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A COP30 é também um território indígena

 Instalada no Colégio de Aplicação da UFPA, a Aldeia COP é o abrigo comum de hábeis estrategistas e indomáveis ativistas

13/11/2025 – Belém – O presidente da COP30, André Corrêa do Lago e Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, participam da reunião “Diálogo Climático de Belém com Povos Indígenas”. Foto de Hermes Caruzo/COP30

 

Entre tantas personalidades nacionais e internacionais reunidas desde o começo da semana passada na capital do Pará para a 30a Conferência das Partes da ONU, um grupo tem chamado especial atenção por suas reivindicações, participação ativa nos eventos e debates e pela defesa muito clara de seus objetivos, bem alinhados com as ideias de proteção da floresta — os povos indígenas. Vindos de diversos cantos do país, apresentaram-se em Belém para demandar a demarcação de terras, o fim da exploração de petróleo em seus territórios e a garantia de respeito a seus direitos básicos e fundamentais.

Na segunda-feira, 17, por exemplo, marcando o início da segunda e decisiva semana da COP30, o grupo reuniu milhares de manifestantes numa marcha pelas ruas da cidade reivindicando a demarcação de terras como política de proteção dos biomas brasileiros. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, participou do ato à frente de um grupo de mulheres do povo Guajajara do Maranhão e, mais tarde, faria um importante anúncio sobre dez novas demarcações de terras indígenas no país.

Em ato público, ela informou que estava com uma carta de plenos poderes do presidente Lula para assinar o compromisso de seu governo com a proteção territorial e, avançando nesse sentido em termos práticos, anunciar que o Ministério da Justiça e Segurança Pública acabara de assinar dez portarias declaratórias de Territórios Indígenas. De acordo com os dados oficiais, em 2024 o governo brasileiro havia reconhecido a posse permanente indígena de 11 territórios. Com o ato de ontem, agora são 21 territórios, abrangendo diferentes povos, biomas e regiões.

Durante a Conferência, os representantes dos povos indígenas estão agrupados na chamada Aldeia COP, um espaço de resistência cultural e programação política, mas, ao mesmo tempo, lugar de alojamento e alimentação, organizado pelo governo federal via Ministério dos Povos Indígenas, em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA), para garantir a presença de representantes dos povos originários do Brasil na Conferência. Instalada no Colégio Aplicação da UFPA, a aldeia abriga hoje cerca de 3 mil indígenas.

Em tempos normais o Aplicação da UFPA é o colégio  de 1300 alunos, da pré-escola ao ensino médio, e agrega também o programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nessas duas semanas de COP, eles — e os demais estudantes da capital paraense — estão de férias, enquanto suas salas de aula e transformaram em alojamentos, locais de reunião e salas de encontro para a melhor recepção das delegações indígenas. “O calendário educacional de Belém foi alterado para que a COP pudesse ser realizada sem prejuízo à formação dos alunos”, disse o o professor de matemática Edilson dos Passos Neri Junior, 36 anos, diretor do Colégio de Aplicação.

A propósito, essa escola tem um forte papel na formação de docentes e profissionais, como de praxe em outras instituições similares nas universidades brasileiras. Em conversa com o Ciência na Rua, Neri observou que “ela é diferente das outras escolas, públicas ou particulares, porque não se volta só ao ensino, mas faz também pesquisa, extensão e formação de professores”.

Entre os muitos indígenas abrigados na escola-aldeia, alguns estão credenciados para a zona azul da COP, a das negociações oficiais da Cúpula da UNFCC. Já na Aldeia COP, há uma parte aberta ao público, onde está instalada a feira de artesanatos, acontecem palestras, e se encontram a réplica de uma casa indígena de oração e outros espaços que os visitantes podem conhecer. Uma segunda parte é espaço privativo, de acesso liberado só aos indígenas abrigados e credenciados na Escola. Ali estão as áreas de alimentação, alojamento e abrigo.

As delegações indígenas vieram de longe ou de perto para fazer pressão, organizar articulações e mostrar para os negociadores, mesmo sem acesso oficial às negociações, que os povos indígenas do Brasil estão presentes na COP e fazem questão de serem ouvidos.

Foi justamente numa tentativa de se fazerem ouvidos que, na sexta-feira passada,14, por exemplo, os indígenas da etnia Munduruku bloquearam o acesso à zona azul da COP. Os manifestantes exigiam uma audiência com o presidente Lula e a revogação do Decreto nº 12.600/2025, que prevê a privatização de uma série de rios amazônicos, como o Tapajós.

Os Munduruku negociaram com o presidente da COP, André Corrêa do Lago, e, na própria sexta-feira, o acesso à zona azul foi restabelecido, após conversas entre as lideranças e o embaixador. Essa foi somente uma das tantas manifestações dos povos indígenas por suas pautas na primeira semana da Conferência das Partes de Belém. Na Aldeia COP, uma série de palestras, reuniões, encontros e rodas de conversa organizava a militância, definia estratégias e pensava formas de garantir participação política dentro e fora da zona azul.

