Marcos Pivetta, Pesquisa Fapesp
Emissão de partículas de aerossóis, que pioram a qualidade do ar e afetam a saúde, reduz um terço do aquecimento do planeta
Depois das emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), a produção de aerossóis, que são pequenas partículas em suspensão na atmosfera, é a maior influência das atividades humanas sobre o clima global. Desde o período pré-industrial, em meados do século XIX, a temperatura média da superfície terrestre aumentou cerca de 1,1 grau Celsius (°C), de acordo com o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em agosto deste ano. Essa elevação teria sido maior, de cerca de 1,6 °C, se não houvesse os aerossóis, em especial os liberados por processos promovidos pelo homem, que são uma forma de poluição atmosférica.
Em outras palavras, os aerossóis – termo técnico que abrange um conjunto amplo de partículas que ficam em suspensão na atmosfera, de diferentes tamanhos e composição, de origem natural ou antropogênica, produzidas por atividades humanas – reduziram em 0,5 °C o aquecimento provocado pelos gases de efeito estufa. “Os aerossóis mascaram um terço do aquecimento global que já ocorreu”, diz o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores do relatório do IPCC e estudioso do papel dos aerossóis sobre a dinâmica do clima.
Na definição adotada pelo IPCC, os aerossóis são partículas em suspensão com diâmetros da ordem de poucos nanômetros a alguns micrômetros. Em razão de suas propriedades e composição, a meia-vida dessas partículas varia de alguns dias a semanas na troposfera, a região atmosférica mais perto da superfície terrestre. É um efeito de curto prazo no clima, sobretudo quando comparado aos milhares de anos de duração do CO2 na atmosfera. Mas sua influência pode transcender o impacto climático apenas local.
Os aerossóis alteram o balanço enérgico do planeta de duas formas. Influenciam a temperatura da atmosfera ao espalhar ou absorver em diferentes graus a radiação solar que chega ao planeta e interagem no processo de formação de nuvens e, por consequência, das chuvas, um mecanismo climático intrincado, ainda não totalmente compreendido pela ciência. “Os aerossóis são a base dos núcleos de condensação que formam as nuvens e a chuva”, explica Artaxo, membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Aumentar deliberadamente a produção dessas partículas em suspensão na atmosfera seria uma forma de combater o aquecimento global se não fosse por um detalhe que torna essa ideia turva: os aerossóis produzidos pelas atividades industriais e agrícolas pioram a qualidade do ar e estão associados a uma série de doenças e aumento de mortalidade (ver reportagem). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os poluentes atmosféricos urbanos são responsáveis por cerca de 7 milhões de pessoas mortas por ano. Há ainda outro empecilho que inviabiliza a adoção dessa estratégia. Os processos típicos da civilização humana que estimulam a produção de aerossóis antropogênicos são os mesmos que mais emitem gases de efeito estufa. Não é por acaso que o efeito de resfriamento dos aerossóis é mais proeminente no hemisfério Norte, mais industrializado (e poluído) do que o Sul, e nas áreas urbanas de uma forma em geral.
Estudo de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR), nos Estados Unidos, publicado em julho deste ano no periódico Geophysical Research Letters, indica que a fumaça dos grandes incêndios florestais ocorridos na Austrália entre o fim de 2019 e o início de 2020 foi o fator mais importante que influenciou o clima no ano passado. “A principal força climática de 2020 não foi a pandemia de Covid-19”, disse, em material de divulgação do estudo, o climatologista John Fasullo, do NCAR, principal autor do artigo. “Foi a explosão de incêndios florestais na Austrália.”
A queima da vegetação na Oceania liberou aerossóis que aumentaram o brilho das nuvens, sobretudo no fim de 2019. Essa alteração aumenta a reflexão da luz solar de volta ao espaço. O resultado, segundo o estudo, foi que a pluma de partículas provenientes dos incêndios da Austrália teria resfriado o clima global em 0,06 °C em 2020. O efeito da pandemia de Covid-19, que reduziu a atividade industrial do planeta e a emissão de gases de efeito estufa, também vai na direção da redução do aquecimento.
