Por duas semanas, políticos, cientistas, ativistas e organizações da sociedade civil participam de um grande esforço coletivo na Amazônia em defesa do planeta Terra
Por Luiza Moura e Mariluce Moura

Lula na abertura COP30: Brasil quer inspirar o mundo para ações efetivas em defesa do planeta (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
Contornados na noite anterior os impasses para estabelecer a agenda da reunião, com um total de 145 tópicos sobre mudanças climáticas e seus respectivos documentos — que vão orientar as discussões dos próximos dias sobre o que, de fato, fazer para conter o dramático aquecimento do planeta —, a COP30, ou 30ª Conferência das Partes, foi oficialmente aberta na manhã da segunda-feira, 10 de novembro, em Belém. O discurso ao mesmo tempo acolhedor e politicamente contundente do presidente Lula e as belas apresentações da paraense Fafá de Belém e da baiana Margareth Menezes, também ministra da Cultura, foram grandes atrações da cerimônia.
“Meus parabéns a vocês delegados e delegadas, representantes de governo e ao povo do Pará, por darem a todos nós essa lição de civilidade, essa lição de grandeza humana”, disse o presidente do Brasil, acrescentando de imediato que, “se os homens que fazem a guerra estivessem aqui nesta COP, eles iriam perceber que é muito mais barato colocar US$ 1,3 trilhão para acabar com o problema climático do que colocar US$ 2,7 trilhões para fazer guerra, como fizeram no ano passado”. A alusão bate diretamente nos Estados Unidos, ausente na Conferência.
Em outro trecho forte, ele observou que “na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo. Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio e espalham o medo. Atacam as instituições, a ciência e as universidades.” E propôs que “é o momento de impor uma nova derrota aos negacionistas.”
Lembrou que, sem o Acordo de Paris e sua meta de conter o aquecimento global em 1,5°C, até o fim do século a Terra estaria fadada a “um aquecimento catastrófico de quase cinco graus”, e considerou que estamos seguindo na direção certa, mas em velocidade errada.
A abertura formal da COP30 aconteceu dentro do espaço oficial do evento, a chamada Blue Zone ou Zona Azul, com a participação de autoridades do mundo inteiro, diplomatas, ativistas, representantes de povos indígenas e cobertura intensa da mídia nacional e internacional. Além do discurso do presidente Lula, a plateia pôde ouvir o presidente da Conferência, embaixador André Corrêa do Lago, e Mukhtar Babayev, presidente da COP29, que aconteceu no Azerbaijão.
Em coletiva de imprensa, Lago elogiou a rápida aprovação da agenda oficial da COP30, que vai permitir o início efetivo das negociações. O embaixador agradeceu às delegações de quase 200 países pelo “fantástico acordo” que permitiu que se começasse ainda na segunda-feira um trabalho intenso, com a possibilidade de “explicar ao mundo por que os temas adicionais da agenda realmente importam”.
O mundo na Zona Verde
Por volta das 11 horas, a temperatura em Belém alcançara cerca de 30°C. Mas o calor intenso não foi motivo para os membros da sociedade civil que decidiram conhecer a Zona Verde ou Green Zone da COP, no primeiro dia oficial da Conferência das Partes, desistirem de seu intento. Ao longo da fila, voluntários distribuíam água gelada e lembravam que na cidade é preciso se manter hidratado o tempo todo.
Depois dos detectores de metal e de um letreiro de boas-vindas, as portas da COP se abriam. Dezenas de estandes de instituições e empresas — como o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o Consórcio Amazônia Local, o BNDES, a Caixa Econômica Federal — e até um grande auditório do governo federal compunham uma colorida Green Zone lotada de curiosos, ativistas, parlamentares e outras autoridades.
Numa primeira parada no auditório do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), era possível assistir os vereadores paulistanos Marina Bragante (Rede Sustentabilidade), Renata Falzoni (PSB) e Nabil Bonduki (PT) numa mesa redonda sobre o papel dos vereadores no combate à crise climática. Os três são fundadores da Frente Parlamentar pelo Direito à Cidade Sustentável, que tem encampado algumas discussões importantes no âmbito municipal paulista.
Já no estande do Consórcio Amazônia Legal estava em curso uma instigante discussão sobre políticas públicas no Acre, com a participação de membros do governo e representantes de comunidades tradicionais e povos indígenas. Na plateia estava Jorge Constantino Kanter, subsecretário de Meio Ambiente do estado de Chiapas, no México.