Toya Manchineri, do povo Manchineri, do estado do Acre, é o atual coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, a COIAB (foto de arquivo pessoal Luiza Moura)

Na Aldeia COP estão reunidas lideranças estratégicas para a articulação dos povos indígenas. Uma delas é Toya Manchineri, do povo Manchineri, do estado do Acre, atual coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, a COIAB, uma das principais entidades indígenas do país e do mundo, com um longo histórico de lutas. Entre outros dados importantes de seu currículo, Toya é membro do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC), da Câmara Técnica de Mudanças Climáticas do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e, por dois anos, participou como um dos representantes da sociedade civil na Comissão Nacional de REDD+ (um incentivo do UNFCCC para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados na redução de emissão de gases do efeito estufa), representando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Toya é cauteloso quanto aos resultados da COP30. “Há muitas expectativas para essa COP”, disse ao Ciência na Rua, mas quem conhece bem esse ambiente, acrescentou, sabe que tanto pode acontecer muita coisa quando nada em termos de avanço nas negociações e nas pautas que são importantes para as populações indígenas.  “A nossa expectativa é de que a demarcação e a titulação dos territórios indígenas apareçam no documento final da COP30  como uma política de clima”, afirmou.

Nesse sentido, vale dizer que um estudo de 2022 organizado pelo Instituto Socioambiental, o ISA, demonstrou que os povos indígenas e tradicionais são responsáveis pela preservação de cerca de um terço das florestas do Brasil. Ou seja, a garantia de demarcação de terras indígenas é fundamental para a preservação ambiental e para o combate à mudança do clima, já que os povos indígenas são alguns dos maiores protetores do meio ambiente, o que justifica a demanda explicada por Toya.

Merece também registro a grande participação de mulheres indígenas na COP30. Tradicionalmente, elas têm um papel importante nas lutas e resistências organizadas por populações indígenas e na Aldeia COP não tem sido diferente. Uma das lideranças ali é Jozileia Kaingang, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade, a ANMIGA, uma organização central na luta de mulheres indígenas. Jozileia, do povo Kaingang, do Rio Grande do Sul, é geógrafa e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Jozileia Kaingang, do povo Kaingang, RS, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade, ANMIGA, geógrafa e professora da UFSC (foto arquivo pessoal Luiza Moua)

Em entrevista ao Ciência na Rua, na quinta-feira, 13 de novembro, ela relatou as articulações da ANMIGA  com a Associação de Mulheres e o Ministério dos Povos Indígenas para uma construção conjunta  da agenda levada à COP30. Ante a indagação sobre se sentirem verdadeiramente ouvidas nesse espaço ou perceberem que a presença das mulheres é meramente física, ela discordou do segundo ponto. “Ao longo do tempo, participando de várias COPs, fomos mudando isso. Eu participo de COP desde 2012, então são 13 anos só quanto a mim, outras mulheres vieram antes”. Jozileia ressalta que as mulheres participaram ativamente no ano passado da construção do Plano Clima e Adaptação do Brasil.

Ela comentou que as mulheres indígenas que participaram do curso de formação da ANMIGA hoje estão na zona azul da COP, ainda sem serem negociadoras, mas participando diretamente das discussões, sentando ao lado dos negociadores, apresentando uma série de demandas e exigindo transformações.

Por último, Jozélia Kaingang fez um balanço sobre os significados da COP30 em Belém. “Nós temos pensado muito que essa COP no Brasil, para nós, indígenas, é muito significativa. E trazê-la para a Amazônia é ainda mais significativo. O calor que eu estou sentindo, os negociadores também estão. É importante eles verem que esse lugar de que eles falam tanto também está em crise, também está sofrendo essa violência que é imposta pelo capitalismo.”

O contato com a Aldeia COP aprofunda a percepção de que houve e há, de fato, uma articulação dos povos indígenas do Brasil para se fazerem presentes na COP30. Seja por meio das negociações ou de manifestações e protestos, seus representantes têm sido protagonistas da COP amazônica.

A participação de populações locais e tradicionais é fundamental para o avanço das negociações da Cúpula da UNFCCC. A proteção de seus territórios, seus saberes e sua cultura é também uma forma de proteger o clima, o meio ambiente, as florestas e todos os biomas brasileiros.

A Aldeia COP se mostra, portanto, uma iniciativa fundamental para assegurar e garantir a participação dessas populações, garantindo, também, um local, onde podem compartilhar saberes, trocar experiências e fortalecer seus vínculos, suas articulações e suas conexões.

 

 

 

 

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