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O forró da vacinação chegará em breve
Música

por | 23 jun 2021

Parceria de Margareth Menezes com Del Feliz deverá ser lançada nos próximos dias

Foto: divulgação

Há poucos dias, para marcar, como de hábito, sua presença nos agitos das festas juninas tão importantes na cultura popular do Nordeste brasileiro, Margareth Menezes gravou um forró contagiante – dessa vez, incentiva seu vasto público a se vacinar contra a covid-19, lembrando a extensa lista de doenças que a humanidade hoje controla graças às vacinas. Trouxe, assim, um assunto crucial de saúde pública e de divulgação científica, neste momento, ao cenário cultural concreto e ao espírito musical dessa época entre largas fatias de nossa população.

“É um pouco na tradição de Luiz Gonzaga, de Dominguinhos e outros grandes compositores populares que tomamos alguma coisa do cotidiano e de uma forma lírica, poética, questionamos o que estamos vivendo”, disse ela ao Ciência na rua, depois de contar como chegou ao refrão e à melodia e os apresentou a Del Feliz para desenvolverem a composição em parceria. O animado forró, que possivelmente ajudará a campanha de vacinação na Bahia, ainda está em fase de registro legal, razão por que não é possível disponibilizá-lo aqui.

Nada há a estranhar nessa disposição de Margareth Menezes, 58 anos, para intervir na cena pública, ou melhor, na cena política lato sensu, com a extraordinária potência e musicalidade de sua voz e com a vigorosa beleza de sua presença física, incluída a plasticidade dos gestos. A cantora e compositora baiana tem compromisso de longa data com as lutas de afirmação da cultura negra e com iniciativas de apoio e suporte destinadas a revelar e ampliar a disseminação de novas expressões da música popular em Salvador.

Para quem não a conhece ou conhece pouco, basta lembrar que Margareth Menezes foi a primeira pessoa a gravar, em 1987, a música Faraó, divindade do Egito, do Olodum, considerada um marco, um verdadeiro ponto de virada, na trajetória dos blocos afros do carnaval da Bahia. E isso porque, com essa composição de letra complicadíssima, se saía da louvação às tradições da África da costa oeste e inventava-se algo inteiramente diverso, mais distante e mais ligado às memórias de resistência ativa do povo negro. Como proposto por Denise Ferreira da Silva, conforme citação de Tessa Lacerda, Faraó põe em cena, na voz potente de Margareth Menezes, “essa ancestralidade guerreira” que absolutamente nada tem a ver com o Axé que dominava e domina em larga escala o carnaval baiano. E, claro, como não podia deixar de ser em se tratando da Bahia, Faraó inaugura uma nova estrada musical.

Para observar Margareth Menezes, diz Solange Moura, professora de arte-educação do Instituto Federal da Bahia, que examina a largueza das noções de África e cultura contida em sua música, vale o exemplo também, muitos feitos mais tarde, da iniciativa de criação do Mercado Iaô e da Fábrica Cultural, um grande espaço de cultura e artesanato na Ribeira, bairro antigo da Cidade Baixa, que abrigou nos últimos anos antes da pandemia shows memoráveis de velhos e novos talentos musicais e tornou-se grande referência cultural da capital baiana, reunindo diversas modalidades de arte: música, artesanato, poesia, dança, teatro, gastronomia, moda, com oficinas, palestras e apresentações. Fundado em 2014, o espaço foi palco de grandes shows e encenações teatrais, e recebia em média 5 mil pessoas a cada domingo de atividade, com cerca de 300 artesãos, que trabalham de forma sustentável, expondo e vendendo seus trabalhos. O público lotou o centro cultural mais uma vez para ver Margareth no show de lançamento do álbum Autêntica em 2019.

Foto: Daniel Torres / divulgação

De volta à fala da própria Margareth, ela lembra que Del Feliz é personagem importante dos agitos do São João, em diferentes cidades onde a festa é grande, como Caruaru, em Pernambuco, por exemplo. “Já participei várias vezes do forró de Caruaru e quando faço show nessa época encontro com artistas de várias linhas”, diz. Dentro dessa tradição, mas estando pelo segundo ano num cenário dramático de pandemia, há duas semanas Del a convidou para fazer um vídeo. “Quando terminamos de falar, eu peguei um xote que fiz alguns anos atrás, tomei o refrão e fiz a melodia. Aí enviei para ele e finalizamos em parceria”. No começo desta semana, gravaram.

Seu entendimento é o de que “nesse momento em que estamos, na situação em que estamos”, todo esforço vale para acelerar a vacinação e imunizar a maior parte dos 217 milhões de brasileiros. “Fui refletindo sobre as tantas outras pandemias e epidemias já contidas pela humanidade e pensei que precisava juntar minha voz para ajudar a dizer que não pode estar o mundo inteiro errado e uns tantos irresponsáveis no Brasil, certos”. Margareth fala de seu respeito à ciência, aos que dedicam tantos anos de vida ao esforço de ampliar o conhecimento, para completar com seu repúdio às atitudes de negação. “É muito burra essa atitude, como tantos podem entrar num jogo besta desses, enquanto estamos perdendo tanta gente, vendo famílias inteiras sendo destruídas?”

Ela acredita que todos têm direito a votar em quem quiser, “a opção de voto é livre, mas há uma determinada hora em que já não se trata de visão política, mas de consciência humana; do entendimento de que é preciso união para enfrentar uma tragédia”. Por isso, está nessa empreitada de somar forças.

Falar de Margareth Menezes e seu forró pela vacinação, curiosamente traz à memória, em paralelo ao funk do Butantan, do MC Fioti, a distante marchinha da vacinação contra a meningite. Não foi iniciativa de nenhum artista, mas a saída da ditadura (1964-1985) quando, depois de negar por muitos meses e proibir todos os meios de comunicação de noticiarem a pandemia de meningite em curso no país, que começava a matar crianças e adultos em velocidade assustadora, foi obrigado a promover uma vacinação em larga escala contra a doença. A voz de Ellen de Lima e sua presença num périplo por várias capitais eram a ferramenta para convencer parte considerável da população a correr para se proteger da doença tão negada. Ou seja, a crise sanitária se enfrenta também com música. A ciência e a saúde pública estão imersas na cultura.

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