Fernanda Caldas, Edgardigital
Algumas dezenas de professores visitantes foram selecionados por um edital da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 2017, em uma aposta para fortalecer os programas de pós-graduação e ampliar a internacionalização da instituição. Atualmente, são 41 professores, 15 brasileiros e 26 estrangeiros. Com o objetivo de mostrar a contribuição à pesquisa e à pós-graduação desses professores visitantes, o Edgardigital apresenta a série “As voltas que a pesquisa dá”, que trará perfis de professores visitantes de três diferentes áreas – matemática, imunologia e música – nesta e nas próximas edições, a fim mostrar exemplos não apenas da pesquisa, como da experiência de vida que esses convidados vêm tendo na Bahia.
A primeira reportagem traz a história do matemático russo Vladimir Pestov, que junto com seu gato canadense Murlyshka (ronronador, em russo), desembarcou não apenas numa aventura de vida, mas também no desenvolvimento de pesquisas iniciadas pelo pesquisador há décadas, nas complexas áreas de aprendizado de máquina e dinâmica de grupos de dimensão infinita.
Um renomado matemático russo na UFBA
“Eu diria que toda a história da matemática e de pesquisa mostram que a internacionalização é indispensável. Um país não pode desenvolver a pesquisa moderna sem interagir com o resto do mundo”, avalia o matemático russo Vladimir Pestov, de 62 anos. Desde março de 2019, ele integra o quadro de professores visitantes da UFBA, com contrato de dois anos, prorrogável pelo mesmo período.
Vladimir Pestov tem uma trajetória de pesquisa reconhecida, com mais de cem artigos publicados, duas edições do livro Dynamics of infinite-dimensional groups: The Ramsey–Dvoretzky–Milman Phenomenon e um grande número de citações. Ele também ganhou os prêmios da Sociedade de Matemática da Nova Zelândia, em 1995, pela pesquisa na área de matemática, e por excelência em pesquisa na Universidade Victoria de Wellington, Nova Zelândia, em 2001.
Nascido na Sibéria, Pestov é formado com distinção em matemática em 1978, na então União Soviética, onde já enfrentou a mais baixa temperatura de sua vida – 52 graus centígrados abaixo de zero. “É por isso que preciso do Nordeste, para compensar”, brinca. E já trabalhou na Itália, Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Nesse último país, ele deu aula por 15 anos, na Universidade de Ottawa, quando decidiu que “precisava mudar de vida” e pediu aposentadoria antecipada, mas segue como professor emérito – título conferido aos professores já aposentados, com alto grau de projeção na vida acadêmica, o que permite a continuidade das atividades de ensino e pesquisa mantendo vínculo com a instituição.
No Brasil, Pestov e seu gato canadense Murlyshka (ronronador, em russo) desembarcaram primeiro em Florianópolis, em 2016. O matemático foi convidado para ser professor visitante da Universidade Federal de Santa Catarina, onde ficou até o ano passado. A experiência de pesquisador estrangeiro no Brasil, porém, é mais antiga. De 2012 a 2015, ele ficou sete meses no Brasil, por meio do programa pesquisador visitante especial, que trazia pesquisadores de renome para ficar até três meses por ano no país.
Antes de fazer parte do quadro de professores visitantes da UFBA, Pestov já havia colaborado com a Universidade por meio de pesquisas e palestras em abril de 2015, janeiro de 2017 e abril de 2018 (dessas palestras, duas estão publicadas no youtube: link 1, link 2). Do período no país, ele acaba de concluir um novo livro, desta vez em português, inicialmente intitulado “Elementos da teoria de aprendizagem de máquina supervisionada”, submetido ao Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro.
Atualmente, no Instituto de Matemática da UFBA, Vladimir Pestov aprimora duas áreas de pesquisa às quais dedica sua carreira. Umas dela é o aprendizado de máquina, mais conhecida pelo inglês machine learning, uma área da ciência da computação criada a partir de pesquisas relacionadas à inteligência artificial. O cruzamento com a matemática pode ser assim resumido: por mais abstrato que um conceito matemático possa parecer, ele pode originar um novo algoritmo na análise de dados.
Apaixonado pela área, Pestov avalia que o estudo é promissor “por ser um campo de atuação que extrapola a matemática, alcançando a engenharia e a tecnologia de informação”, além de trazer muitos desafios do ponto de vista teórico e prático. Seu interesse maior é pela aplicação na área de ciências da saúde. E, como todo bom matemático, pensa num problema para explicar seu objeto de estudo.
“Imagina um grupo de pacientes, três mil com doenças cardíacas e três mil saudáveis. Há dados de genoma de cada pessoa, e é necessário construir uma função capaz de prever se uma pessoa tem predisposição para doença cardíaca ou não. Desse modo, um novo paciente pode chegar no hospital e, por meio do sangue, analisar o genoma. O algoritmo é capaz de dizer se essa pessoa tem predisposição para uma determinada doença ou não”, explica Pestov. Esse, inclusive, foi um dos temas de sua pesquisa no Canadá.
Seu outro campo de estudo não é menos complexo. Chamado de “dinâmica de grupos de dimensão infinita”, estuda a evolução de um sistema utilizando parâmetros determinados, como o tempo. “O tempo passa, o sistema evolui, e essas mudanças são o objeto da teoria matemática da dinâmica”, conta. Entretanto, ele ressalta que estudar a matemática da dinâmica depende de outros fatores. No momento, Pestov investiga a estrutura e dinâmica de grupos de transformações de vários objetos matemáticos utilizando como parâmetros números infinitos. O assunto se encontra na encruzilhada de dinâmica topológica, geometria, análise funcional, teoria combinatória e lógica, localização que não ajuda o público leigo a decifrar com muito sucesso a área de estudo.
Pestov lamenta os atuais cortes na educação, em especial, nos programas de internacionalização. “Um erro grave e muito sério, porque até então o Brasil recebia muitos visitantes pesquisadores no longo e curto prazo, pós-doc, isso foi muito bom para as ciências no Brasil num cenário recente”, reflete. Em sua opinião, em razão do caráter universal, é impensável fazer ciências sem internacionalização.
As aventuras de Vladimir Pestov e seu gato podem ser acompanhadas no twitter do pesquisador. Autodenominado @docente_errante, o perfil traz uma prévia desse pesquisador que faz ciência por meio do intercâmbio de saber, e personifica a ideia do cientista nômade, que demonstra que o conhecimento não deve ter fronteiras, mas, sim ser, universal.