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A cultura do ódio que ameaça o Brasil

Texto de Murilo Guerra, originalmente publicado no Edgardigital, veículo de divulgação da UFBA, edição 100

Graça Druck: há um sentimento de desesperança muito grande com as instituições democráticas no país

“Existe um movimento de características fascistas no país. Não estamos ainda em um regime fascista, mas podemos caminhar para isso. Evitá-lo dependerá de nós”, afirmou a professora Graça Druck, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, durante sua participação na mesa de debate sobre o tema “A cultura do ódio: por que nos tornamos inimigos?”, realizada na manhã de quinta-feira, 18, no auditório externo do Instituto de Biologia, dentro da programação do Congresso 2018.

Em sua avaliação, esse movimento pode ser observado desde as manifestações de rua realizadas em 2013 e nos movimentos articulados pelo impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, que culminaram com o golpe em 2016.

“O que contribuiu basicamente para estimular todo o ódio e antipetismo foi o poder judiciário, em primeiro lugar, que atuou como um partido político. Não é que ele se politizou, ele se partidarizou!”, definiu a cientista social em referência à criminalização de lideranças políticas de esquerda. Ela também destacou a atuação da mídia corporativa como outro fator para a desmoralização das instituições da democracia brasileira.

Druck sinaliza que a tendência de desqualificar e igualar todos os políticos tem lugar no fascismo, com discursos vazios de combate à corrupção. Citou o que considera ser uma forma de “corrupção legalizada” – que parece não incomodar na mesma medida, que significa a apropriação de 45% do orçamento do país pelos banqueiros para pagamento da dívida pública. “É uma apropriação privada dos recursos públicos. É corrupção!”, criticou.

Segundo observa a professora, o Brasil e o mundo vivem uma crise econômica que gera um processo de desagregação social, com milhões de pessoas desempregadas. Somado a isso, há também um sentimento de desesperança muito grande com as instituições democráticas no país, que atingiu toda a sociedade, mas especialmente os “setores médios” que sentiram a perda de espaço. “Independentemente do resultado das eleições, teremos que sustentar o movimento antifascista até o fim”, disse ela.

Participou da mesa também a ouvidora da UFBA, Denise Vieira da Silva, professora do Instituto de Psicologia, que falou sobre um sofrimento psíquico constante que tem acometido as pessoas, fazendo emergir quadros patológicos em razão do medo e do terror estimulados por uma campanha de ódio aos negros, pobres, nordestinos, etc.

“O discurso de ódio é percebido por algumas pessoas como direito de expressão. Ser violento passa a ser uma qualidade. Há uma inversão ética”, disse a psicóloga, que acredita que soluções imediatistas, como os pedidos de intervenção militar, fazem parte de um processo de alienação baseado em ideias simplistas e preconceituosas, que se contrapõem a reflexões mais aprofundadas.

Ela lembrou que a própria estrutura da família patriarcal autoritária é a principal fonte reprodutora de todo o discurso reacionário e da ideia de que um “pai” resolverá todos os problemas com pulso firme. E compartilhou o relato de filhos que tiveram que sair de casa por conta de brigas constantes com o pai, decorrentes de seus posicionamentos políticos. “As famílias estão divididas”, constatou.

A também professora do Instituto de Psicologia, Betty Malin, trouxe para o debate a questão da revolução digital, que tem modificado profundamente as formas de comunicação entre as pessoas. Em muitos casos, conforme ressaltou, as novas tecnologias têm sido utilizadas para o mal, a exemplo da atual campanha eleitoral, em que um dos candidatos dissemina notícias falsas de forma sistematizada e ostensiva.

Ela falou ainda sobre a influência da estrutura social neoliberal – que pode inclusive ter estimulado o crescimento dessa onda fascista –, que faz com que o ser humano passe a se perceber apenas como um número, que deve ser precificado e apresentar resultados. Assim, as pessoas passam a não reconhecer nem a si e nem aos outros como seres humanos. “Nesse contexto, não há mais ‘nós’, apenas ‘eus’”.

“O ser humano só se humaniza com o outro. O papel da sociedade é viabilizar e apoiar o ser humano, ser um fator de comunhão e cooperação, superando a visão do outro como inimigo”, finalizou.

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