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20 anos de SciELO: a ciência é um bem público e seu acesso tem que ser aberto

Primeira mesa: Perez falando das origens do Scielo, e a partir da direita, Tennant, Hampson, Cueto e Getschko

Você sabe onde encontrar reunido, e com livre acesso, o maior volume de artigos que mostram o que os cientistas brasileiros têm achado e produzido de relevante nos últimos 20 anos?

Aliás, já leu ou ouviu as expressões open science e open access, que estão no topo das discussões de cientistas e divulgadores da ciência quando tratam dos temas centrais à produção e à comunicação científicas contemporâneas?

As respostas a essas duas indagações passam direta ou indiretamente por uma sigla, SciELO, em inglês, Scientific Eletronic Library Online, a grande plataforma de periódicos científicos brasileiros – e hoje também de publicações de 16 outros países – que nesta semana realizou uma ambiciosa conferência internacional em São Paulo para celebrar seus 20 anos.

Assim, no SciELO está concentrada parte significativa da comunicação da ciência brasileira mais relevante (um terço de todos os artigos científicos que aqui se produz), ao tempo em que ali se tem um projeto internacionalmente pioneiro no que diz respeito à ciência aberta e ao acesso aberto. Sim, porque desde a segunda metade dos anos 1990, um esforço notável pela ampla circulação do conhecimento científico e acesso livre à produção científica nacional, junto com um propósito firme de dar visibilidade à ciência oculta dos países em desenvolvimento, deu nascimento ao SciELO.

À época, registre-se, quase ninguém discutia ainda open science, open acess ou a quem pertencia todo o conhecimento científico que se produz no mundo. Acreditava-se mais piamente que ele pertencia à academia, e não à sociedade, e que sua comunicação devia se dar pelos periódicos científicos de propriedade de a empresas privadas (e, portanto, com assinaturas pagas e restritas).

Boletim Notícias Fapesp de outubro de 1996

Duas explicações são a essa altura necessárias: primeiro, o dedo na ferida dessa vasta perda do conhecimento produzido nos países em desenvolvimento foi posto pelo artigo “The lost science in the Third World”, texto de grande repercussão de Wayt Biggs, escritor de ciência, na revista Scientific American, em 1995. Em segundo lugar, se os 20 anos do SciElo estão sendo comemorados em 2018, a rigor, em 1997, ou seja, há 21 anos, a base de dados já começava a funcionar, e um ano antes avançava-se em sua concepção, como se depreende de leitura do Notícias Fapesp de outubro de 1996, edição 14, o boletim mensal que se transformaria em 1999 na revista Pesquisa Fapesp.

O título original da notícia impressa era “Projeto investe contra a lost science in the third world” (como se pode ver ainda ao folhear eletronicamente o boletim no site da revista). A inadequação dessa mistura português-inglês foi substituída no meio digital por “Projeto investe contra a inacessibilidade de informações geradas pela produção científica brasileira” (https://revistapesquisa.fapesp.br/1996/10/01/projeto-investe-contra-a/), sentença complicadíssima, a ponto de soar hilária.

Seja como for, lá se dizia de cara que “entre 15% e 20% dos trabalhos científicos elaborados no Brasil são publicados em periódicos internacionais, indexados em várias bases de dados no exterior, inclusive na mais importante delas, a do Institute of Scientific Information (ISI)”. Vale observar, era esse o nome da atual Web of Science.

A notícia acrescentava que, se tais dados “indicam que parte significativa da produção científica brasileira mais relevante acaba encontrando abrigo nos periódicos internacionais, tornando-se acessível e integrando o acervo mundial de conhecimento científico sistematizado”, por outro lado revelam “também e principalmente, uma dura contraface da questão, ou seja, que cerca de 80% das informações geradas pela produção de ciência no Brasil permanecem inacessíveis para além das fronteiras do país”.

O texto dava espaço ao pesquisador Rogério Meneghini, que se perguntava se seria a nossa produção científica “tão pobre em qualidade, que merece esse destino”? Então professor titular do Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP) e adjunto da Diretoria Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Meneghini entendia que não, e tornara-se assim, além de autor da proposta, o coordenador de um projeto de pesquisa da Fapesp, encampado por sua diretoria executiva, que poderia “alterar substancialmente, a médio prazo, esse quadro um tanto melancólico do acesso às informações sobre a produção científica brasileira”.

Rogério Meneghini, que vislumbrou o Scielo, e Britto Cruz, diretor científico da Fapesp

A notícia acrescentava que o “projeto para o desenvolvimento de uma metodologia para a preparação e disseminação de publicações científicas eletrônicas”, (era esse o seu nome inicial) começaria a ser desenvolvido nos próximos dias, “por meio de uma parceria entre a Fapesp e a Bireme, Biblioteca de Referência de Medicina, vinculada à Organização Pan-Americana de Saúde, OPAS e à Organização Mundial de Saúde, OMS e reconhecida como um dos mais avançados centros da América Latina no desenvolvimento e uso intensivo de tecnologias de informação, tanto na operação de base de dados quanto no gerenciamento de serviços de informação científica”. Informava ainda que Abel Packer, “um especialista em informática de bibliotecas da Bireme”, seria seu coordenador operacional.

O primeiro objetivo específico do trabalho era “o desenvolvimento de um software padronizado para ser usado na produção de periódicos científicos brasileiros, em formatos eletrônico e impresso”. O segundo, era, com o mesmo software, “partir para a constituição de uma base de dados de produção científica e de citações de artigos na literatura especializada, que deverá se tomar muito importante para avaliações científicas e estudos de ciência brasileira”.

História e projeção do futuro

A história do SciELO foi bem lembrada na primeira mesa da Conferência Internacional dos 20 anos, “Conhecimento científico como bem público global. O futuro da comunicação da pesquisa. Scielo como bem público global”, coordenada pelo diretor científico da Fapesp à época da implantação do programa e atual presidente da empresa Recepta Biopharma, o físico José Fernando Perez. Aliás, as próprias bases da implantação e desenvolvimento da internet no país foram trazidas à cena nessa mesa por um de seus indiscutíveis pioneiros, o engenheiro eletrônico Demi Getschko, do Comitê Gestor da Internet.

Mas o futuro também foi descortinado nessa primeira mesa, principalmente por Jonathan Tennant da Open Science MOOC, e Gleen Hampson, da OSI & SCI. Fez parte ainda desse primeiro debate, Marcos Cueto, da Fiocruz.

Abel Packer: evolução notável em número de publicações e acessos

A abertura da conferência, propriamente, na quarta às 11 horas, foi coordenada por Hernan Chaimovich, professor da USP e assessor da diretoria científica da Fapesp. E para ele, o destaque da celebração de 20 anos do Scielo teriam que ser três personagens heroicas, todas ali presentes, que estiveram nas fundações da base: Fernando Perez, Rogério Meneghini e Abel Packer, que tem sido o grande executivo do programa desde o começo.

Coube a Packer apresentar o Scielo hoje, com suas 1.233 revistas indexadas, contra 38 em 1998, 650 mil artigos publicados, 1,5 milhão de downloads por dia, e seus desafios para o futuro. Meneghini fez uma breve saudação, Carlos Henrique de |Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, situou o papel da Fundação no acesso aberto e na ciência aberta, Patrícia de Almeida Silva falou sobre o portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (Capes) e Rui Seabra Ferreia Jr, presidente da Associação Brasileira de Editores Científicos, abordou a importância do apoio aos editores de revistas na expansão da comunicação científica brasileira.

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