Perguntado sobre suas expectativas em relação à COP e seus objetivos ao vir ao Brasil, Constantino Kanter contou ao Ciência na Rua que veio para conhecer as experiências brasileiras na área de sustentabilidade, aprender com elas e ver o que está funcionando. Acrescentou que também está no país em busca de apoio e financiamento para os projetos e políticas públicas que está construindo em seu território.

Relações diversas com a terra: mediado por Luz Dorneles, o debate trouxe experiências de Eliete Paraguassu, Raimunda Gomes da Silva e Eliane Brun (Foto divulgação Arayara)
O primeiro dia avançou na ensolarada Belém com inaugurações de pavilhões, chuvas torrenciais com duração de 20 minutos provocando alagamentos na área da COP e eventos paralelos organizados pela sociedade civil. Um deles, a mesa de debates “A Terra dá, a Terra quer comunicar”, título em homenagem ao pensador Nêgo Bispo, aconteceu no lotado Amazon Climate Hub, espaço organizado pela ONG Arayara. Composta por Eliane Brum e Ehn Xyn, jornalistas, Sidarta Ribeiro, neurocientista, Eliete Paraguassu, vereadora de Salvador pelo PSOL, e Raimunda Gomes da Silva, ativista e escritora, a mesa abordou diferentes relações que se estabelecem com a terra para além daquela mais utilitarista e comum. Assim, Eliane Brum, por exemplo, falou do que lhe trouxe de enriquecimento a relação com um indígena que morou em sua casa, ela ainda criança, crescendo em Porto Alegre, uma cidade profundamente racista. Já Raimunda Gomes da Silva narrou seu breve encontro com Nêgo Bispo e sua relação profunda com suas plantas, com quem conversa, troca e pede conselhos.
Mais cedo, também na casa do Arayara, um grupo de jovens apresentou os resultados da pesquisa “O direito à energia elétrica e o Direito do Consumidor no contexto de implementação do programa Luz para Todos no Território indígena do Xingu”. O estudo identificou alguns gargalos e melhorias que podem ser feitas para que os povos indígenas do Xingu sejam mais bem assistidos no contexto de uma das principais políticas públicas de inclusão social do Brasil.
Proposições e expectativas do anfitrião
No discurso de abertura da COP30, após reiterar que “a mudança climática não é uma ameaça do futuro, mas uma tragédia do presente”, o presidente Lula se deteve sobre o Chamado à Ação, documento refinado na Cúpula de Belém para o Clima que, na semana passada, antecipando os debates cruciais para a COP, reuniu 57 chefes de estado e de governos no coração da Amazônia. Vale não esquecer aqui que a imensa região florestal se estende por nove países e abriga quase 50 milhões de pessoas, incluindo cerca de 400 povos indígenas.
O chamado tem três partes e, na primeira, está um apelo para que os países cumpram seus compromissos, ou seja, “formular e implementar Contribuições Nacionalmente Determinadas (CNDts) ambiciosas, assegurar financiamento, transferência de tecnologia e capacitação aos países em desenvolvimento e dar a devida atenção à adaptação aos efeitos da mudança do clima”.
Na segunda parte, o presidente do Brasil conclama os líderes mundiais a acelerar a ação climática, para o que será necessário estruturar uma governança global mais robusta, o que deve incluir a criação de um Conselho do Clima vinculado à Assembleia Geral da ONU.
E na terceira, Lula convocou a comunidade internacional a “colocar as pessoas no centro da agenda climática”, inclusive reconhecendo que a emergência climática é uma crise de desigualdade. Se o aquecimento pode fazer retroceder avanços sociais sempre insuficientes e empurrar outros milhões de pessoas para a fome e a pobreza, necessário é reconhecer já “o impacto desproporcional da mudança do clima sobre mulheres, afrodescendentes, migrantes e grupos vulneráveis” e considerar esse dado nas políticas de adaptação. Do mesmo modo, será “fundamental reconhecer o papel dos territórios indígenas e de comunidades tradicionais nos esforços de mitigação.”
Seja como for, as negociações, eventos, rodas de conversa e manifestações continuam amanhã e por quase duas semanas em Belém. Os olhos do mundo vão permanecer voltados para a capital paraense, que abriu ontem suas portas oficiais para o mundo. Tomara que o mundo escolha se abrir de volta para Belém.



