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Caminhadas ecológicas promovem observação de aves na Bahia

Atividade de turismo científico é uma oportunidade para aprender e se divertir

Foto: Thaiz Braga

Durante uma atividade de campo na Bahia em 2019, o ornitólogo Rafael Félix e seu orientador no doutorado, Charbel El-Hani, tiveram a ideia de montar uma empresa que promovesse a observação de aves. Eles convidaram outro orientando de El-Hani, Virgilio Machado, aluno de mestrado em ecologia aplicada à gestão ambiental no Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e os dois orientandos fundaram a Macaw Birdwatching. El-Hani virou uma espécie de conselheiro, também interessado no desenvolvimento do projeto como braço de apoio às ações de conservação da biodiversidade e geração de renda para as comunidades pesqueiras do Estuário do rio Itapicuru, no norte do estado.

A Macaw está incubada como empresa no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução (INCT IN-TREE), abrigado na UFBA e coordenado por El-Hani. A empresa oferece atividades em três localidades: oficinas de uma manhã em reservas naturais de Salvador, oficinas que duram desde de manhã cedo até de noite no belo litoral norte do estado e expedições no Estuário do Itapicuru e na Chapada Diamantina, que duram um fim de semana.

Além de lucro, a empresa busca valorizar a relação com as regiões onde atua e o conhecimento tradicional local. “Bebemos, por exemplo, da pesquisa coordenada por Charbel no Estuário do Itapicuru, que identifica o risco de erosão cultural que a entrada de atividades comerciais em territórios provocou e continua provocando”, explicou o sócio Virgilio Machado ao Ciência na Rua. “Entre as nossas medidas preventivas, conservamos os nomes locais das aves, em detrimento dos nomes científicos e dos nomes populares de outros lugares. O Gavião-caranguejeiro [Buteogallus aequinoctialis], por exemplo, é chamado  pelas comunidades de Siribinha e Poças (Conde-BA) de Gacici, e assim passamos para os grupos de clientes que nos acompanham.”

Outro objetivo da empresa é promover consciência ambiental. “Mais que consumir natureza, buscamos proporcionar uma imersão na natureza que contribua para a constituição de atitudes e comportamentos pró-ambientais e engajados na busca por conservação da natureza entre as pessoas que participam das expedições” contou Machado.

Com muita gente fechada em casa pela pandemia, o interesse pela observação de aves aumentou, e as atividades ao ar livre se tornaram uma opção mais segura do que aquelas em ambientes fechados. Essa combinação de fatores talvez venha a aumentar o interesse pelas caminhadas ecológicas da Macaw. Mas, embora a exigência física não seja grande, é preciso disposição. “Em primeiro lugar é preciso dizer aos leitores entusiasmados até aqui que observador de aves acorda cedo (risos)”, alerta Machado.

Sucuruá-grande-de-barriga-amarela (Trogon viridis) – foto: Rafael Félix

“A dinâmica envolve um ornitólogo ou guia experiente de observação de aves, que reconhece um amplo repertório de cantos de aves, para identificar quais estão cantando naquele momento para então atrair com uma pequena caixinha de som os bichos, a partir de cantos gravados, o que requer conhecimento e consciência, porque guias não treinados ou desatentos a questões de conservação e bem-estar dos animais podem impactar ao usar essa técnica. Estamos falando de áreas em que ocorrem centenas de espécies de aves, beija-flores, gaviões, periquitos, tucanos, etc”, conta o empresário. Ele conta ainda que El-Hani está sempre presente e que alguns clientes também são cientistas. “Mas a gente foge da ideia de se criar uma atmosfera formal da ciência porque, afinal, é um momento de diversão. Então ocorre tudo de uma forma espontânea, e as experiências locais se misturam com ciência. Temos um momento fixo de fala de ecologia e conservação, que são as aberturas, e por toda a trilha são passados aspectos da ornitologia que estão diretamente associados à atividade, assim como de outras questões socioambientais.”

Machado define o nicho em que se encontram como turismo de natureza, mais especificamente turismo de observação de aves. Contudo, pela configuração da equipe e pela interação com instituições e profissionais de pesquisa, é possível classificar a atividade sob o guarda-chuva do turismo científico. O turismo científico pode ser definido como aquele em que os visitantes participam da geração e/ou da disseminação do conhecimento científico, realizada por centros de pesquisa e desenvolvimento, conforme explicou ao Ciência na Rua Michel Bregolin, professor da Universidade de Caxias do Sul, membro da Rede Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento sobre Turismo Científico, fundada em 2018. A rede, de acordo com seu site oficial, busca promover pesquisa participativa e ciência cidadã, fortalecer espaços para inclusão social em projetos de pesquisa e melhorar a disseminação de resultados científicos relevantes para áreas turísticas.

Bregolin explica que o turismo científico, um campo de estudos recente, não é compreendido como um segmento ou nicho, mas como uma abordagem de gestão ou desenvolvimento do turismo que pode contribuir para a evolução de muitos segmentos, inclusive de alguns frequentemente associados ao turismo de massa. Essa compreensão, segundo o pesquisador, é uma evolução conceitual em relação a um artigo de 2011 de Pascal Mao e Fabien Bourlon, presidente da rede de pesquisa sobre o tema, que buscava justamente definir o que é o turismo científico.

Um aspecto interessante do artigo de Mao e Bourlon é a divisão que propõe do turismo científico em quatro formas: o turismo de aventura com dimensão científica, o turismo cultural com dimensão científica, o ecovoluntariado científico e o turismo de pesquisa científica. Se essa última é mais específica – e nem sempre os pesquisadores se veem como turistas –, as demais podem estar ao alcance de um público mais amplo. Para além da observação de aves, existe uma enorme variedade de destinos e atividades sob o guarda-chuva do turismo científico, seja com interesse geológico, zoológico, botânico e outros, como mostra reportagem de 2020 da Pesquisa Fapesp.

Bregolin acredita que o turismo científico tinha uma tendência crescente antes da pandemia de covid-19, por alguns aspectos. O primeiro, explica, envolve a emergência de uma economia baseada em conhecimento que valoriza cada vez mais aspectos intangíveis, de produção intelectual e simbólicos, situações bastante presentes quando se consideram os processos de desenvolvimento a partir da ciência e do turismo. O segundo considera o fato do turismo científico envolver relações entre ciência e turismo orientadas por uma produção de conhecimento caracterizada por ênfase importante na valorização de recursos territoriais localizados e diferenciados, criando alternativas de desenvolvimento para locais atualmente situados à margem do sistema econômico. O terceiro, é que o turismo pode ser uma alternativa para financiamento de pesquisas num cenário de fortes restrições para obtenção de recursos. O impacto da pandemia sobre o futuro do turismo científico, porém, ainda não está claro. “Penso que é um processo que ainda estamos vivenciando e que tem muitas possibilidades de evolução, dali o risco de projetar um cenário com maior segurança.”

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