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Um lugar de resistência a qualquer autoritarismo

Mais afeito à epistemologia e à lógica, o filósofo especialista em Ludwig Wittgenstein (1889-1951) observa que precisa operar um deslocamento grande para pensar a política. Mas, convidado a abordar a crise aguda que vem convulsionando a sociedade brasileira João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na verdade não mostra dificuldade para fazer esse trânsito.

“A política é o lugar da condição de produção do diálogo, no qual proposições em conflito fazem parte do jogo”, diz. Essa crise rompe justamente com a condição de enunciação, completa. Ele vê no contexto atual uma pressa alucinada em se cristalizar posições, observa uma militância agressiva sem nenhuma disposição de escuta, sem nenhuma paciência com o outro, atuando na demolição das pautas da política e fazendo emergir um discurso disruptivo, violento.

João Carlos observa que há, claro, alguma agressividade também à esquerda, “mas a esquerda está mais aclimatada ao ambiente da representação, aos mecanismos simbólicos de ostentação por uma prática que já vem de muito tempo”. E responde à pergunta sobre por que as posições mais à direita não se contiveram ao longo dos últimos meses, e principalmente no período mais recente, nos enunciados e espaço próprios da política, com uma outra indagação.

“Onde estava a direita no país? Acomodada e feliz na ditadura e não se manifestava dessa forma no espaço político. Depois, uma certa direita envergonhada apresentava suas demandas de forma subterrânes. A conjuntura fez aflorar, e também por erros da esquerda, essa direita que traz uma pauta de reformas sem mediações e sem paciência para restaurar novos jogos de representação. Como se as proposições ao serem enunciadas fossem a verdade — encontraram a verdade”, analisa. É até possível, em sua leitura, que algo de verdadeiro exista entre essas proposições, mas há, comenta, uma recusa a desatar nós, simplesmente se quer cortá-los.

Esse ambiente, quando olha o entorno a partir de sua posição de reitor, sem dúvida ameaça um esforço por acabar com qualquer aura de intolerância na universidade. E tanto é que quando a reitoria, acolhendo um pedido das associações de professores, estudantes e funcionários, na quinta feira, 17, fez uma vigília pela democracia e pelo estado de direito em frente à sede da instituição, a reação de alguns foi de completo desrespeito. Interrogava-se como uma universidade em que faltam itens básicos de consumo se metia numa vigília pela democracia. “Nivela-se tudo como item de consumo, a larga distância de um espírito cidadão”.

Na terça feira, 22, contudo, em nova afirmação pela legalidade democrática, o Conselho Universitário presidido pelo reitor, com quase 60 membros, entre diretores de unidades, representantes de docentes, de alunos, de funcionários, da comunidade externa e de outros conselhos, referendou a resolução tomada no dia 17 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Entre outras afirmações, ali se declara que “as universidades, pautadas pelo rigor científico, a criatividade acadêmica, a liberdade de pensamento e a pluralidade de ideias, estão comprometidas com o fortalecimento das instituições públicas em defesa da democracia, da justiça social e da paz”.

Ponto para o pensamento de que a universidade é um lugar aberto ao debate e ao diálogo. “Não se trata de sufocar qualquer matriz de pensamento, mas de saber que não se afirma pensamentos pelo grito”.

João Carlos Salles, ressalte-se, não vê um cenário otimista à frente. “Muitos danos já foram feitos, talvez boa parte irreversível, quanto a uma economia social”. Entretanto, o que pensa é que há que se “manter a luta na universidade para que não se deixe que os cristais se quebrem”.

Cabe assim neste momento, na visão do reitor, que ela seja um lugar de resistência a qualquer autoritarismo, “até porque o discurso autoritário costuma ter o formato de um argumento contra o homem, e tenta retirar o direito de quem enuncia seus próprios interesses”. Pensar de forma progressista é saber até mesmo que certos interesses estão presentes nos enunciados que se faz. “Não cabe ocultar interesses nem destruir pessoas a partir do lugar do qual elas falam”, insiste.

Quando denuncia o interesse alheio nos enunciados, o autoritarismo toma a sua posição como fora do jogo, como se tivesse o direito divino a seus enunciados e interesses porque tem mais poder ou mais saber. “Há uma elite que não é de saber, mas de poder, e que historicamente cindiu a sociedade brasileira entre possuidores e despossuídos”

João Carlos Salles observa que em certa medida nos governos anteriores foi ocorrendo um relativo empoderamento de classes ainda desguarnecidas no espaço político. E com muita força e violência, num processo de desqualificação brutal, tenta-se negar o direito a esse espaço da rua e da palavra aos movimentos sociais, estudantis, de professores, etc.,

Mas o pensamento progressista tem que fazer, segundo o reitor João Carlos Salles, a defesa das condições de enunciação, a explicitação de interesses, e a defesa de interesses para a construção de uma sociedade mais democrática em seu sentido mais radical.

Nessa toada, nos dias 6, 7 e 8 de abril, a UFBA vai produzir o seminário “Crise e Democracia”, com convidados de peso e transmissão direta pela Tevê Educativa do estado da Bahia.

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