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Se tantos estão “cavando a própria cova”, multidão de jovens age em sentido contrário

Segunda parte de especial traz mais algumas histórias de jovens ambientalistas

Txai Suruí, na COP26 (foto: reprodução / ONU)

Na segunda-feira, 1º de novembro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, usou palavras de alta dramaticidade diante de líderes de mais de 120 nações ao abrir a Reunião de Cúpula que precede as negociações da COP26, a conferência da organização sobre o clima (Conferência das Partes, na sigla em inglês), em Glasgow, Escócia. “É hora de dizer basta. Chega de maltratar a biodiversidade. Chega de nos matarmos com o carbono. Chega de tratar a natureza como lixo. Basta de queimar, perfurar e minar cada vez em maior profundidade. Estamos cavando nossa própria cova”, bradou.

Parecia uma resposta aos apelos dos jovens ativistas ambientais, cuja mobilização vem crescendo exponencialmente, nos últimos anos, em todo o mundo, a ponto de ter colocado líderes adolescentes desse avassalador movimento, como a sueca Greta Thunberg, lado a lado com as maiores autoridades políticas do planeta em fóruns internacionais. Eles, entretanto, a exemplo da própria Thunberg, manifestam ceticismo ante os discursos – querem ações.

É esse anseio por políticas ambientais concretas, visando a resultados efetivos em curto prazo e que comecem a ser implementadas o mais rapidamente possível, que se tornam visíveis nos depoimentos de jovens ativistas de várias partes do mundo recolhidos e publicados pelo jornal britânico The Guardian. Sob licenciamento, o Ciência na Rua publica hoje a segunda parte desses depoimentos.

Vale antes uma referência à delegação de 16 jovens brasileiros, ativistas do Fridays for Future Brasil, braço local do movimento global organizado por Thunberg, que estão em Glasgow para participar de uma série de eventos. Vale também uma referência a Txai Suruí, jovem de 24 anos, índia do povo Paiter Suruí, estudante de direito e fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Roraima. que proferiu um discurso emocionante para os líderes mundiais, em defesa da Terra, dos povos e dos bichos da floresta na abertura da Reunião de Cúpula, enquanto o presidente da república fazia turismo em Roma.

“Meu nome é Txai Suruí, tenho só 24 anos, mas meu povo vive há pelo menos 6 mil anos na Foresta Amazônica. Meu pai, o grande cacique Almir Suruí, me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a Lua, o vento, os animais e as árvores”, ela disse. “Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”, acrescentou. E ao defender a tomada de um outro caminho, com mudanças corajosas e globais, lançou um repto: “Não é em 2030 ou em 2050, é agora!”

O Ciência na Rua voltará aos jovens ativistas brasileiros do clima. Por ora, vamos a seus companheiros de outras partes do mundo:

 

Hilda Flavia Nakabuye, 24, Uganda

“Suas camas podem estar confortáveis ​​por enquanto, mas não por muito tempo”, advertiu Hilda Flavia Nakabuye na Cúpula Mundial de Prefeitos de 2019, em Copenhague. “Vocês logo sentirão o mesmo calor que sentimos todos os dias”, acrescentou. Quando era criança, Nakabuye viu pesadas chuvas, ventos fortes e seca irem gradualmente devastando a fazenda de seus avós. As plantações de mandioca, matoke [espécie de banana] e batata murcharam; o gado morreu e, finalmente, sua família foi obrigada a vender a terra.

Na Universidade de Kampala, ela compreendeu que o sofrimento deles era resultado direto do aquecimento global e, em 2019, fundou a campanha Fridays for Future de Uganda, que tem agora 53 mil jovens associados. Feroz crítica da representação desigual dos países do Sul Global em termos de tomada de decisão, Nakabuye está fazendo uma campanha por igual participação das Pessoas e Áreas Mais Afetadas (Mapa) na COP26, onde, diz, é vital incutir nos líderes mundiais a compreensão de que “espera-se [atualmente] um aumento das emissões globais de cerca de em 16% até 2030, mas precisamos diminuí-las em 50% até 2030.”

“Somos uma geração de pessoas assustadas”, diz ela, “mas somos muito persistentes. E muito unidas.”

Se você pudesse fazer uma mudança …
“Haha, isso soa como um bocado de poder! Dentro de uma hora, eu fecharia todas as indústrias de combustíveis fósseis.”
(por Sarah Donaldson)

Yusuf Baluch, 17, Paquistão

Yusuf Baluch tornou-se um ativista no ano passado, na esteira de um grande incêndio florestal perto de sua cidade natal, Gwadar, no sudoeste do Paquistão, embora diga que a crise climática tem acompanhado sua vida desde a infância. Agora, ele gasta muito de seu tempo organizando as Fridays for Future [Sextas-feiras para o Futuro] e se engajando nas greves em escolas, apesar da ameaça de prisão por parte dos militares do Paquistão. “Desistir não é uma opção”, diz ele. “Eu tenho que lutar.”

Se você pudesse fazer uma mudança …
“Deveria haver clubes e centros de clima por toda a parte, em nível local, para as pessoas serem educadas – para podermos lutar contra isso juntos”.
(por Killian Fox)

 

Vic Barrett, 22, EUA

Vic Barrett não fala polonês. O tatuador que ele encontrou não sabia muito inglês. Mas, durante uma folga na Conferência da ONU de Mudanças Climáticas de 2018, em Katowice, Barrett lhe apresentou seu braço junto com um grosseiro esboço de um desenho geométrico mostrando o número “370”, o sinal de “maior do que” e dois diamantes. “Assim mesmo nos divertimos muito”, diz Barrett, agora aos 22 anos, rindo. “E foi uma viagem especial, parecia certo comemorá-la de alguma forma.”

