluindo poluentes)”, alerta o autor.

imagem: André Koehne CC BY-SA 3.0

Mariani diz que essa circulação gravitacional é regida de forma diretamente proporcional à diferença de densidade (salinidade) das águas entre a baía e o oceano. Lentamente, águas menos salinas (menos densas) saem da baía pela superfície, e águas oceânicas mais salinas (mais densas) adentram a baía pelo fundo. Entretanto, com menos água doce aportando na BTS, é menor a diferença de densidade e de salinidade das águas, e, consequentemente, menor o potencial da circulação gravitacional da baía, podendo se tornar muito mais fraca ou inexistente.

As alterações climáticas nas últimas décadas no Recôncavo Baiano e o processo de aridificação regional geraram uma tendência significativa de elevação da salinidade da BTS. “A elevação da salinidade na BTS potencialmente compromete a capacidade de renovação de águas, de trocas de materiais e organismos em suspensão com a plataforma continental, podendo impactar na qualidade da água”, explica ele.

Rafael criou e validou um modelo de múltipla regressão para estimar a salinidade da BTS nas últimas 5 ou 6 décadas, realizado com base nos valores de aporte hídrico e temperatura do ar da região. O campo de salinidade superficial da baía apresentou um acréscimo médio de 1,0 g/kg, gerando situações de hipersalinidade a partir da década de 1990, em que a BTS tornou-se mais salina do que o oceano adjacente.

A tendência de aridificação regional, especialmente com a redução das vazões médias dos principais rios, potencialmente enfraqueceu a circulação gravitacional da BTS. Rafael explica que apenas o movimento das marés não é suficiente para renovar a água da BTS, que tem se tornado eventualmente mais salina do que o oceano, em decorrência do menor volume de água doce na região.

A diminuição da vazão dos rios representa também uma quantidade menor de nutrientes aportando na baía, o que afeta a base da cadeia alimentar marinha e organismos como os plânctons, podendo impactar na atividade de pesca e economia local. O rio Paraguaçu, por exemplo, maior rio genuinamente baiano e responsável por abastecer 60% das águas da região Metropolitana de Salvador, tem se tornando progressivamente mais seco, conforme explica o oceanógrafo.

O autor do estudo e seu orientador produziram dois artigos científicos sobre o impacto do clima na Baía de Todos os Santos: “Variability of the thermohaline field in a large tropical, well-mixed estuary: the influence of an extreme draught event”, aceito para publicação pela revista americana “Estuaries and Coasts”; e “Regional climate trends and variability of the salinity field in a recent-low-inflow estuary: Todos os Santos Bay (NE Brazil)”, em revisão pela revista americana “Estuarine, Coastal and Shelf Science”.

Mariani cita ainda uma série de outros estudos atuais sobre as questões climáticas que apontam uma potencial manutenção dessa tendência de aridificação do Recôncavo Baiano até o final desse século. Como um alerta, daqueles que a ciência tem emitido com frequência, o autor do estudo diz que as mudanças climáticas são realidade na nossa região e que é necessária a popularização do conhecimento científico para conscientização e tomadas de decisões públicas e buscas por soluções sustentáveis.

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