81 assentamentos foram encontrados em área que era considerada quase inabitada, pesquisas indicam que haveria mais centenas
*Texto publicado originalmente no The Guardian, em 27/03/2018, por Nicola Davis
*Tradução: Tiago Marconi
Já se pensou que a Amazônia era uma floresta tropical quase inabitada antes dos europeus chegarem, mas pesquisadores dizem ter encontrado novas evidências de que ela, na verdade, fervilhava com atividade humana e era casa de milhões de pessoas.
Um novo estudo revelou detalhes de 81 sítios no território até então inexplorado da Bacia do alto Tapajós, com assentamentos variando de pequenas vilas com 30 metros de largura até um sítio grande cobrindo 19 hectares.
Pesquisadores dizem que as novas descobertas estão ajudando a desfazer a idéia de como era a Amazônia antes da chegada dos europeus.
“A ideia de que a Amazônia era uma floresta imaculada, intocada por humanos, lar de populações nômades dispersas… já sabíamos que não era verdade”, diz Jonas Gregorio de Souza, primeiro autor do estudo da Universidade de Exeter. “O grande debate é como as populações se distribuíam nos tempos da Amazônia pré-colombiana”.
Na revista Nature Communications, Souza e colegas explicam como os sítios foram descobertos em imagens de satélite da área, revelada por desmatamento. Explicam também como as imagens mostram evidências de atividade humana na forma de geoglifos, o que inclui valas cercando os sítios para fortificação, estradas em trincheiras e plataformas de terra sobre as quais poderia haver casas.
A equipe verificou presencialmente 24 das locações. “Todas as coisas que identificamos nas imagens de satélite examinadas eram sítios arqueológicos”, diz Souza, acresentando que a equipe se deparou também com fragmentos de cerâmica, machados de pedra polida e um tipo de terra preta fértil que indica habitação humana de longo prazo.
Carvão vegetal associado a fragmentos de cerâmica de um sítio foi datado, pelo processo de carbono 14, entre 1410 e 1460 DC. As datas de muitos dos sítios previamente descobertos no sul da Amazônia mostram um pico de atividade entre 1250 e 1500.
Os pesquisadores dizem que as próprias construções seriam feitas de madeira, e os assentamentos seriam cercados de muros de madeira, conhecidos como paliçadas, embora não tenham sido encontrados restos deles.
Souza afirmou que os resultados são animadores porque os assentamentos recém-descobertos foram encontrados próximos a pequenos córregos, afluentes e nascentes, reforçando a idéia de que pessoas não se concentravam apenas em lugares de várzeas férteis nas margens de rios grandes, como se pensou por muito tempo.
“A ideia era que, nas áreas distantes dos rios principais, as populações talvez fossem menores e tinham impacto irrelevante no meio ambiente”, diz Souza. “Demonstramos que essas regiões podem também ter tido grandes populações no passado”. Isso, dizem os autores, combina com relatos do século XVIII que mencionavam grandes vilas e largas estradas nessas áreas.
Modelos baseados na pesquisa sugerem que, na época, só o sul da Amazônia pode ter abrigado entre 500 mil e um milhão de pessoas.
No entanto, acrescenta Souza, a chegada dos europeus teve conseqüências rápidas. “Sabemos que doenças viajavam muito mais rápido do que pessoas e provavelmente essa população já estava enfraquecida por doenças trazidas por europeus antes mesmo dos europeus alcançarem a região”, diz ele.
A pesquisa, financiada pela National Geographic e pelo projeto Past (passado), do Conselho Europeu de Pesquisa, também destaca que geoglifos previamente descobertos no sul da Amazônia não eram isolados, mas parte de um trecho de assentamentos humanos que se estendiam por cerca de 1.800 quilômetros de leste a oeste.
Contudo, evidências que incluem variações nos estilos de cerâmica sugerem que populações que viviam mais ou menos na mesma época nessas diferentes regiões tinham diferentes culturas.
“Em cada uma das regiões do sul da Amazônia, você encontra uma expressão local diferente dessas tradições arquitetônicas, então há diferentes configurações dos sítios e diferentes artefatos encontrados em cada região”, diz Souza.
É provável que haja novas descobertas: modelos sugerem que geoglifos podem ser encontrados em uma área de 400 mil quilômetros quadrados com mais de 1300 sítios – mais de 60% dos quais ainda não foram encontrados.