Marcelo Canquerino, Jornal da USP
Principal achado do estudo, que contou com equipe internacional, indicou grande quantidade de fosfina, composto que na Terra é produzido por organismos vivos
Uma descoberta relevante para as investigações sobre a existência de vida fora da Terra, e para a ciência como um todo, marcou esta segunda-feira (14). Pesquisa desenvolvida por cientistas do Reino Unido, Estados Unidos e Japão constatou a presença de um composto químico chamado fosfina na atmosfera de Vênus, o que pode indicar um sinal de vida no planeta. Os resultados foram publicados na revista científica Nature Astronomy.
A fosfina (PH3) é uma molécula composta de um átomo de fósforo e três átomos de hidrogênio. Na Terra, ela pode ser produzida em laboratório e utilizada em fertilizantes e no controle de pragas, por exemplo. De maneira natural, o composto é produzido através da atividade biológica de bactérias anaeróbicas, ou seja, que não precisam de oxigênio livre.
Em entrevista ao Jornal da USP, o professor Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), explica que o grande achado do estudo foi a alta quantidade de fosfina encontrada na atmosfera de Vênus, que não consegue ser explicada por processos naturais não biológicos. “A fosfina pode ser produzida residualmente por descargas atmosféricas, relâmpagos e vulcões, mas em quantidades muito pequenas. Segundo os autores do estudo há duas possibilidades: ou existem outros processos naturais não biológicos de produção dessa molécula que nós não conhecemos, ou esse é um indicador de atividade biológica.”
A fosfina é considerada uma bioassinatura justamente porque na Terra ela é produzida por organismos vivos, as bactérias anaeróbicas. Fábio Rodrigues, professor doutor do Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química (IQ) da USP, explica que bioassinaturas são o que o nome indica: assinaturas de presença de vida. “A busca remota por vida microbiana é sempre feita de forma indireta. Isso significa que vamos ‘ver’ somente os rastros que um microrganismo deixa, como por exemplo sinais do metabolismo. E é exatamente isso que os autores do estudo propõem: que a fosfina possa ser uma dessas bioassinaturas em Vênus”, detalha.
A presença do composto foi comprovada por meio de dados de dois telescópios diferentes: o Telescópio James Clerk Maxwell (JCMT), no Havaí, e o Telescópio Alma, no Chile, operado pelo Observatório Europeu Austral (ESO).
A descoberta só foi possível graças a uma técnica chamada radioastronomia, em que os telescópios trabalham recebendo não luz, mas radiação na faixa de ondas de rádio. As moléculas e átomos absorvem luz em comprimentos de onda muito específicos. Quando a atmosfera de Vênus foi estudada, os cientistas viram a luz do Sol refletida em alguns comprimentos de onda bem específicos que foram absorvidos por moléculas e átomos, neste caso, moléculas de fosfina, presentes na atmosfera. De acordo com Rodrigues, “trata-se de uma técnica bastante importante e muito usada para estudar a presença de diversos compostos químicos fora da Terra”.
A presença da fosfina foi detectada apenas na atmosfera, e não no solo de Vênus. “A superfície deste planeta é um lugar absolutamente hostil, com temperaturas em torno de 460 graus Celsius e um efeito estufa planetário. Em Vênus, não há diferença de temperatura entre dia e noite, equador e polo, inverno e verão. É sempre a mesma temperatura. Mas na alta atmosfera, entre 50 e 60 km acima do solo, a temperatura é da ordem de dezenas de graus, ambiente onde a fosfina consegue sobreviver”, explica Dias da Costa.
Cautela
O professor do IAG ressalta que essa descoberta não é uma detecção direta de vida e sim uma detecção direta de uma bioassinatura. “A ciência sempre progride de forma cautelosa. É preciso ver se não existem agora outros mecanismos que produzam essa molécula de maneira abiótica (sem envolver vida). Só a divulgação desse dado hoje já é extremamente importante porque nunca tinha sido descoberta uma bioassinatura do tipo fora da Terra.”
Agora, as investigações dos cientistas precisam se voltar para as seguintes perguntas: de onde a fosfina na atmosfera de Vênus está vindo? Qual é o mecanismo de produção dessa molécula? É um mecanismo relacionado a organismos vivos ou não? “É um problema multidisciplinar que envolve áreas como física, geologia e química da atmosfera de um planeta. Isso deve ser entendido com bastante precisão para que seja possível explicar o que está acontecendo na atmosfera de Vênus”, finaliza Dias da Costa.