Júlio Bernardes, Jornal da USP
Tomografia computadorizada ajudou a reconstituir cérebro de pequeno dinossauro caçador que vivia onde hoje é o Rio Grande do Sul
O Buriolestes schultzi, um dos dinossauros mais antigos do mundo, que viveu há 233 milhões de anos na região onde hoje fica o Rio Grande do Sul, tinha o cérebro do tamanho de uma ervilha, mas possivelmente era dotado de uma visão muito aguçada, que o auxiliava na busca por alimento. A descoberta foi feita em pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). A partir de imagens de tomografia computadorizada do crânio fossilizado do dinossauro, os cientistas reconstituíram seu cérebro. Ao observarem que a região associada à visão era mais desenvolvida que a responsável pelo olfato, inferiram que os olhos eram essenciais na perseguição às presas, entre elas, outros animais e insetos.
As conclusões do trabalho são descritas no artigo The endocranial anatomy of Buriolestes schultzi (Dinosauria: Saurischia) and the early evolution of brain tissues in sauropodomorph dinosaurs, publicado na revista científica Journal of Anatomy em 2 de novembro. A espécie analisada no estudo teria vivido há 233 milhões de anos, no período Triássico Superior, uma época caracterizada por dinossauros pequenos e bípedes. “O Buriolestes schultzi tinha cerca de 1,5 metro de comprimento, seis quilos de peso e andava sobre as duas patas traseiras”, conta o paleontólogo Rodrigo Muller, da UFSM, que participou da pesquisa.
“O dinossauro tinha uma dieta faunívora. Ao contrário da carnívora, que se restringe a comer carne de outros animais, a faunívora também inclui a ingestão de insetos e outros pequenos animais invertebrados”, explica o paleontólogo Mário Bronzati, da FFCLRP, que também integrou a equipe de pesquisadores. “Essa característica, assim como seu tamanho, torna a espécie bastante diferente dos mais famosos representantes de sua linhagem, os gigantes e herbívoros saurópodes (diplodocus e brachiosaurus, por exemplo), os quais foram os maiores animais que já andaram sobre a Terra.”
O fóssil do Buriolestes schultzi foi encontrado por paleontólogos da UFSM em 2015 na região central do Rio Grande do Sul, nas terras da fazenda Buriol, localizada no município de São João do Polêsine. “O primeiro fóssil da espécie foi descoberto em 2009, no entanto apenas parte do crânio estava preservada”, descreve Bronzati. “O esqueleto descoberto em 2015 apresenta um crânio muito bem preservado, incluindo a região do neurocrânio, que protegia o cérebro do animal. Além do crânio, também é conhecida a parte do pós-crânio deste animal, ou seja, a coluna vertebral e membros.”
Reconstituindo o crânio
Para os cientistas realizarem a reconstituição do cérebro do dinossauro, o crânio passou por uma tomografia computadorizada. “O estudo usou um microtomógrafo, que obtém milhares de imagens com maior resolução, mostrando mais detalhes anatômicos”, relata Muller. “Na maioria dos casos, é possível distinguir estruturas fossilizadas das matrizes rochosas em que estão inseridas, ou discernir estruturas internas de ossos devido à diferença de densidade entre diferentes partes do fóssil. Essas imagens podem então ser visualizadas em softwares específicos que permitem a criação de um modelo tridimensional”, acrescenta Bronzati.
A reconstituição também permitiu calcular o valor do coeficiente de encefalização, que é a relação entre o tamanho do cérebro e do corpo. “No Buriolestes schultzi, esse valor foi maior do que o de outros sauropodomorfos, surgidos nos períodos Jurássico (entre 201 e 140 milhões de anos atrás) e Cretáceo (entre 145 e 66 milhões de anos atrás), que são herbívoros”, diz Muller. “Assim, é possível verificar que o coeficiente diminui nesses animais ao longo do tempo. Isso é muito interessante, porque em geral as linhagens de dinossauros começam a ter cérebros proporcionalmente maiores em relação ao corpo.”
“A anatomia do cérebro de dinossauros é conhecida em grande parte com base no estudo de espécies bem mais recentes do que os primeiros dinossauros, cuja anatomia do cérebro ainda era um mistério”, destaca Bronzati. “Por se tratar do primeiro cérebro completo de um dos dinossauros mais antigos do mundo, ele passará a ser adotado como modelo para futuros estudos anatômicos e propostas evolutivas, reforçando mais uma vez a importância da paleontologia e dos fósseis do Sul do Brasil.”
A pesquisa teve a participação de Rodrigo Muller, José Ferreira, Flávio Pretto e Leonardo Kerber, da UFSM, e Mario Bronzati, da FFCLRP.