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Um olhar microscópico para a vastidão amazônica
Amazônia

por | 4 set 2019

ilustrações: Tuomas Saikkonen/Divulgação
foto da home: Conector Ciência/Divulgação

“Imagine um jovem na periferia construindo um microscópio que ele pode usar para estudar a poluição do rio local e depois apresentar os seus resultados em uma feira de ciência? Imagine esse mesmo jovem decidindo por uma carreira científica e com uma rede de pesquisadores que ele conheceu fazendo e apresentando o projeto? Queremos ver isso acontecendo mais!”

Com essas palavras, Filipe Oliveira exemplifica o objetivo do Conector Ciência, microempreendimento criado por ele e Tuomas Saikkonen em 2016, que busca conectar brasileiros de diferentes origens socioeconômicas com a cultura científica “para criarmos juntos melhorias sociais e ambientais”. Oliveira é biólogo de formação e trancou o doutorado na Finlândia para se dedicar ao microempreendimento. Saikkonen, designer gráfico finlandês, veio junto.

Conectorscópio é feito com lente de leitor de DVD (foto: Tuomas Saikkonen)

O Conector Ciência promove oficinas criativas com materiais de baixo custo para demonstrar que todos os brasileiros podem fazer ciência e tecnologias e em qualquer lugar. “Nossa visão é aumentar o número de estudantes brasileiros do ensino básico que produzem e divulgam ciência e tecnologias com o apoio dos seus educadores e familiares”, explicou ele ao Ciência na rua, em entrevista por e-mail. O ponto de partida escolhido foi um modelo de microscópio construído a partir de lixo eletrônico. Ele explica que escolheram os microscópios por serem emblemáticos do avanço da ciência, ao passo que poucos brasileiros usaram – muito menos construíram, destaca – um microscópio.

Impresso em 3D com lente reaproveitada de leitor de DVD, o Conectorscópio não é patenteado e nem será. “Ele tem uma licença legal de uso aberto (Creative Commons 4.0 BY NC.), ou seja, pode ser compartilhado, usado e modificado, mas não pode ser vendido e deve citar o Conector Ciência. O outro modelo que usam é o Foldscope, “é patenteado e importado, mas tem um baixíssimo custo”.

De 2016 para cá, já trabalharam com sete escolas, 36 organizações e 9 universidades, atingindo um público de mais de 3700 participantes, além de representarem o Brasil no movimvento DIYBio (Biologia Faça Você Mesmo), que busca engajar indivíduos e comunidades em pesquisas de biologia e ciências da vida utilizando os mesmos métodos que as grandes instituições de pesquisa.

Microzônia

A aventura mais recente do Conector Ciência foi na Amazônia. Em fevereiro deste ano, com pouca bagagem – “levamos na mochila celulares, microscópios portáteis e tintas de aquarela para ilustrar as narrativas (não trouxemos nada que fosse grande e tivesse que ficar pendurado)” – partiram do Rio de Janeiro para Manaus e, por duas semanas, percorreram vários lugares. “Seguimos de barco visitando localidades no Rio Negro e Solimões, incluindo uma aldeia indígena. Seguimos com um taxi comunitário até Presidente Figueiredo, onde existe a Campinarana, uma vegetação típica da Amazônia e ainda pouco estudada. Depois seguimos de embarcação até Santarém pelo Rio Amazonas e vimos o Rio Madeira desembocar nele, uma imensidão de água barrenta. Para Alter do Chão, uma vila próxima a Santarém, seguimos de ônibus. Para vivenciar a região do Rio Tapajós, FLONA [Floresta Nacional] do Tapajós e Canal do Jari, seguimos de voadeira. Para Belém, seguimos de avião porque a transamazônica e outras estradas estavam obstruídas pelas fortes chuvas.”

O Microzônia é um projeto de divulgação científica sobre, claro, a Amazônia. “Os brasileiros conhecem ainda muito pouco sobre o cotidiano da Amazônia porque é muito longe das regiões mais populosas do país. Isso contribui com a permanência de uma visão muito generalista sobre ela. Precisamos sair do olhar macro e ir mesmo pro olhar micro, ver a Amazônia bem de perto para agirmos de maneira informada em prol da preservação da floresta e potencializar a proteção dos povos que vivem nela de forma sustentável”. Assim, foram para lá coletar e divulgar nas redes sociais e em um diário eletrônico as histórias  de pessoas e organizações que mantêm a floresta em pé com soluções sustentáveis, preservando a cultura e biodiversidade local enquanto geram renda e equidade social. “Ressalto que no projeto demonstramos que é possível  gerar lucro e equidade social sem destruir a floresta. A floresta em pé, de fato, vale mais em termos financeiros que quando destruída, como tem sido demonstrado em outros estudos e vivenciamos isso também no valor cultural e autoestima dos habitantes”.

Por onde passaram, Oliveira e Saikkonen desenvolveram uma pesquisa no modelo ciência cidadã – semelhante à ideia do DIYBio, ou seja, em que pessoas de fora das univeridades contribuem com a produção de ciência. A coleta foi feita seguindo oito categorias de aprendizagem pré-definidas: visual, culinária, sabores, cheiros, processos, sons, medicina e artesanato. O que foram aprendendo, divulgaram nas redes sociais seguindo quatro eixos temáticos: culinárias, rios, floresta e soluções sustentáveis. Para cada eixo, escolheram uma ou duas amostras centrais que seriam representadas por aquarelas – forma inspirada nas antigas expedições amazônicas, como a Comissão Rondon, mas em um contexto científico e nacional completamente transformado pelo tempo.

Uma das visitas que mais impressionou a dupla foi na comunidade do Jamaraquá, em Belterra, no baixo Tapajós. A comunidade já havia trabalhado com cientistas e tem um laboratório científico com paredes de madeira e equipado com maquinário e materiais de laboratório usadoa para beneficiar o látex coletado no local ou em outras comunidades, produzir artesanatos com sementes e borracha locais e para comercializar a borracha para São Paulo. “Isso tem gerado maior distribuição de renda local e maior participação das mulheres, que fundaram uma cooperativa e uma loja”. A comunidade, porém, já sofreu com batalhas legais, biopirataria, exploração não justa dos produtos que fabricava e coletava, além de apropriação de materiais arqueológicos, nunca devolvidos. A estrutura precária da escola local, desprotegida das intempéries, também chamou a atenção.

Depois de saírem da comunidade do Jamaraquá, muito tarde porque ficaram conversando com os moradores, ainda passaram um sufoco: a gasolina da lancha acabou, e ela ficou à deriva no escuro. Por sorte, e por terem sinal de celular, foram resgatados não muito depois. Com exceção de um chapéu de palha amassado por um passageiro tenso, porém, todos saíram intactos da aventura.

Para ver o périplo amazônico do Conector Ciência, basta buscar #microzônia no Instagram ou acessar o site https://www.conecien.com/microzonia.html.

foto: Tuomas Saikkonen

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