Imagem de abertura: Marc Smith/Flickr
Na 5a feira, 11 de janeiro, a equipe que comanda o Facebook anunciou que novas mudanças nos algoritmos estão a caminho. Algoritmos são as regras que determinam o que aparece na timeline do usuário, uma espécie de equação que escolhe por você o que você vai ver e o que, entre seus posts, chegará aos seus amigos.
O próprio Mark Zuckerberg, criador e diretor executivo da rede, foi quem contou as mudanças. Em sua fala, a grande razão para a alteração nos algoritmos é fazer com que o Face retorne às origens e conecte o usuário aos amigos e familiares mais do que a páginas e serviços noticiosos. “Podemos nos sentir mais conectados e menos solitários, e isso está relacionado com a nossa felicidade e saúde ao longo do tempo. Por outro lado, ler artigos ou assistir a vídeos passivamente — mesmo que divertidos ou informativos — pode não ser tão bom”, defendeu Zuckerberg no comunicado.
Publicamente, a empresa está defendendo que que a experiência de navegar na rede seja leve e prazerosa. Positiva, como eles dizem.
Mas, além da alegada questão da proximidade perdida entre os membros, as mudanças nos algoritmos também são uma espécie de resposta do Facebook à pressão que vinha sofrendo em relação às famigeradas fake news. Em sua coluna de sábado, 13 de janeiro, no jornal O Estado de São Paulo, o jornalista e escritor Pedro Doria defendeu que “a pressão sobre o Vale do Silício aumentou consideravelmente desde o Brexit e, principalmente, desde a eleição que levou à Casa Branca Donald Trump. A rede admitiu que houve dinheiro russo na compra de publicidade a favor do atual presidente”.
Junto com operações de controle de notícias, em parceria com grupos de mídia do mundo todo, a empresa já estava fazendo testes em seis países, retirando páginas de mídia e similares do feed de notícias. A ideia era mensurar os impactos de medidas de controle da informação que circula na rede.
No entanto, a iniciativa deu resultados muito peculiares. Afastou as notícias, mas não as falsas, as jornalísticas mesmo. Numa reportagem do caderno Link de 12 de janeiro, do mesmo Estadão, há um levantamento feito pelo site Denník N, da Eslováquia, um dos países testados. O estudo mostra que a mudança dos algoritmos atingiu mais os serviços jornalísticos que os sites de fake news.
“De outubro a dezembro, as interações (likes, comentários e compartilhamentos) nas páginas das 50 maiores empresas de mídia do país caíram 52%. Já as interações dos ‘sites e páginas de desinformação’, que produzem notícia falsa para obter tráfego e publicidade, caíram 27%”, informa a reportagem.
Acontece que há ainda uma terceira versão para a mudança mais recente nos algoritmos do Facebook. Segundo essa corrente, não seria nem uma volta aos primórdios da rede, nem uma fuga da política e das notícias. A causa verdadeira seria econômica: gerar receita mesmo.
O cientista social Sergio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), que estuda internet e processos digitais há anos e atuou vivamente na formulação do marco regulador da web no Brasil, assegura que a decisão de Mark Zuckerberg tem caráter primeiramente econômico.
“O Facebook é um jardim murado. Uma rede privada mesmo. 74% dos brasileiros que têm acesso à internet estão no Facebook, por isso a atenção é grande”, diz o pesquisador, “Então qual é a ideia? usar essa grande força para gerar mais dinheiro. Como a população que frequenta o Facebook se informa por ali, a rede vai cobrar dos produtores de conteúdo noticioso para a informação chegar ao público”.
De fato, não era o objetivo primeiro da rede, mas os sites, blogs e serviços de notícias passaram a usar aquele ambiente para difundir seus conteúdos e os usuários logo aderiram a essa possibilidade. Também é fato que esse uso mais noticioso descambou para uma disseminação irresponsável de informações pouco ou nada apuradas e comprovadas. No entanto, afirma Amadeu, “não dá para engolir essa versão, porque se um serviço noticioso falso quiser espalhar suas fake news por aí, vai conseguir. Basta pagar e impulsionar o post. Não há um controle efetivo disso. A ideia do Facebook não é se afastar da política, é se aproximar da economia”.
