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Rearranjos genéticos estimulam diversificação de borboletas

Maria Guimarães, Pesquisa Fapesp

Novas espécies surgiram rapidamente em consequência de reorganização nos cromossomos

Melinaea ludovica (à esq.) e ethra: representantes das duas linhagens que chegaram à Mata Atlântica (fotos: André Freitas / Unicamp)

O sequenciamento genômico de borboletas dos gêneros Melinaea e Mechanitis, da tribo das itomiíneas, está revelando particularidades da diversificação de espécies. Um grupo internacional de pesquisadores verificou que o surgimento de novas espécies se deu rapidamente ao longo de menos de 2 milhões de anos, na maioria por meio de fissões, fusões e inversões de partes de cromossomos, de acordo com artigo publicado no final de julho na revista PNAS. O gênero Heliconius, do mesmo grupo, tem 46 espécies, mas atingiu essa diversidade em muito mais tempo, quase 12 milhões de anos.

Algumas espécies de Melinaea e Mechanitis surgiram como híbridas, um processo que aumentou a variação genética, e em seguida ficaram isoladas reprodutivamente das ancestrais. O trabalho foi coordenado pela evolucionista suíça Joana Meier, do Instituto Wellcome Sanger e da Universidade de Cambridge, ambos no Reino Unido, e contou com financiamento de instituições europeias, da Fapesp e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“Ainda não sabemos por que esse rearranjo acontece com mais frequência nessas borboletas, mas observamos uma variação muito grande no número de cromossomos, bem maior que em outros grupos”, relata o biólogo André Freitas, da Universidade Estadual de Campinas, coautor do trabalho. Assim, duas espécies geneticamente próximas com conjuntos distintos de cromossomos não conseguem gerar descendentes, embora bem aparentadas. Além disso, a cordilheira dos Andes atuou como força de isolamento geográfico, com populações sem acesso umas às outras por viverem em altitudes diferentes, ainda que em distâncias muito pequenas.

“A especiação cromossômica depende muito da estrutura populacional do grupo”, diz a geneticista Cleusa Nagamachi, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que não participou do estudo da PNAS. Segundo ela, que estuda esse tipo de fenômeno em uma diversidade de organismos, os indivíduos portadores de alterações cromossômicas produzem gametas – células reprodutivas – que podem gerar descendentes com problemas. Não é, portanto, um processo que aconteça facilmente. A especiação cromossômica, por isso, ocorre apenas a partir de pequenos grupos com baixa capacidade de deslocamento, uma situação que leva ao cruzamento entre indivíduos mais aparentados, sem muita diversidade genética. As populações da cordilheira dos Andes, conforme descrito por Freitas, se encaixam nesses critérios.

Mechanitis mazaeus, da Amazônia, tem fusões entre cromossomos sexuais e autossômicos (foto: André Freitas / Unicamp)

De acordo com o pesquisador da Unicamp, o cromossomo sexual dos lepidópteros – a família das borboletas e mariposas –, conhecido como Z, tem uma taxa de evolução muito maior do que os outros cromossomos, o que pode representar mais uma força de especiação, gerando outras barreiras reprodutivas. “Em um ou dois anos devemos ter respostas sobre isso”, estima.

O estudo mostrou que o código de barras de DNA, que usa o sequenciamento de partes curtas do material genético para etiquetar e identificar espécies, não funciona para esses animais, por muitas vezes apresentar resultados idênticos para espécies distintas. “Isso é comum quando há divergência recente, porque não dá tempo para cada uma evoluir separadamente e fixar mutações nessas partes específicas”, explica o biólogo. O código de barras era visto há alguns anos como um futuro promissor para a identificação rápida, barata e precisa de organismos, mas o recurso vem se tornando menos necessário diante da facilidade atual em fazer sequenciamentos mais extensos, até do genoma completo (ver Pesquisa Fapesp nº 330). “Nesses casos das itomiíneas, a genômica revela que são bem diferentes.”

Essa diversificação rápida leva a padrões curiosos, em que espécies próximas podem ter diferenças marcadas na aparência. “Duas subespécies de Melinaea satevis são bem distintas”, exemplifica o pesquisador. Por outro lado, semelhanças parecem surgir por mimetismo mülleriano, quando a semelhança entre espécies com substâncias tóxicas é uma vantagem para todas elas, reforçando a tendência a serem evitadas por predadores.

O quebra-cabeça curioso tem sido reforçado por estudos com feromônios, as substâncias voláteis usadas na comunicação química e atração de parceiros reprodutivos. “Por coincidência, um colaborador da Paraíba estava trabalhando com feromônios de Mechanitis e viu que o da subespécie M. lysimnia nesaea, do Nordeste, é muito diferente do de M. lysimnia lysimnia, do Sudeste, e parecido com o de M. polymnia, que é outra espécie que ocorre em toda região Neotropical”, conta Freitas. Ao comparar os parentescos entre o genoma nuclear e o mitocondrial (de origem materna), os pesquisadores viram que a história dessas três borboletas deve ser mais complicada do que pensavam. “M. nesaea possivelmente tem origem híbrida, já que indica parentescos diferentes conforme a origem do DNA”, conclui. “Elevamos ao nível de espécie.”


Projeto
Mecanismos evolutivos que determinam a diversidade e distribuição num hotspot tropical de biodiversidade (nº 21/03868-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa — Regular; Pesquisador responsável André Victor Lucci Freitas (Unicamp); Investimento R$ 419.678,90.

Artigo científico
HEIJDEN, E. S. M. van der et alGenomics of Neotropical biodiversity indicators: Two butterfly radiations with rampant chromosomal rearrangements and hybridizationPNAS. v. 122, n. 31,

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