Ao assistir um filme, aprendemos muito, ampliamos nosso repertório cultural, ficamos mais criativos e, principalmente, aumentamos nossa capacidade de sonhar. Nenhum de nós deveria estar excluído desse contato, nem mesmo as pessoas que não podem enxergar. Mas como proporcionar uma boa experiência cinematográfica para deficientes visuais?
O publicitário Diego Normandi realizou um estudo em que analisou tudo o que a lei brasileira diz sobre o assunto, conversou com cineastas, áudio-descritores, especialistas em acessibilidade, exibidores de cinema, distribuidores e, claro, com deficientes visuais para entender como as salas de cinema podem ser mais inclusivas e como o design pode ajudar nisso. O estudo se transformou na dissertação de mestrado “Design para acessibilidade: inclusão de pessoas com deficiência visual ao serviço de cinema”, defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP este ano, sob orientação da professora Cibeli Haddad Taralli.
Diego se interessou pelo tema quando trabalhou numa campanha publicitária para inclusão de pessoas com deficiência. O seu próprio pai convive há 31 anos com deficiências motoras e diversas vezes deixou de frequentar muito lugares porque um corredor era muito estreito ou porque não havia elevadores para entrar no local, por exemplo. “Essas coisas nunca haviam me chamado a atenção, nem pareciam provocar algum tipo de indignação no meu pai, como se fosse normal todo esse modelo excludente”, conta.
Ele explica por que mudou do campo da publicidade para o do Design ao realizar sua pesquisa. “A publicidade orienta sua atuação no sentido de estimular a compra de artefatos, mas o design vai no sentido oposto, com foco na necessidade dos indivíduos”.
Dessa forma, sua investigação parte de perguntas como “quais dificuldades uma pessoa cega enfrenta ao ir ao cinema?”. O resultado é uma proposta para o serviço de cinema atual, que envolve tanto a acessibilidade da experiência em si, discutindo o uso de cães-guia, como também as etapas de divulgação e distribuição dos filmes, que precisariam passar por modificações.
A cadeia de produção e distribuição, por exemplo, precisaria de adequar ao uso de ferramentas de áudio descrição já conhecidas, como os aplicativos Whatscine e MovieReading. Essas tecnologias descrevem as informações das imagens que não podem ser percebidos somente pelos diálogos — expressões faciais e corporais dos atores; características do ambiente; figurino; efeitos especiais; e mudança de tempo e de espaço, por exemplo. Outros dados poderiam ser apresentados em aparelhos como Blitad, que exibem conteúdo em braile. Mas para isso, cada produção cinematográfica teria que passar por essa compatibilização.
Isso basta?
Essas modificações seriam possíveis e suficientes? Para entender isso, a pesquisa partiu para a elaboração de um mapa de stakeholders, ou um mapa de públicos-alvo, que é uma ferramenta de gestão para indicar os grupos de interesse de uma organização, projeto ou atividade econômica (no caso, o setor cinematográfico) e como todos esses atores envolvidos se relacionam (espectadores, produtores, exibidores, etc). Ele também fez um mapa de expectativas dos usuários e relacionou os dois. Um dos diagnósticos é o de que as ferramentas existentes são ainda muito dependentes de estímulos visuais, o que acaba excluindo pessoas com deficiência visual severa ou com múltiplas deficiências.
Diego acredita que os designers seriam profissionais fundamentais para resolver esse problema, mas ele também sabe que essas transformações dependem da criação de uma sociedade mais acolhedora. Para ele, a mudança passa tanto pela sensibilização dos agentes que financiam a cadeia cinematográfica, como também pela democratização da cidade, dos transportes urbanos e do acesso a locais públicos e de circulação do público.
Com informações de Denis Pacheco, do Jornal da USP