por Beatriz Ortiz
Em pesquisa da USP, com resultados não extrapoláveis, adolescentes abrigadas demonstraram esperança a partir de capacidade de confiar, elementos do verdadeiro self e perspectivas de futuro

Foto: Javier Gonzalez / Pexels
A esperança está presente em adolescentes abrigadas em instituições de acolhimento e proteção, ainda que ela não seja sempre evidente. Este foi o resultado de uma pesquisa, publicada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP) em 2022, que analisou a experiência emocional de adolescentes em situação de acolhimento institucional a partir de três aspectos: capacidade de confiar, elementos do verdadeiro self [eu] e perspectivas de futuro. Os resultados da pesquisa não podem ser generalizados para adolescentes inseridos em outros contextos e unidades de acolhimento.
A pesquisa foi produzida pela psicóloga Cláudia Yaísa Gonçalves da Silva com orientação da professora Ivonise Fernandes da Motta, do IP/USP. Silva realizou encontros com quatro adolescentes do gênero feminino, de 13 a 16 anos, que viviam em uma unidade do Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA) na capital de São Paulo. As meninas haviam sido encaminhadas ao abrigo por motivos de conflitos familiares, negligência e/ou maus-tratos.
As adolescentes participaram de encontros com a pesquisadora, que realizou rodas de conversa, aplicou atividades relacionadas a desenhos e narração de histórias e registrou, em diário de campo, memórias e emoções suscitadas nela durante as reuniões. Depois, os materiais foram analisados com base na teoria do amadurecimento do psicanalista e pediatra D. W. Winnicott (1897-1971), que descreve as diferentes tarefas, conquistas e dificuldades inerentes ao processo de amadurecer em cada estágio da vida.
Com base na psicanálise winnicottiana, a pesquisa buscou identificar a experiência emocional das adolescentes em torno da esperança. Essa esperança não é sinônimo de pensar positivamente, como relembra Silva: “No estudo, a esperança está relacionada com a motivação dos sujeitos em seguir em busca dos seus objetivos apesar das dificuldades. Esperança é ação”. E os resultados da pesquisa demonstram que, mesmo com adversidades, as adolescentes agem em direção ao futuro.
Das adversidades ao amadurecimento
Os seis encontros com as adolescentes foram compostos por dois modelos de investigação científica: rodas de conversa temáticas e aplicação de desenhos-estória com tema. Nas rodas de conversa, que aconteceram em todas as reuniões, Silva levantava uma temática, fazia perguntas relacionadas e ouvia as narrativas das participantes. Algumas das questões levantadas foram: “quem sou eu?”, “como é a pessoa que eu gostaria de ser?” e “quem eu considero importante na minha vida?”.
Já os desenhos-estória com tema foram aplicados em dois encontros. No primeiro, as adolescentes fizeram um desenho com a temática “um adolescente nos dias de hoje” e escreveram a história do personagem desenhado no verso da folha. No último, fizeram o mesmo procedimento, mas com o tema “o adolescente daqui a cinco anos”, além de produzirem um cartaz colaborativo com a temática “o que me faz ter esperança?”.
Os desenhos produzidos eram únicos, mas tinham algo em comum: todos os personagens foram afetados por contrariedades que abalaram o curso da sua história. Mas conseguiram se desvencilhar da situação no final, buscando desenvolver suas capacidades e construir seu lugar no mundo. “As narrativas se mostraram mais realistas e ponderadas com o contexto de vida, sem negar as adversidades, mas acreditando na possibilidade de se encontrar algo bom para si”, indica a pesquisa.
Depois, os materiais foram analisados com base na teoria de amadurecimento de D. W. Winnicott. Segundo ele, muito da capacidade de confiar e sonhar com o futuro tem raízes nos primeiros anos de vida, quando a criança desenvolve uma noção inicial do “eu”, e continua na adolescência. “Winnicott possibilita maior compreensão sobre a constituição psíquica do sujeito e sobre o que podemos fazer para caminhar junto à saúde mental”, destaca a orientadora Ivonise da Motta.
Com base na teoria winnicottiana, três aspectos foram analisados: capacidade de confiar, verdadeiro self e perspectivas de futuro. A capacidade de confiar foi observada na procura das adolescentes por relacionamentos interpessoais seguros. Os elementos do verdadeiro self foram notados na busca pela afirmação delas no mundo e por uma vida dotada de sentido. E as perspectivas de futuro, nos projetos de vida, com metas definidas, como terminar os estudos e conquistar um trabalho remunerado.
Os resultados evidenciaram que “a esperança está atuante na vida das participantes, vacilando em alguns momentos em decorrência dos infortúnios vividos, mas perseverando”. O estudo também contribuiu para redescobrir a esperança das participantes. “Inicialmente, as meninas estavam muito apáticas e sem perspectiva de vida. Aos poucos, o trabalho que desenvolvemos possibilitou que elas resgatassem a capacidade de vislumbrar o futuro, sonhar, acreditar, ir à luta e acreditar que é possível viver uma vida com dignidade”, declara Silva.
Contribuições do estudo
O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) registra que mais de 33,6 mil crianças e adolescentes estão em acolhimento institucional e familiar no Brasil. Os adolescentes abrigados têm menos chances de colocação em família substituta do que as crianças, seja por adoção, guarda ou tutela. O caminho, para muitos, é a permanência em acolhimento institucional por longos períodos ou até a maioridade.
Com curta ou longa duração, o estudo identifica que uma instituição só pode ser um espaço acolhedor com o fortalecimento das relações dos abrigados com adultos de referência e ações voltadas para autonomia, sociabilidade e perspectivas ocupacionais futuras. Ele também desconstrói mitos, como o de que a família é o ambiente mais adequado para o desenvolvimento humano e o de que o desenvolvimento da pessoa acolhida é prejudicado.
Conforme explicado no início, os resultados são específicos desta pesquisa e não podem ser generalizados para outros adolescentes em outros contextos e instituições. Futuros estudos na área podem ser desenvolvidos com mais adolescentes de diferentes instituições, para verificar aproximações e divergências quanto aos resultados e oferecer resultados estatisticamente relevantes.
Esta reportagem é parte de uma série sobre pesquisas brasileiras com temáticas relacionadas à juventude, compiladas em uma ferramenta de busca própria do Ciência na Rua, que em breve estará disponível em nosso site.