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Conheça museus em São Paulo que destacam as culturas negra, periférica e indígena

Por Lucas Veloso

Com centenas de visitantes por mês, os lugares oferecem visitas guiadas, obras produzidas por pessoas negras e quer disputar espaço político no debate público; há gratuidades para entrar

 

Lucas Veloso

 

“E aí, mano, beleza? Tá firmão? De qual quebrada você é?” Sem dar nenhuma dica, você é capaz de responder corretamente em que lugar e contexto essa frase foi dita? Não sei se deu tempo de pensar, mas a resposta é: a pergunta foi feita por educador que recepciona as pessoas dentro do Museu das Favelas, um dos novos espaços culturais de São Paulo, inaugurado em 25 de novembro do ano passado.

 

Segundo números do próprio museu, desde que foi aberto ao público, cerca de 17.913 foram até o local, sendo que 3.102 foram de visitas educativas, acompanhadas de guia e monitores.

 

Construído em 1896, o Palácio dos Campos Elíseos, onde fica o museu, originalmente serviu como a residência de um fazendeiro muito rico ligado à indústria do café. Entretanto, em 1912, o governo estadual adquiriu a propriedade e a transformou em uma residência para governadores e sede de governo. Desde então, o palácio serviu como um importante marco histórico e arquitetônico da cidade.

 

O espaço é um dos lugares dentro de São Paulo que pretende ser ponto de encontro da cultura periférica e negra, uma demanda antiga dos movimentos sociais da cidade e dos articuladores de cultura. Outra novidade é que, desde o dia 4 de março, os moradores têm mais uma opção de entretenimento na cidade: a Pina Contemporânea, uma ampliação da própria Pinacoteca, próxima à estação Tiradentes da Linha 1-Azul do Metrô.

 

Só para ter uma ideia do que é a cena cultural de São Paulo, uma das mais importantes da América Latina: de acordo com números da prefeitura, há mais de 100 museus, 280 salas de cinema, 182 teatros, 140 bibliotecas e aproximadamente 40 centros culturais, bem como inúmeras festas populares e feiras que ocorrem nas ruas.

 

Uma pontuação importante aqui: apesar da grandiosidade, esses espaços, na maior parte, estão concentrados nos bairros centrais, enquanto a periferia pouco os acessa. Essa desigualdade tem sido pensada, inclusive, nestes espaços que você vai conhecer por aqui.

 

De olho nas novidades, o Ciência na Rua deu um rolê pelo Museu das Favelas, Pina Contemporânea, Museu das Culturas Indígenas e Museu Afro, espaços dedicados para acolher debates e expressões artísticas pensadas a partir das pessoas negras e indígenas, e com interesse em chegar ao maior número possível de pessoas.

 

Museu das Favelas

O Museu das Favelas, Campos Elíseos (Carlos Pires)

 

Logo na entrada há esculturas feitas em crochê, criadas pela artista Lidia Lisbôa com a colaboração de 7 mulheres do Coletivo Tem Sentimento e da Cooperativa Sin Fronteras, grupos de mulheres da vizinhança do museu.

 

Na sala ao lado tem uma instalação audiovisual sensorial. Foram selecionadas imagens de 20 fotógrafos e produtores de conteúdo de diferentes periferias brasileiras. A instalação, chamada “Visão Periférica”, mostra aos visitantes a multiplicidade das experiências nas favelas, despertando memórias afetivas por meio do cruzamento de linguagens. No final do percurso interno da exposição, os visitantes dão de cara com uma instalação no salão de espelhos do palácio, com a criação sonora do rapper Kayode, a fim de exaltar os diferentes modos de se pensar a beleza.

Instalação Visão periférica (Carlos Pires)

 

A coordenadora de Relações Institucionais, Carla Zulu, diz que a equipe do museu respeita o protagonismo juvenil. “Entendemos que já é tempo para que outros equipamentos da Rede de Museus abram os olhos para o distanciamento que existe entre os museus das cidade e os jovens da periferia”, diz. “E procure de uma vez por todas estreitar os laços com as periferias, promovendo escutas dedicadas, ocupações e residências artísticas, criando assim, um lugar de empoderamento e pertencimento às periferias”, emenda.

 

Fábio Santos Souza, mora no Vazame, bairro na periferia de Embu das Artes, cidade na Grande SP. Ele lembra que uma das experiências marcantes que teve ali no museu foi receber uma série de MCs de funk, de uma escola pública, todos jovens. “Foi poder trazer o funk como uma linguagem de mediação das obras. Quando chegamos na sala dos espelhos, onde eles visitam obras que dizem sobre a autoimagem e a relação deles com o mundo, nós começamos a cantar Felipe Boladão, na frente de um espelho enorme na palma da mão”, lembra. “Isso me mostrou como nós podemos transformar o museu e alcançar novos sentidos dentro dele”.

 

Do lado de fora, nos jardins, o artista Paulo Nazareth traz uma das instalações de seu projeto “Corte Seco”, em homenagem à Maria Beatriz Nascimento: uma escultura de alumínio, de 6 metros de altura, retratando essa que é uma mulher negra, historiadora, poeta, intelectual e ativista.

 

Outra coisa legal por lá é a exposição “Identidade Preta: 20 anos de Feira Preta”, em comemoração ao maior evento de cultura negra da América Latina, realizada pelo Preta Hub, liderado por Adriana Barbosa. A mostra foi montada de modo lúdico com a história de um dos primeiros eventos de valorização da cultura empreendedora negra e periférica de São Paulo.

