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Mês das mulheres – Marilia Valli
Dia internacional da mulher

por | 8 mar 2021

Pesquisadora da área de química é o quinto destaque da série

O Brasil tem em construção uma base de dados de produtos naturais da biodiversidade brasileira que hoje já disponibiliza a descrição online de 2 mil compostos, resultado de um trabalho sistemático de pesquisa em artigos científicos espalhados pela literatura da área. Mais: dentro de algum tempo, esse número de compostos deverá ter uma expansão notável, graças a um acordo de cooperação firmado, no ano passado, entre a instituição nacional responsável pela base e o Chemistry Abstract Service (CAS) da Sociedade Americana de Química (ACS). No meio dessa história, encontra-se a cientista Marilia Valli, 35 anos, destacada pelo Ciência na rua para compor a lista de 10 jovens cientistas com que o projeto marca o mês das mulheres.

Graduada (2007), mestra (2010) e doutora (2014) pelo Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, orientanda desde a iniciação científica, na graduação, até o doutorado pela professora Vanderlan da Silva Bolzani, uma das mais destacadas e premiadas pesquisadoras brasileiras em química de produtos naturais, Marilia Valli hoje é pesquisadora de pós-doutorado no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFUSP – São Carlos).

Mas não se mudou com armas e bagagens para a física. É no Laboratório de Química Medicinal e Computacional (LQMC) do instituto que Marilia desenvolve um projeto de planejamento de compostos bioativos para o tratamento de doenças negligenciadas, utilizando a base de dados de que falávamos como fonte de diversidade molecular, sob a supervisão do professor Adriano Andricopulo, respeitado pesquisador da área de química medicinal e planejamento de fármacos (principalmente voltados a doenças tropicais negligenciadas e câncer).

E aí vão se juntando as pontas: Marilia Valli, que antes do pós doc no Instituto de Física teve um estágio pós-doutoral também no IQ-Unesp de Araraquara, sob a supervisão de Bolzani, é uma dos quatro pesquisadores que no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Biodiversidade e Produtos Naturais (INCT-Bionat), coordenado pela própria Bolzani, com vice-coordenação de Andricopulo, lidam diretamente com o exame dos artigos científicos que têm descrições de produtos naturais relevantes para a famosa base de dados Nubbedb, sigla relativa a Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais.

“Para chegar aos 2 mil compostos, examinamos 200 artigos científicos, compilando não apenas substâncias biologicamente ativas, mas todas que cada planta examinada contém”, Marília conta. Como o acordo de cooperação com o CAS colocou à disposição dos desenvolvedores da base brasileira cerca de 10 mil outros artigos científicos sobre plantas brasileiras produzidos até 2015, dá para imaginar uma multiplicação extraordinária no número dos novos compostos que vão figurar na base.

Mas para que serve, afinal, uma base de dados desse tipo? Para várias finalidades, inclusive para explorar o potencial farmacológico de compostos de plantas brasileiras cuja atividade farmacológica já está descrita na base. Com essa descrição é possível derivar determinados padrões e daí passar a estudos farmacológicos com boa representatividade para projetar moléculas promissoras contra determinados alvos biológicos. Por exemplo, imobilizar ou matar o Sars-CoV-2.

Ora, para quem desde o ensino médio, adorando química, queria muito entender exatamente a química por detrás dos processos fisiológicos, soa natural que, dominando um bom conhecimento sobre compostos de produtos naturais da biodiversidade brasileira, a aventura seguinte passasse a ser se envolver no planejamento de compostos bioativos para doenças negligenciadas, aquelas que em geral estão sob o guarda-chuva da medicina tropical.

Assim, o pós-doc de Marilia em São Carlos, entre outros frutos, gerou um artigo* que a orgulha sobre a atividade antiglicante de uma planta de nome científico muito complicado, Ocotea paranapiacabensis, a canela gosmenta, no popular. Há dois outros artigos científicos** pelos quais ela tem especial carinho, um voltado à construção de modelos moleculares para controle de mosquitos a partir de plantas brasileiras e outro relativo à própria base de dados à qual dedica grande esforço.

Mas é em suas atividades além laboratório, ou além computador, porque é nele, e não com pipetas, que Marilia emprega cerca de 80% de seu tempo de trabalho – o que é usual para quem faz química computacional –, que nasceu um artigo ao qual ela dedica ternura especial: um levantamento sobre a profunda desigualdade de gênero observado na área de química no Brasil***.

Para a garota de classe média do interior de São Paulo, nascida em Catanduva, registrada em Pindorama , com passagens por várias cidades próximas, e desde os 12 anos moradora de Araraquara, até se mudar para São Carlos, a descoberta das questões de gênero e outras dimensões das desigualdades sociais aconteceu em anos recentes. E integrar-se ao Comitê de Jovens Pesquisadores da Sociedade Brasileira de Química, até tornar-se há pouco sua coordenadora, foi um grande alargamento de horizontes nesse sentido.

“O comitê tem esse trabalho de trazer à cena a capacidade de liderança dos jovens cientistas, sua fala, ao mesmo tempo em que nos ensina a trabalhar mais em equipe”, ela pondera.

Que faria química, a mais velha de dois filhos de Maria Alice e Luiz Carlos Valli, sabia desde muito cedo. Numa casa em que as ciências exatas eram um ideal, com o pai formado em matemática, embora trabalhasse como gerente de contas da CPFL, e uma tia professora de matemática, a professora Lucilene Valli, de Catanduva, isso parecia o natural da vida. Que seguirá trabalhando com pesquisa de compostos da biodiversidade brasileira, Marilia também não tem dúvidas, no frescor de seus 35 anos. E certamente, na unersidade pública.

 

 

* FREITAS, L. ; Valli, Marilia ; DAMETTO, ALESSANDRA C. ; PENNACCHI, P. C. ; ANDRICOPULO, AD ; MARIA-ENGLER, S. S. ; BOLZANI, VANDERLAN . Advanced Glycation End Product Inhibition by Alkaloids from Ocotea paranapiacabensis for the Prevention of Skin Aging. JOURNAL OF NATURAL PRODUCTS, v. 83, p. 649-656, 2020.

** Valli, Marilia; ATANÁZIO, LETÍCIA CRISTINA VIEIRA ; MONTEIRO, GUSTAVO CLARO ; COELHO, ROBERTA RAMOS ; DEMARQUE, DANIEL PECORARO ; ANDRICOPULO, ADRIANO DEFINI ; ESPINDOLA, LAILA SALMEN ; BOLZANI, VANDERLAN DA SILVA . The Potential of Biologically Active Brazilian Plant Species as a Strategy to Search for Molecular Models for Mosquito Control. PLANTA MEDICA, v. 00, p. 00, 2020.
PILON, ALAN C. ; Valli, Marilia ; DAMETTO, ALESSANDRA C. ; PINTO, MERI EMILI F. ; FREIRE, RAFAEL T. ; CASTRO-GAMBOA, IAN ; ANDRICOPULO, ADRIANO D. ; BOLZANI, VANDERLAN S. . NuBBEDB: an updated database to uncover chemical and biological information from Brazilian biodiversity. Scientific Reports, v. 7, p. 7215, 2017.

*** https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/pac-2018-1002/html

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