- Estudo avalia o impacto da atuação comunitária em dez centros de saúde do Parque Nacional de Jaú (PNJ), na margem do rio Negro, no combate à malária
- Com uma pessoa da comunidade treinada em cada unidade, capacidade anual de leitura de lâminas de rotina para diagnóstico de malária mais do que dobrou em três anos
- Casos de diagnóstico tardio também caíram, de 68,9% em 2005 para 14,3% em 2010
A implantação de ações de saúde baseadas no contexto social do Parque Nacional de Jaú (PNJ), em Manaus, contribuiu com a redução dos casos de malária e aumento da taxa de diagnóstico em fase inicial e tratamento precoce dos pacientes locais. Uma das ações de destaque foi a capacitação de pessoas da comunidade para ler lâminas de rotina para diagnóstico da doença. É o que relata estudo publicado em 23 de setembro na “Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical” por pesquisadores da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, do Ministério da Saúde, do Departamento de Controle de Doenças Tropicais Negligenciadas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e as instituições espanholas Fundación Probitas, Universidat de Barcelona e Instituto Catalán de la Salud.
O estudo avaliou o impacto no combate à malária da abordagem baseada em comunidade (CBA), no parque de 2.270.000 hectares localizado na margem do rio Negro, nos municípios de Novo Airão e Barcelos, a 200 quilômetros de Manaus; e mostrou como o trabalho de leitura de lâminas de rotina para diagnóstico de malária feito por dez pessoas treinadas da comunidade em dez centros de saúde construídos na região contribuiu para o aumento da capacidade de diagnóstico da doença. A leitura anual de lâminas de rotina mais do que dobrou em três anos, passando de 923 lâminas em 2006 para 1900 em 2009. Os casos de infecção por malária reduziram de 354 em 2005 para 20 em 2015, o que representa uma diminuição de 94% no período de dez anos. Os autores observaram também que a taxa de tempo excedente entre os primeiros sintomas e o diagnóstico/início do tratamento (48 horas ou mais) diminuiu de 68,9% dos casos em 2005 para 14,3% em 2010.
De acordo com o autor principal do estudo, Jordi Gómez Prat, pesquisador do programa internacional de saúde do Instituto Catalán de la Salud (PROSICS), o trabalho mostrou que a sustentabilidade dos resultados é maior quando há participação efetiva da comunidade. “Embora muitos fatores estivessem provavelmente envolvidos na redução da transmissão da malária no Parque Nacional de Jaú, a abordagem baseada em comunidade desempenhou um papel importante no sucesso sustentado da iniciativa. E isso é chave em áreas remotas, como o interior da Amazônia”, ressalta.
O Relatório Mundial de Malária, lançado pela OMS em 2019, apontou para uma estimativa de 138 milhões de pessoas em risco de contrair malária nas Américas em 2018. Segundo a entidade, a doença é endêmica em 19 países da região com 929.000 casos e 580 mortes notificadas, junto com um aumento de 14% nos casos de 2010 a 2018. A malária também é um problema de saúde pública na região amazônica. Nos últimos anos, até 99% dos casos ocorreram na região, onde as infecções são tipicamente concentradas em torno de áreas de mineração, zonas de extração de madeira e assentamentos agrícolas, locais nos quais as mudanças ambientais favorecem a transmissão da malária. Em 2018, foram reportadas no país 44 mortes como causa direta da malária.
Proximidade que gera verossimilhança e resultado
O êxito do estudo, segundo os autores, está na forma como ele foi desenhado, em dois ciclos. O início se deu em 2001, com um olhar para o cenário geral de saúde da população nos 2.270.000 hectares do Parque Nacional do Jaú. Como explica o coautor, Pedro Albajar-Vinas, do Departamento de Controle de Doenças Negligenciadas da OMS, todas as etapas de investigação tiveram uma ação participativa – com e para a população – iniciando com aproximação à população e precedido de um segundo ciclo que identificou o controle da malária como sendo o seu maior desafio.
Uma estratégia completa com foco no combate à malária foi implementada em 2009, sendo que a principal medida, segundo os pesquisadores, foi o destacamento dos microscopistas, todos residentes no Parque, que atuaram em cada um dos serviços. “Os microscopistas comunitários significam proximidade, tanto de detecção quando do diagnóstico-tratamento das pessoas. Essa proximidade não é só física ou temporal de precocidade de diagnóstico, como também humana (fator de humano), pois estes microscopistas são pessoas da própria comunidade, convivem com as pessoas afetadas, conhecem profundamente a realidade e desafios locais e foram escolhidos pelas pessoas da comunidade”, ressalta Jordi Prat.
Os autores afirmam que a principal fragilidade está em reproduzir esse modelo integralmente. Segundo eles, há desafios do ponto de vista logístico, econômico e humano. Ainda assim, com investimento e esforço participativo é possível estabelecer ações de bases comunitárias sustentáveis, contribuindo assim de forma determinante para o controle da malária. Conforme destaca Jordi Prat, isto é chave em área remotas, como o interior da Amazônia.