Cathy O’Neil, matemática formada em Harvard e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Depois de anos trabalhando em sua área, mudou de rumo e passou a estudar o poder e o papel dos algoritmos na vida das pessoas e da sociedade.
Em entrevista ao Estadão, no dia seguinte ao anúncio de Zuckerberg, ela lembrou que “a definição de sucesso para o Facebook resume-se a manter as pessoas muito tempo conectadas, clicando em anúncios. Assim, a empresa ganha dinheiro”.
Cathy observa que o algoritmo do Facebook não foi desenhado para priorizar a verdade e argumentos discordantes. “O resultado disso nós vemos com o advento das notícias e propagandas falsas, com a perda da noção da verdade na sociedade, com as pessoas desvalorizando o que realmente é informação e vivendo em suas próprias bolhas’.
Tudo está acontecendo, diz a pesquisadora, simplesmente “porque o algoritmo do Facebook foi otimizado para o lucro, não para a verdade. E tudo o que a empresa vem fazendo para corrigir isso não está funcionando nem vai funcionar até que a essência de sua definição de sucesso mude”, propõe.
Sergio Amadeu observa que no Brasil, o que deve acontecer é uma repetição do que se passa fora da rede. “Quem determina a agenda de notícias do país são os grandes grupos econômicos associados aos grandes grupos de mídia. Até hoje, o Facebook era um território mais livre, com um pouco mais de diversidade”. Se esses serviços terão de pagar para divulgar seus conteúdos, “terá mais espaço no Facebook quem pagar mais – ou seja, quem tem mais poder econômico, os mesmos grandes grupos de sempre’, provoca.
Quando a essa conta, se soma a eleição que se aproxima – este ano haverá disputa para presidente, governador, senador e deputados estaduais e federais – o ambiente do Facebook, ainda que controlado, deve ficar ainda mais sujeito às forças econômicas. A Lei Eleitoral, aprovada pelo Congresso Nacional e válida já para este ano, impede a compra de anúncios de candidatos em sites.
“A exceção são os posts impulsionados nas redes sociais que permitem essa possibilidade”, explica o professor da UFABC. “Seremos bombardeados com publiposts e, certamente, com conteúdos de candidatos que têm mais dinheiro para investir”.
Sérgio Amadeu acredita que se o controle for grande demais e a timeline ficar realmente diferente, com menos notícias e divulgações de forma bem visível, o internauta vai sentir sim.
Os usuários se acostumaram a navegar pelo Facebook e ter aquele espaço como esfera pública, de debates, de troca e de embates também. “Sentem-se informados à medida que rolam a página para baixo, mesmo que só leiam as chamadas e o Facebook acabou se tornando um direito das pessoas comuns para saber o que acontece pelo mundo por ali”, lembra o pesquisador.
Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em entrevista ao Estadão também defendeu que o uso intensivo de algoritmos prejudica a sociedade, pois limita o acesso à web. “A regulação algorítmica melhora a democracia? Acredito que não. É o acesso pleno a todos os conteúdos da rede que me ajuda a ampliar os pontos de vista.” Ainda segundo Malini, “a curadoria automatizada é o que tem provocado o “efeito bolha” nas redes sociais, em que as pessoas só veem conteúdos que reforçam suas crenças”.
Com uma visão mais otimista, Pedro Doria escreve na coluna que “ao tentar esconder o noticiário político, talvez o tempo no Face diminua, mas o bom humor aumente. E, com alguma sorte, a ameaça de regulação seja afastada. Essa é a aposta. As consequências de mudanças no algoritmo, porém, são imprevisíveis. Pode ser que o público se mantenha no debate político porque não quer outra coisa. Pode ser que o tempo na rede despenque, e seus executivos voltem atrás. Pode, até, ser bom para todo mundo. E, com menos tempo dedicado ao Facebook, aumente a circulação pela rede aberta. Como sempre foi da natureza da internet até a imposição do monopólio azul”, escreve.