A maioria dos aerossóis, de origem natural ou liberados por atividades humanas, esfria o clima porque espalha e reflete os raios solares que, sem sua presença, chegariam com maior intensidade à Terra. Na natureza, as cinzas de erupções vulcânicas, o sal marinho e os grãos de areia de desertos podem atuar como aerossóis capazes de resfriar o clima. Mas, segundo dados do IPCC, a maior parte do efeito resfriador provém de partículas em suspensão produzidas ou associadas a atividades humanas, como as emitidas por veículos ou na queima de combustíveis fósseis.
A queima de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, que libera dióxido de carbono, principal gás de efeito estufa, também emite dióxido de enxofre (SO2), gás que é um dos precursores dos aerossóis de sulfato. Entre 2010 e 2019, essa classe de partículas em suspensão, sozinha, foi a que mais contribuiu para reduzir o aquecimento global, segundo relatório do IPCC. Aerossóis de nitrato também promovem algum resfriamento do clima, mas em menor escala. Esse tipo de partícula em suspensão é gerado pelo smog urbano, o nevoeiro de poluição presente nas grandes cidades, ou deriva da amônia, composto presente em fertilizantes agrícolas.
Uma minoria dos aerossóis, no entanto, absorve a luz solar e esquenta a atmosfera. O chamado carbono negro, a popular fumaça preta ou fuligem que sai dos escapamentos de automóveis e das chaminés de fábricas, é o mais importante tipo de material particulado em suspensão que, além de poluir o ar, eleva a temperatura da atmosfera. Ele é produzido pela queima incompleta de combustíveis fósseis e de biomassa. Em vez de refletir os raios solares como os aerossóis de cor clara, o carbono negro os absorve e aquece o ar. “Nos últimos dois anos, temos observado um aumento na cidade de São Paulo da fumaça oriunda das queimadas no Pantanal e da Amazônia”, comenta o físico Eduardo Landulfo, coordenador do laboratório de aplicações ambientais de laser do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).
Há 20 anos, o Ipen mantém um radar que acompanha a evolução da poluição atmosférica, como os aerossóis, por meio do emprego da tecnologia de Lidar, que usa o laser para medir distâncias. Landulfo comanda a operação do radar, que faz parte da Latin American Lidar Network (Lalinet), e é um dos principais pesquisadores de um projeto financiado pela Fapesp para estudar a qualidade do ar e do clima na região metropolitana da capital paulista. Em agosto de 2019, dados do radar e de observações feitas por satélites da agência espacial norte-americana (Nasa) foram usados para estudar uma grande pluma de material particulado proveniente de queimadas no Centro-Oeste que escureceu por uma tarde a Grande São Paulo e tingiu de negro a forte chuva que caiu sobre a região.
Um tipo de partícula em suspensão que começa a ganhar mais atenção da ciência são os chamados bioaerossóis ou aerossóis de origem biológica. Liberados pelos ecossistemas terrestres e marinhos, os bioaerossóis são principalmente bactérias, grãos de pólen, esporos de fungos, algas, partes de vegetais e animais, além dos vírus. Algumas dessas partículas podem liberar toxinas ou serem patológicas aos seres humanos. O vírus Sars-CoV-2 da Covid-19, por exemplo, pode ser encontrado em aerossóis. “A influência dos aerossóis biológicos sobre o clima global ainda é pouco conhecida”, comenta o biólogo Fábio Luiz Teixeira Gonçalves, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Com doutorado em meteorologia, Gonçalves coordena um projeto, com financiamento da Fapesp, que pesquisa a influência de aerossóis com a bactéria Pseudomonas syringae, patógeno de vários cultivos agrícolas, na formação de chuva e núcleos de gelo nas nuvens entre o sul de Minas Gerais e o oeste do Paraná. “Esses aerossóis biológicos são importantes para a ocorrência de chuvas de granizo, que afetam negativamente a agricultura, além de impactar as geadas”, explica o biólogo.