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Amazonas: hidrelétrica de Balbina está matando florestas inundáveis
Meio ambiente

por | 4 maio 2021

Evanildo da SIlveira

Floresta morta (paliteiro) de igapó formada por Eschweilera tenuifolia (nome popular: macacarecui ou cueira), cerca 105 km a jusante da barragem de Balbina, em 2015 (Foto: J. Schöngart)

Inaugurada em 1989, a Hidrelétrica de Balbina, localizada no Rio Uatumã, no munícipio de Presidente Figueiredo, no nordeste do Estado do Amazonas, vem desde então matando a floresta ao longo de 125 km abaixo de sua barragem – sem falar nos estragos causados pelo seu reservatório, acima, de 2,6 mil quilômetros quadrados. Agora, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) deram contornos científicos a um dos maiores desastres socioambientais do país. Eles descobriram o que chamaram de efeito sanduiche”, em que o “recheio”, os igapó (floresta inundáveis), sofre pressão de cima e de baixo e está morrendo.

Os danos da construção e operação da hidrelétrica vão muito além do causados pelo reservatório e pela barragem. O seu lago afogou florestas de igapó e de terra firme. Apenas os planaltos em altitudes mais elevadas permaneceram, formando uma paisagem fragmentada de mais de 3.500 ilhas isoladas em um cemitério de milhões de árvores mortas, conhecidos como “paliteiros”. Além disso, expulsou moradores tradicionais do local, incluindo os índios Waimiri-Atroari, que tiveram que se mudar para outras regiões.

Com uma capacidade instalada prevista de 275 MW, Balbina foi construída para abastecer Manaus, mas nunca atingiu essa meta. A cidade hoje consome dez vezes mais energia do que a hidrelétrica produz. Para piorar, gerou ao longo dos anos grande volume de gases de efeito estufa, como o metano. De acordo com o relatório “Emissões de Dióxido de Carbono e de Metano pelos Reservatórios Hidrelétricos Brasileiros“ do Ministério da Ciência e da Tecnologia, de 2006, a usina é uma das três, junto com Samuel (RO) e Três Marias (MG), com emissões maiores que termelétricas de mesmo potencial.

O objetivo principal do trabalho, coordenado pelo cientista florestal, Jochen Schongart, do Inpa, foi fazer uma síntese de mais de 10 anos de estudos sobre distúrbios encontrados nas florestas de igapó abaixo da barragem de Balbina. “Em 2009, observamos pela primeira vez os paliteiros na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã (RDSU), que tem 4.244 quilômetros quadrados”, conta. “Isso resultou na formulação da nossa hipótese principal, de que alterações hidrológicas foram causadas pela operação da usina, e nos primeiros estudos em busca de evidências para confirmá-la ou não.”

Em 2013, o grupo de pesquisa Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas (MAUA), do Inpa, coordenado pela bióloga Maria Teresa Fernandez Piedade, deu início a projetos no âmbito do Experimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) e da Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD). As pesquisas foram financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). Os estudos visavam a realizar uma abordagem sistemática e ampliar a pesquisa, investigando diferentes componentes da floresta (plântulas, árvores), do nível da espécie de árvore até o de escala de paisagem.

Floresta secundária de igapó, formada por espécies arbóreas como a palmeira Astrocaryum jauarí (nome popular: jauarí) – Foto: J. Schöngart

Os pesquisadores compararam os igapós do Rio Uatumã impactados pela usina com os intactos de um afluente seu, o Rio Abacate. “Para estudar os diversos impactos, combinamos diferentes métodos, analisando e comparando séries históricas de dados hidrológicos (disponibilizados pela Agência Nacional de Águas – ANA) do regime natural do Uatumã (antes da construção da usina hidrelétrica) com o período durante a operação da barragem, corroborando nossa hipótese principal”, explica Schongart.

De acordo com ele, muito tempo de monitoramento é necessário, no entanto, para detectar as mudanças induzidas no igapó pelas alterações do regime hidrológico, pois esse ecossistema possui uma dinâmica lenta e o processo da mortalidade de árvores adaptadas às inundações sazonais pode se estender por vários anos. Para encurtar este tempo de estudo, os pesquisadores voltaram ao passado, quando começou a instalação da barragem de Balbina na década de 1980, procurando evidências desses impactos em séries históricas de imagens de satélite.

Além disso, o grupo usou informações que as árvores armazenam no seus troncos, em forma de anéis de crescimento, que podem ser associados aos anos-calendários do passado, por meio de datação de radiocarbono e dendrocronologia. “Isso possibilita estimar quando uma árvore morreu ou se estabeleceu na floresta e relacionar esses dados com os diferentes distúrbios detectados”, explica Schongart.

Entre as principais conclusões do trabalho está a de que o barramento do rio, durante o enchimento do reservatório até o início de 1989, resultou em condições de extrema seca nos igapós abaixo da barragem. “Árvores das florestas alagáveis começaram morrer por causa de falta de água”, revela o pesquisador do Inpa. “Além disso, possivelmente incêndios as afetaram nesse período, em que as condições secas geradas foram potencializadas por eventos de El Niño (1982/1983 e 1986-1988), que tendem a aumentar a temperatura do ar e diminuir a precipitação e umidade relativa do ar na região.”

Os pesquisadores também verificaram que depois que operação de Balbina começou, os níveis máximos de inundação diminuíram, enquanto os mínimos aumentaram. “Isso é uma consequência do modo operacional da usina, que tem a tendência de liberar mais ou menos constantemente água do reservatório para a geração de energia”, explica Schongart. “As principais alterações hidrológicas detectadas geram o ‘efeito sanduiche’, que se estende até 125 km abaixo da barragem.”

Nesse “sanduíche”, o “recheio”, a floresta de igapó, sofre pressão de cima e de baixo, resultando em perda de habitats, diversidade de árvores (com impactos nas cadeias tróficas) e de importantes serviços ecossistêmicos, que ao final alcançam o ser humano. “Nas topografias baixas, as árvores começaram a morrer por causa das inundações quase permanentes, que ultrapassam as capacidades dessas espécies de tolerar inundação, pois elas desenvolveram adaptações para enchentes sazonais”, diz Schongart.

Nas topografias de cima, as florestas de igapós não são mais inundadas por causa da diminuição dos níveis máximos. Em consequência os pesquisadores registraram a invasão de espécies arbóreas da terra firme, que possivelmente são mais competitivas do que as espécies de igapó. Segundo os pesquisadores, aproximadamente 12% das florestas de igapó já morreram e outras estão ameaçadas se o modo operacional continua a alterar o regime hidrológico.

O artigo “The shadow of the Balbina dam: A synthesis of over 35 years of downstream impacts on floodplain forests in Central Amazonia“, resultante do estudo, foi publicado na revista Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems.

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