O número 370 na tatuagem refere-se a uma medição em partes por milhão [ppm] de dióxido de carbono presente na atmosfera: era esse o nível quando Barrett nasceu, em 1999. Agora, ele é mais de 400 ppm, o que a maioria dos cientistas concorda ser um indicador perigoso da mudança climática resultante de ação humana. Barrett fica sério: “A tatuagem é um lembrete para mim mesmo e para os outros de que há gerações de jovens que vêm nascendo em um mundo, sabemos cientificamente, incapaz de sustentá-los”, diz ele. “Ela destaca a experiência única de ser uma pessoa jovem no planeta neste exato momento.”

O despertar de Barrett para a emergência climática aconteceu em 2012, quando o furacão Sandy devastou a costa leste da América do Norte. Estava morando em Nova York e, embora os danos tenham sido generalizados – cerca de 650.000 casas foram destruídas; 8,5 milhões de pessoas ficaram sem energia –, ele percebeu que a devastação foi especialmente severa para as pessoas de baixa e média renda, cujas casas tinham maior probabilidade de serem construídas em áreas sujeitas a inundações e menor probabilidade de terem seguro. Aos 14 anos, Barrett, que tem ascendência negra e indígena hondurenha, começou a trabalhar com a organização sem fins lucrativos Global Kids e mergulhou fundo no “racismo ambiental”.

Em 2015, Barrett foi um dos 21 jovens de um grupo que processou o governo dos Estados Unidos por violar seus direitos na quinta e na nona emendas da constituição, pelo estímulo ao uso de combustíveis fósseis desde os anos 1960. O processo “Juliana versus Estados Unidos” está nos tribunais já há um quarto dos anos de vida de Barrett e continua a fazer barulho. Boa parte dos últimos seis anos para ele foi claramente emocionante: falando na ONU, confraternizando com Greta Thunberg, tornando-se uma voz poderosa do ativismo jovem. Mas Barrett espera que a próxima geração não tenha que seguir seu caminho.
“Eu não quero muito que meus filhos tenham que processar o governo federal dos EUA ou ser ativistas ambientais na escola para falar na ONU”, diz. “Tenho certeza de que seria incrível para eles, mas não quero que tenham que lutar da forma como nós fizemos.”

Quem é o seu herói do clima?
“Berta Cáceres. Ela é uma hondurenha protetora da água que acabou sendo morta por lutar contra uma barragem que prejudicaria os indígenas de sua comunidade”.

E seu vilão do clima?
“Políticos hipócritas. Agora, nos Estados Unidos, temos um governo que afirma ter valores mais progressistas, mas, por exemplo, ainda há oleodutos sendo construídos através de territórios objeto de tratados indígenas.”

Se você tivesse o poder de fazer uma mudança para ajudar a resolver a crise climática, qual seria?
“Quero ver uma versão melhor do processo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). No momento, tudo se resume a negociadores contratados de diferentes países, cujo único trabalho é negociar. Eu gostaria de ver mais líderes indígenas incluídos, mais líderes negros incluídos, mais líderes do sul global incluídos.”

Como você relaxa?
“Gosto de andar de caiaque, sair com os amigos, ir às vezes ao bar, jogar videogame. Coisa normal de moleque.”
(por TL)

 

José Adolfo Quisocala, 16, Peru

Quando tinha sete anos, José Adolfo Quisocala criou um banco para amigos da escola em sua cidade natal, Arequipa, no Peru, destinado a poupar dinheiro para comprar livros, material escolar e uniformes. Agora, nove anos depois, o Bartselana Student Bank tem 6.700 clientes, todos com menos de 18 anos. Além de poupar, as crianças podem ganhar dinheiro levando plástico e papel para reciclagem para os locais de descarte na escola – o dinheiro é automaticamente creditado em suas contas bancárias. Todos os meses, o banco recicla entre 15 e 16 toneladas de papel e plástico por meio de empresas locais.

A ideia surgiu para Quisocala quando viu crianças mendigando nos semáforos e se perguntou como poderia ajudar tanto elas como suas famílias a ganhar dinheiro e poupar, e também reciclar os resíduos domésticos que de outra forma virariam apenas lixo ou iria para aterros sanitários. Ele faltou à escola para ir atrás de sua ideia, mas valeu a pena, diz. “Na minha cidade, fomos capazes de reduzir consideravelmente o nível de pobreza infantil, a taxa de abandono escolar e a poluição ambiental.”

Quisocala também ajudou a criar a Fundação Bartselana, que converte as doações de material reciclável de empresas locais em fundos para combater a fome infantil e melhorar a educação. Desde o início da pandemia, a fundação vem produzindo vídeos educacionais gratuitos – explicando, por exemplo, como distinguir diferentes tipos de plástico e papel para reciclagem – que divulga nas redes sociais. “São informações tão importantes e relevantes que não são ensinadas na escola que tivemos que torná-las públicas e gratuitas”, diz Quisocala.

Agora, aos 16 anos, ele planeja entregar a administração do banco a um novo (também jovem) CEO para ir à universidade. Pretende continuar seu ativismo social, trabalhando com os “grupos menos favorecidos ou esquecidos da América Latina” e ajudando-os a lucrar realizando serviços ambientais.

Se você pudesse fazer uma mudança…
“Eu ensinaria às crianças, aos jovens, adultos e cidadãos idosos o que nos espera no futuro se continuarmos a viver como vivemos agora. O clima desempenha um papel em todos os aspectos de nossas vidas; nosso dinheiro, nossa saúde, agricultura, nossa flora e fauna. Com educação, as pessoas podem dar pequenos passos para melhorar a relação entre os humanos e a natureza.”
(por Dan Collyns)

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