Viviane Alves, Luciana Silva e Felipe Britto*
Liga de Ciência Preta Brasileira quer mapear a representatividade negra na área
Recentemente eu, Viviane, fui convidada, para uma mesa redonda, cujo tema eram mulheres cientistas, no mês da mulher, claro, em que iria falar sobre as mulheres negras cientistas.
Já é sabido que docentes negros representam menos de 15% do total da categoria nas universidades, percentual que cai para menos de 3% quando pensamos em mulheres negras. Perguntei-me e perguntei a muitos divulgadores científicos se existe um mapeamento das iniciativas de comunicação cientifica e popularização da ciência feitas por negros, e surgiram apenas alguns nomes, mas não um número. E essa pergunta já foi feita em várias ocasiões. Nessa mesa redonda em particular, resolvi abordar o tema mulheres negras na comunicação científica, sem, no entanto, ter ideia da comunicação que fazem e quantas a fazem.
Como co-fundadora da Liga de Ciência Preta Brasileira, juntamente com Felipe Britto e Luciana Maria Silva Lopes, resolvemos mapear essas iniciativas por meio de uma enquete simples, que foi disparada nas redes sociais na semana de 27 de março. O objetivo é saber quantos negros e negras estão na comunicação científica, independentemente da área de conhecimento. Quantas mulheres e homens e o que divulgam. E mais, queremos saber se os negros e negras estão também representados naquilo que chamamos mídia convencional (jornal impresso, rádio, televisão) no que se refere às ciências.
Ainda sem resultados em mãos, o que sempre nos parece é que, na maioria das vezes, os negros são chamados para desenvolver temas sobre racismo e muito raramente sobre ciência.
Então, ainda fica a pergunta: Quantos comunicadores de ciência negros, de qualquer área, você conhece?
Recentemente a revista cientifica Cell publicou um editorial dizendo que há um problema de racismo na ciência. Será que é só na ciência ou em todas as áreas e todos os lugares, não só no Brasil, mas no planeta como um todo?
Se você não está ou nunca entrou numa universidade, quantos professores, médicos e cientistas negros já viu por ai?
Se você está em uma universidade, quantos professores e cientistas negros teve ou tem?
Talvez, agora, durante a pandemia, quando um ser microscópico mudou o nosso mundo, você tenha se dado conta de que os negros são os mais afetados por estarem em condição de vulnerabilidade. E no mundo todo!
É a população com menor acesso à saúde, à educação, e à vida de qualidade. É por isso que há poucos negros em posição de destaque em todos os lugares do mundo. E apesar de serem a maioria da população em nosso país, são minoria em representatividade!
Você sabia que há muitos negros no enfrentamento da pandemia? E apesar de todos eles estarem trabalhando agora, poucos aparecem na tevê e nos jornais, poucos são chamados para debates, lives, palestras… Por quê?
Será que esses cientistas negros sabem menos? Claro que não, são doutores com excelente formação, mas o racismo estrutural impede que eles sejam referência, parece mais elegante só ter referências de outras etnias. Para os negros são guardadas e divulgadas as referências negativas, e isso se chama racismo.
Como as crianças negras serão estimuladas a continuar com seus sonhos? Quantas crianças tem como ídolos cientistas negros?
Quantos cientistas negros o mundo teve? Quantos cientistas negros existem no Brasil? Quantas coisas do seu dia a dia foram descobertas por negros? Quanto da sua vida se deve à ciência feita por negros? São muitos exemplos, mas provavelmente você não sabe citar nenhum ou, se sabe, são poucos.
Falta acesso à educação de qualidade. As cotas ajudaram, tem muito mais negros na universidade, mas ainda é muito pouco. Falta representatividade. Falta diversificar e dar voz à comunidade negra na tevê, nas redes sociais e mostrar a cara dos negros, que contribuem tanto quanto as outras etnias, na pandemia e fora dela.
Tenho certeza de que não é só a ciência que tem um problema de racismo. Certamente há também problema de racismo na comunicação científica e em todos os níveis da comunicação, mas só teremos certeza no final da enquete e só no que se refere à comunicação científica.
Normalizar a presença de profissionais negros, cientistas negros nos meios de comunicação se torna crucial para esse processo de dar mais visibilidade aos, raros, mas não inexistentes, pesquisadores negros. Acostumar-se a ver uma palestrante negra com penteado afro, tranças e ou dreads sem estar ali tratando de racismo em primeiro plano é fundamental. Fazer o “embranquecido” meio científico mais diverso é o objetivo. Nós, negros, devemos sim falar sobre o racismo, mas quem mais deveria falar e, principalmente, estudar o racismo é quem o sustenta e, mesmo que de forma inconsciente, se beneficia dessa estrutura. Temos muito o que dizer para além do discurso antirracista convencional. Para nós, fazer ciência é um ato revolucionário.
* Ligados respectivamente à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Oncotag e Hemominas, os autores são fundadores da Liga da Ciência Preta Brasileira