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A arte de espalhar informação científica divertindo a galera

Por Lucas Veloso

Nas redes sociais, divulgadoras científicas traduzem ciência com graça para alcançar mais gente

Rafaela Lima e Deusa Cientista: em busca do tom certo para facilitar temas complexos (arquivo pessoal)

Porque o cabelo crespo é mais encaracolado? Quais as principais diferenças entre o cabelo crespo e o liso? O que acontece na hora do alisamento? As respostas para essas perguntas são respondidas no quadro ‘Hora da química com Deusa Cientista’, no perfil de Kananda Eller, 27 anos, química, mestranda em ensino de ciências ambientais na Universidade de São Paulo (USP) e divulgadora científica nas redes sociais. 

Em outro conteúdo, ela mostra a iniciativa da estudante Francielly Barbosa, da rede pública do Pará, que criou um material para construir casas a partir do caroço de açaí, geralmente descartado pelas pessoas pela falta de uso. “Mulheres negras subvertendo o sistema e produzindo pra comunidade é poderosíssimo”, diz a Deusa Cientista.

Para entender mais sobre a importância dos divulgadores científicos nas redes sociais, o Ciência na Rua conversou com a Deusa Cientista e com a professora Rafaela Lima, que usam perfis públicos para compartilhar informações e criar atenção para conteúdos que divertem ao mesmo tempo em que ensinam. 

Nas redes

Com mais de 170 mil seguidores apenas em seu perfil no Instagram, a principal preocupação de Kananda ao criar conteúdo é a discussão com a equipe sobre os temas que desejam abordar. Além disso, o grupo dedica atenção para ouvir atentamente as discussões em andamento entre o público e identificar suas dúvidas. A partir dessas informações, traçam um plano para a produção de conteúdo.

“Também podemos obter inspiração ao ler artigos, notícias em jornais, ou até mesmo desmistificar informações incorretas”, comenta. “Em algumas situações, podemos abordar posicionamentos políticos. Após definir o tema, começamos a busca por artigos acadêmicos e referências em sites como PubMed, que são ferramentas de busca para encontrar artigos, livros e textos relevantes”, completa.

Um ponto crucial na divulgação científica é fundamentar o conteúdo na ciência. Para além disso, o trabalho de Kananda frequentemente envolve a promoção do trabalho de pessoas de grupos sociais  subrepresentados, como negros, indígenas e mulheres, cuja visibilidade muitas vezes não é devidamente reconhecida. “Quando deparamos com esses artigos, o objetivo é sempre abordar o conteúdo de forma acessível, como se fosse uma conversa casual”, cita. 

Para ela, o objetivo principal é tornar a mensagem compreensível e cativante, uma vez que a intenção do divulgador científico é partir de um interesse genuíno nas pessoas, incentivando-as a se aproximarem da ciência. 

Inspiração

Parte de uma área do conhecimento em que as colaborações de pessoas negras pouco aparecem, Kananda também acredita que seu trabalho de divulgação científica nas redes sociais é uma fonte de inspiração para crianças negras de áreas periféricas. Para ela, isso acontece porque aborda amplamente a questão da representatividade e da imagem, especialmente em relação a onde as pessoas se enxergam. 

Ela diz que se colocar em situações onde as pessoas negras, por exemplo, não se veem é uma tarefa bastante desafiadora, o que resulta na sub-representação de mulheres e homens negros em universidades, seja em cursos de graduação, mestrado ou doutorado.  “Para mim, a compreensão do que significa seguir uma carreira acadêmica só veio durante a graduação. No entanto, ao superar desafios, aprender e persistir, consegui avançar, conquistar um espaço e encorajar outros a fazerem o mesmo”, pontua.

Crianças questionadoras

 

Ainda sobre as crianças, ela ressalta que a questão da imagem é especialmente relevante. Ela se preocupa em não apenas oferecer uma representação visível, mas também mostrar a importância da transformação e do empoderamento nas próprias comunidades. “Ao aparecer como uma cientista negra nas redes sociais e falar sobre ciência, acredito que posso influenciar mudanças significativas na vida das crianças, adolescentes, jovens e até mulheres mais velhas que me acompanham”. 

Para exemplificar sua fala, ela compartilha a lembrança de um episódio contado por sua mãe sobre sua irmã mais nova, que estava em aula de ciências e trouxe à tona discussões sobre racismo e ciência. “Esse é o impacto do trabalho de divulgação científica: permitir que as crianças cheguem às escolas com uma mentalidade questionadora, buscando entender onde estão os cientistas negros”, observa. 

Kananda diz que seu trabalho ajuda a capacitar as crianças a desafiar os espaços tradicionais de aprendizado, questionando a falta de diversidade e reivindicando uma representação mais inclusiva. Assim, elas podem transformar suas próprias vidas e a realidade de suas comunidades.

Professora na escola, divulgadora nas redes sociais

Educadora que cresceu na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro, Rafaela Lima vem se destacando como uma influenciadora importante quando o assunto é educação e ciência. Em junho passado, a pesquisa “O melhor da Internet”, que contou com a resposta de 1.500 pessoas de todas as regiões e classes sociais do país, mostrou que 10% dos respondentes citaram Rafaela Lima como a principal influenciadora digital de educação do Brasil. 

Há oito anos, ela tem conduzido o canal “Mais ciências”, que hoje conta com mais de 221 mil inscritos. Rafaela tem licenciatura e mestrado em biologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), além de estar numa pós-graduação em neurociência. Além disso, atua como professora em duas escolas da região do Grande Rio. 

Sobre o trabalho de divulgação científica, ela destaca a necessidade de tornar conteúdos intrinsecamente complexos mais acessíveis ao público. “O desafio reside em apresentar o conhecimento de maneira simplificada, sem perder a seriedade e importância do assunto”, resume.

Hoje, sua audiência é constituída principalmente por adolescentes, desde os mais jovens até jovens adultos, demandando que ela traduza essa complexidade para uma linguagem acessível.

Coisas interessantes

Para tornar o conteúdo científico interessante em suas plataformas de redes sociais, Rafaela revela um processo ativo de monitoramento das discussões presentes na internet e na mídia, além de aproveitar sua experiência como professora em sala de aula. Essa abordagem mantém seu conteúdo relevante e atualizado, permitindo que ela adeque o material às necessidades da sua audiência.

Em prol de uma conversa, a professora tenta promover a participação e engajamento do público em discussões científicas, mesmo considerando as limitações das plataformas de vídeo, como o YouTube, que não oferecem a estrutura de chat ou blog para comentários. “Mesmo assim, incentivo interações por meio de perguntas e provocações nos comentários, estimulando uma participação ativa da audiência e construindo uma comunidade engajada”, conta. 

Contra a desinformação

Em relação ao desafio da desinformação científica nas redes sociais, Rafaela destaca sua abordagem focada na entrega de informações precisas e confiáveis. “Evito debates superficiais e títulos sensacionalistas, concentro-me em transmitir fatos de forma clara e honesta”, pondera. 

Ela acredita que o papel do divulgador científico é oferecer esclarecimento e orientação, a fim de combater a desinformação ao promover informações respaldadas pela ciência e com incentivo ao pensamento crítico. “Tenho consciência de que muitos dos assuntos que surgem são relevantes para o currículo educacional. Isso me permite cruzar esses temas com os conteúdos curriculares, garantindo que estou trazendo informações que serão úteis para o público em algum momento”. 

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