 

Como ir: localizado no Palácio dos Campos Elíseos, o Museu das Favelas funciona gratuitamente de terça a domingo, das 9 às 17h (com permanência até as 18h). Para visita com grupos de mais de 10 pessoas, é recomendado o agendamento pelo site.

 

Nova Pinacoteca

Parede da memória, de Rosana Paulino (foto divulgação)

Aqui, vale muito a pena ver a mostra “Chão da praça: obras do acervo da Pinacoteca”, com dezenas de obras que fazem parte do acervo da Pinacoteca. Um dos destaques é “Parede da memória”, da artista Rosana Paulino. Feita com patuás em manta acrílica e tecido costurados com linha e algodão, fotocópia sobre papel e aquarela, a intervenção chama a atenção para os antepassados das pessoas negras, e como servem de farol para as novas gerações.

 

O artista Sidney Amaral também tem obras por lá. Em ‘Identidade’, ele fragmenta retratos de pessoas negras para pensar em ancestralidade e memória. Ótimo para pensar no apagamento feito pelo racismo no Brasil e como o país, ainda hoje, lida com seu passado e qual legado deixa para os negros que vivem em seu território hoje.

 

O diretor-geral da Pinacoteca de São Paulo, Jochen Volz, diz que é fundamental que os jovens estejam dentro de instituições culturais, pois nesses espaços a educação se dá de maneira diversificada. “O museu é para todas e todos, inclusive para quem vive nas regiões periféricas. O convite para jovens de escolas públicas estarem dentro dos museus é fundamental para o entendimento de que esse espaço de diálogo e esse contato é um direito de todos”.

 

Na Pinacoteca, atualmente, há as exposições: Pinacoteca Luz: Chico da Silva e o Ateliê do Pirambu; Lenora de Barros: Minha Língua; Pinacoteca Contemporânea: Heague Yang – Quase Coloquial; Chão da Praça: obras do acervo da Pinacoteca.

 

Como ir: Avenida Tiradentes, 273 – Luz, São Paulo – SP, 01101-010. O funcionamento é de quarta a segunda, das 10h às 18h. Ingresso após 04 de abril: Inteira: R$ 10 | Meia: R$ 5.

 

Museu das Culturas Indígenas

 

Entre os destaques, com sua estética na arte urbana contemporânea, a exposição “Invasão Colonial Yvy Opata – A terra vai acabar”, do artista Xadalu Tupã Jekupé, apresenta a demarcação dos deslocamentos territoriais com múltiplas linguagens e o território identitário indígena que está sob ameaça pela sociedade ocidental.

 

A obra do artista denuncia como os territórios originários em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, estão sendo consumidos pelo concreto da cidade. As cercas de arame mostram não apenas a violência da invasão, mas também o estado de segregação étnica em que vive o povo Guarani, e a asfixia do espaço cada vez menor das terras indígenas.

 

Já a exposição “Ygapó: Terra Firme”, do artista e curador Denilson Baniwa, é um convite para adentrar a floresta Amazônica por meio de experiências sensoriais. A mostra apresenta produções contemporâneas, tradicionais, sonoras e visuais de músicos indígenas, proporcionando uma imersão na cultura e na arte indígena.

Ygapó – terra firme, de Denilson Baniwa: convite a um olhar para a floresta Amazônica (foto divulgação)

 

Desde a inauguração, em 29 de junho de 2022, o museu já recebeu mais de 17.400 visitantes. Cecília Brancher de Oliveira, educadora do local diz que o museu atende e prioriza diversos segmentos de público, entre eles comunidades e públicos indígenas, crianças, jovens, grupos escolares, pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade social. “O público jovem em idade escolar é o mais expressivo em relação ao número de visitantes”, indica.

 

Atualmente o museu conta com três exposições temporárias. A exposição coletiva “Ocupação Descoloniza – SP Terra Indígena”, criada e executada por realizadores indígenas, encontra-se nas empenas e muros das áreas externas do museu. As demais são “Ygapó Terra Firme”, do artista e curador Denilson Baniwa, e “Invasão Colonial ‘Ivy Opata’ a terra vai acabar”, com obras do artista Xadalu Tupã Jecupé. Além disso, o museu conta com uma programação mensal de atividades culturais, educativas e formativas para diversos públicos.

 

Como ir: R. Dona Germaine Burchard, 451 – Água Branca, São Paulo – SP, 05002-062 | Os dias de funcionamento são: terça a domingo, das 9h às 18h | Quinta-feira, das 9h às 20h | Ingresso: R$ 15 inteira, R$ 7,50 meia (indígenas não pagam ingresso). Às quintas-feiras, a entrada é grátis.

 

Museu Afro

 

Localizado no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, dentro do famoso Parque Ibirapuera, em São Paulo, com uma área de 11 mil m², o museu abriga um acervo com mais de 8 mil obras, incluindo pinturas, esculturas, gravuras, fotografias, documentos e peças etnológicas, produzidos por artistas brasileiros e estrangeiros, desde o século XVIII até os dias atuais.

C

Colunas, de Jorge dos Anjos

 

O acervo abrange uma ampla gama de aspectos dos universos culturais africanos e afro-brasileiros, explorando temas como religião, trabalho, arte, escravidão, entre outros, documentando a trajetória histórica e as influências africanas na construção da sociedade brasileira.

 

Como ir: Avenida Pedro Alvares Cabral, s/n Parque Ibirapuera – próximo ao Portão 10 | 3ª feira a domingo – das 10h às 17h (permanência até 18h) | Entrada Inteira: R$ 15,00 // Meia Entrada: R$ 7,50 – Grátis às quartas-feiras.

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