Jovem conta que foi a algumas festas clandestinas, admite erro, mas critica o combate à pandemia
Acompanhar a evolução da covid-19 no Brasil exige alternar todo o tempo o olhar entre os terríveis dados da pandemia, a política do governo federal que aprofunda, dia após dia, a escuridão em que o país submerge sob o comando da insanidade instalada na presidência da república, os comportamentos sociais adotados ante a doença e as notícias do campo da ciência propriamente – que ora ampliam expectativas positivas, ora apreensões generalizadas.
Talvez o trecho desse texto a provocar maior curiosidade seja o que se relaciona ao terceiro campo de atração do olhar, o dos comportamentos. Porque com certeza não são poucos os que se perguntam por que jovens e não tão jovens, ainda que saibam dos riscos mortais das aglomerações – quando somente o distanciamento físico e a vacinação acelerada em larga escala são instrumentos reais para deter a pandemia de covid-19 –, frequentam festas clandestinas.
Na falta de resultados de um estudo científico que ofereça pistas reais para responder de forma ampla a essa pergunta, por enquanto fomos buscar, com a intermediação preciosa do jovem jornalistas Lucas Veloso, da Agência Mural de Jornalismo das Periferias, o depoimento franco de uma personagem representativa de um segmento que interessa muito de perto ao Ciência na rua. Em certo momento, ele diz: “Eu sei que é grave [frequentar festas], mas parece que nada foi pensado para evitar a morte da gente, já que está tudo lotado”.
Mas, antes de apresentar todas as respostas do jovem entrevistado às quatro perguntas que fizemos, vale centrar um pouco o relato no quarto campo de atração do olhar, ou seja, o das notícias de ciência. E, entre as principais constatações científicas, no país, relativas à covid-19 noticiadas na última semana está o estudo genômico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre uma provável nova cepa do Sars-CoV-2 em circulação na região metropolitana de Belo Horizonte.
Essa variante apresentou uma combinação de 18 mutações do vírus até então não descritas e, quanto à velocidade de transmissão, os dados ainda são indeterminados. De qualquer sorte, esse estudo reforça as preocupações quanto à possibilidade de o país, dados o imenso número de pessoas contaminadas, a insuficiência de ritmo da vacinação e as taxas baixas de distanciamento social, funcionar como um eficientíssimo laboratório de desenvolvimento de novas variantes do Sars-Cov-2. As mutações, com consequente aumento de eficácia de contaminação, são da natureza do vírus, se encontram condições adequadas para se multiplicar.
É justo incluir também nesse inventário o artigo científico final da fase 3 dos estudos clínicos da CoronaVac, anunciado no domingo, 11 de abril, e já enviado para publicação pelo Instituto Butantan à revista científica britânica The Lancet. Ele permitiu constatar, por exemplo, que um intervalo maior que os 21 dias originalmente recomendados entre as aplicações da primeira e da segunda doses da vacina, idealmente, 28 dias, amplia sua eficácia para 62,3%, ante a eficácia primária de 50.7%.
Já no front internacional, chamou a atenção um artigo nada tranquilizador indicando que cerca de um terço dos sobreviventes da covid-19 vai apresentar problemas neurológicos ou psiquiátricos nos seis meses seguintes.
Ao tratar desse estudo em sua coluna do fim de semana no Estadão, o biólogo Fernando Reinach começou por observar que “O Sars-CoV-2 mata entre 0,5% e 1% das pessoas que infecta. No Brasil já matou quase 350 mil pessoas, o que significa que já infectou entre 35 milhões e 70 milhões (13,2 milhões foram diagnosticados)”. Segue observando que, se o número de mortos é inaceitável, “o futuro dos que sobreviveram é ainda desafiador. Um estudo publicado nesta semana demonstrou que 33% dos sobreviventes da covid-19 são diagnosticados com doenças neurológicas e psiquiátricas nos seis meses seguintes”. E observa ainda: “Caso esse estudo, feito com 236.379 pessoas que se curaram da covid nos EUA, seja representativo do que está ocorrendo no Brasil, por volta de 10 milhões de brasileiros já estão fadados a serem diagnosticados com doenças neurológicas e psiquiátricas nos próximos meses.
No primeiro e no segundo campos no quais nosso olhar necessariamente se detém para acompanhar a evolução da pandemia, observemos, primeiro, que os dados citados por Reinach já foram superados. Na manhã desta quarta-feira, 14 de abril, eram 358.718 os brasileiros e brasileiras mortas por covid, e os casos diagnosticados aproximavam-se de 13,7 milhões. E quanto à política, é para a CPI da covid, ou CPI do genocídio como tantos já a chamam, instalada no senado na terça-feira, 13, que todas as atenções se voltam agora. Quem sabe, a partir dali algo se movimente no sentido da restauração de alguma sanidade no país em meio à tragédia múltipla.
As razões de Leandro
É mais que tempo de ceder a palavra a Leandro do Santos, branco, 23 anos, auxiliar administrativo, morador do bairro de Itaquera, na Zona Leste de São Paulo. Seguem então as perguntas feitas e as respostas dele:
Por que organizar ou frequentar uma festa clandestina em meio a uma pandemia avassaladora?
– Eu fui algumas vezes só, mas é pelo cansaço da vida mesmo, pra distrair e ver os amigos. Trabalho de segunda a sábado e onde vou é tudo lotado, ônibus, trens e tal, aí quando saí foi pra uma coisa curta, usando máscara na rua e tentando ficar distante dos outros. Não estou dizendo que estou certo, mas acho que eu podia trabalhar de casa, né? Os ônibus podiam estar mais vazios e tal pra evitar a contaminação. Eu sei que é grave, mas parece que nada foi pensado para evitar a morte da gente, já que está tudo lotado. Eu pego trem na estação da Luz, lá pras 19h. É todo dia cheio de gente. Quem está olhando pela gente?
O que você ganha com isso (ir a festas)?
– É distração mesmo, mano. Só isso. Todo mundo tá fazendo também, né. Acho que a gente tá errado… tá, mas não é só a gente. Tem gente que pode se isolar, é rica, e tá nem aí.
Não tem medo de se infectar, adoecer gravemente, não encontrar uma vaga em hospital e, mesmo que a encontre, morrer?
– Medo vem e passa, na real, quando chego no lugar. Eu confio nos meus amigos e tal. Todo mundo tá tomando os cuidados, com álcool em gel, naquelas. Pode acontecer a doença, mas acho que sou jovem, né. Mesmo assim, estou tomando os cuidados. Uma coisa é que os hospitais daqui são bem ruins já, agora que está morrendo mais gente, está todo mundo de olho, mas sempre foi ruim o atendimento. Vários vizinhos e parentes já dependeram de consulta e atendimentos e esperaram um tempão. Então tem isso também. Não é ruim de agora, sempre foi assim.
Não se sente responsável pela possibilidade de contaminar parentes e amigos?
– Eu acho que pode haver, mas na real, não penso muito nisso não. Tá todo mundo saindo também. Ninguém aguenta mais essa situação, e aqui é tenso. Casa pequena, sem grana, o que resta pra gente é pouca coisa, essa é a verdade. A gente paga tanto imposto e cadê os governantes para manter trabalhador em casa numa situação dessas? Acho que é complicada a situação, né?!
Nesta quarta-feira, 14 de abril, na coletiva do governador João Dória, foi lembrado que em março de 2020 três pessoas na faixa de 20 a 29 anos morreram de covid-19 na cidade de São Paulo. Em março de 2021, foram 106 jovens nessa faixa etária que morreram em decorrência da doença.