Ciência na Rua promove no dia 30 o segundo webinar da série “Novos estudos para decifrar o Brasil contemporâneo”
“Os novos jagunços e o ideal da pátria cristã” será o tema do segundo webinar da série “Novos estudos para decifrar o Brasil contemporâneo”, organizada pelo Instituto Ciência na Rua, que acontece na quinta-feira, 30 de setembro, das 11 horas ao meio-dia e meia. O título desse evento é diretamente inspirado por um artigo de grande repercussão acadêmica de um dos palestrantes do evento, o sociólogo Gabriel Feltran, isto é, “Formas elementares da vida política: sobre o movimento totalitário no Brasil (2013- )”, publicado no ano passado.
Junto com Feltran, vai debater o assunto, que mira entre seus principais alvos o projeto do governo Bolsonaro, suas promessas de “limpar” o Brasil de bandidos e corruptos e as relações entre política, religião e periferias, a socióloga Christina Vital, autora entre outros trabalhos, junto com Paulo Victor Leite, de Religião e política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil, livro de 2013.
Os dois palestrantes, ele, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e ela, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), têm se dedicado há longos anos a uma compreensão sociológica profunda das periferias das duas maiores cidades brasileiras, respectivamente São Paulo e Rio de Janeiro. Os processos políticos que se desdobram no Brasil a partir de 2013 e a resposta, para muitos surpreendente, que produzem em populações mais pobres passam, então, a ser examinados por eles a partir dessa consistente bagagem.
Curiosidade: vale notar que é do jornalista e escritor Antonio Prata, em “#minhaarmaminhasregras”, e não de um dos seus pares da sociologia, que Gabriel Feltran toma e reelabora o conceito contemporâneo de jagunços, no esforço por entender o que se passa no Brasil hoje, como deixa explícito no referido artigo em meio a outros pontos instigantes.
“Nas etnografias recentes nas periferias, verifica-se que o movimento totalitário que impulsiona o Messias, nome muito utilizado nas suas redes de propaganda, coloca em ação uma outra promessa redentora: limpar a cidade dos bandidos e o Brasil dos corruptos, equacionando o conflito social brasileiro através da eliminação das diferenças. A ideia de limpeza é fundamental, com toda a carga simbólica que ela traz, para quem foi considerado sujo a vida toda.”, diz ele.
E complementa na sequência: “Há ainda emancipação no projeto. Quem se emancipa são os jagunços frente aos coronéis, como Antonio Prata descreveu de modo acurado. O povão assujeitado por jagunços e elites não é, nesse projeto, sujeito de nada. Ele deve assistir à mudança e ser redimido, ao final da guerra “revolucionária” hoje em andamento, mantendo-se confiante e calmo. O povo apenas teria a oportunidade de viver essa comunidade redimida, chamada de “pátria cristã” nessas redes, ponto de chegada das transformações em andamento. Há uma teologia, portanto, que orienta essa teleologia política.”
E como se entretece a teologia, com a teleologia política, com a rede do tráfico e das milícias, é terreno pelo qual adentra Christina Vital com suas lentes em aproximação crescente, desde a pesquisa que resultou no livro Oração de traficante: uma etnografia, de 2015. Diz ela, em entrevista de janeiro deste ano: “Parece contraditório afirmar, mas os casos não nos deixam mentir: a religião, seus códigos, imagens e repertórios constituem hoje um símbolo de dominação de alguns grupos armados nos territórios”.
Ela detalha mais: “Ou seja, não se trata de pensarmos esta relação, esta aproximação entre criminosos e redes e códigos evangélicos a partir da ótica da conversão, de uma transformação da vida do indivíduo, mas de uma composição específica que envolve expectativas de transformação, apelos morais, conexão com narrativas locais e uso de uma religião como ícone de dominação. Como se os outdoors com inscrições como “Jesus é do dono deste lugar” em Acari falassem sobre o domínio do tráfico naquela localidade e não, necessária e exclusivamente, sobre a condição ética e moral local, sobre um domínio dos evangélicos”.
Será, portanto, com visões assim iluminadoras que o webinar da próxima quinta-feira do Instituto Ciência na Rua debaterá o projeto Bolsonaro. Participará do debate, na bancada jornalística, também um conhecedor profundo das periferias paulistanas, o jornalista Lucas Veloso. Ele acumula passagens por portais como Alma Preta e Agência Mural, e hoje é editor do Expresso na Perifa, veículo para cobrir as periferias brasileiras no Estadão, além de videorrepórter na TV Cultura.