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Um tempo para aulas de direitos humanos no ensino médio

por | 26 jul 2024

Júlia Milfont Araújo, Manuela Santana de Alencar e Wanessa Souza Lima*

Estudantes de universidade recifense encararam o prazeroso desafio de dialogar com adolescentes sobre direitos humanos

Que tal dar aula sobre justiça de transição e espaços de memória para alunos de escola pública? Foi exatamente o que nós, um grupo de estudantes de direito da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), fizemos no primeiro semestre deste ano de 2024 enquanto cursávamos Direitos Humanos como disciplina de extensão.

[Nota do CnR: essa modalidade de disciplina pode integrar a grade curricular dos cursos de graduação desde a Resolução no 7 do Conselho Nacional de Educação, de 18 de dezembro de 2018, segundo a qual as atividades de extensão — aquelas de interação direta entre estudantes das universidades e outros segmentos da sociedade — devem compor, no mínimo, 10% do total da carga horária]

O resultado, vocês já podem imaginar, foi uma mistura de diversão, nervosismo e aprendizado — muito aprendizado!

No começo imaginávamos que iríamos apresentar aos estudantes do ensino médio nossos conhecimentos adquiridos enquanto cursávamos a cadeira na faculdade e abordar alguns temas específicos da área jurídica. Mas a surpresa foi termos aprendido tanto com eles ao longo do caminho, a cada pergunta, a cada resposta, a cada sorriso sonhador de jovens que nunca nem sequer haviam cogitado a possibilidade de fazer uma faculdade e, é claro, a cada dúvida. Na verdade, muita, muita dúvida envolvida.

Mas é justamente a dúvida que move o mundo, especialmente a ciência, e foi a dúvida do que seria entregue e a certeza de que faríamos nosso melhor que nos trouxeram até aqui.

Coordenada pelo professor Manoel Morais de Almeida, a cadeira denominada “Direitos Humanos” surgiu com uma proposta de institucionalização de práticas jurídicas comuns no dia a dia da universidade, nas quais a gente age mais do que escuta e fala. Por essas práticas, saímos um pouco das paredes brancas sem cor e brilho das salas de aula e vamos para a rua, tomar um sol e ver gente, conhecer os problemas do mundo real e colocar em prática o que aprendemos de teoria.

Neste projeto, em particular, a ideia era aproximar jovens periféricos e de escolas públicas de movimentos culturais e sociais importantes para a história do estado de Pernambuco, de forma a trazê-los para mais perto do legado de nossos antepassados e, assim, perpetuar entre as novas gerações a compreensão de suas lutas.

Iríamos falar de justiça de transição e, quando abordamos esse tema, nos referimos especialmente ao período histórico brasileiro pós Ditadura Militar de 1964-1985. Todos os direitos e garantias legais existentes tinham sido perdidos durante aqueles anos de repressão e posteriormente estavam sendo retomados e reavivados na legislação brasileira.

A temática é séria e envolve política, e o maior desafio do nosso projeto nasceu disso: como explicar de forma lúdica e criativa aos alunos um momento tão duro, tão conturbado e principalmente tão polêmico para nosso país? Daí entramos em cena com o propósito de aprofundar o conhecimento sobre direitos humanos e de apresentar os espaços de memória da cidade do Recife aos estudantes de escola pública que integrariam o nosso projeto.

Nossa turma no curso de direito da Unicap teve a oportunidade de experimentar o desenvolvimento da disciplina logo em seu segundo ano de implantação. E, como objetivo, esperávamos propagar e plantar nas mentes de nossos jovens ouvintes o entendimento do que vem a ser a democracia, sua importância e possíveis desdobramentos.

Além disso, fomos em busca de incentivar nos participantes uma reflexão crítica sobre as políticas públicas vigentes e sobre a chamada “Justiça de Transição”, tema esse levado por alguns de nossos integrantes do eixo que passamos a chamar de “campo”, ou seja, os universitários mais diretamente responsáveis pelo trabalho mais prático e de contato com os alunos.

Todo o trabalho — desde o estudo prévio do conteúdo a ser abordado com os estudantes, a organização, a elaboração de relatório e até o posterior momento de prática na escola e no Memorial da Democracia — necessitou de um grande esforço coletivo e de comprometimento de todos. Afinal, numa equipe de quase 30 pessoas, reunir objetivos, expectativas e disponibilidade de tempo não é (e não foi), por certo, algo fácil.

Enquanto jovens adultos que somos, trabalhar com pessoas mais jovens não se mostrou um problema. Na realidade, o que se pôde observar é que o fato de estarmos de certa forma mais próximos de uma realidade de escola, para alguns de nós, ainda muito recente, facilitou o envolvimento com os alunos do ensino médio.

Ainda assim, caro leitor e cara leitora, passamos por dificuldades. Afinal, se eles são jovens, nós também ainda somos de alguma forma, não é? No fim de tudo, mesmo que o projeto talvez não tenha tido o alcance esperado por alguns de nossa equipe, com toda certeza, não poderá ser dito que não foi bem aproveitado e proveitoso para todos os envolvidos.

O ensinamento também se expressou nas “manchas de tinta” em nossos rostos e mãos, nos debates acalorados sobre justiça (e sobre outras coisas também, rs), nas fotos tiradas tanto por nosso eixo de mídia como pelos próprios alunos que mostraram e sentiram interesse nessa aproximação com a equipe e numa infinidade de outros pequenos detalhes que tornaram tão especial essa experiência para nós acadêmicos envolvidos, que muitas vezes não cogitamos formas novas de “ser o profissional” que queremos ser.

Deixamos aqui um lembrete para os futuros acadêmicos que ingressarem nessa disciplina de extensão quando desenvolverem um novo projeto: seu público alvo, queridos leitores, são os estudantes de escolas públicas do Recife, mais especialmente no entorno do Sítio da Trindade, onde está localizado o Memorial da Democracia Fernando Vasconcellos Coelho, que é um espaço construído com o intuito de preservar e difundir o legado documental e histórico gerado pela Comissão da Verdade Dom Helder Câmara de Pernambuco.

Certo, é chegado o momento de seguirmos mais uma vez para uma nova fase dentro do meio acadêmico, mas, caso haja o seu interesse em “permanecer” difundindo e criando mais espaços de memória e debates a partir dessa cadeira, sinta-se livre para lutar por ela e fazê-la se enraizar em nossa Universidade.

*****

Deixamos aqui um breve agradecimento ao professor Manoel Severino Moraes de Almeida, que durante o semestre de 2024.1 lecionou a cadeira de extensão de Direitos Humanos aos alunos do 4° período, acompanhando e auxiliando na elaboração do projeto; agradecemos também ao seu querido assessor Alessandro Douglas da Silva. Além deles, sentimos de mencionar o gentil funcionário condutor da Kombi Wellington L. da Silva, a Escola de Referência em Ensino Médio Ageu Magalhães, representada por sua gestora Karla Almeida de Figueiredo e por sua coordenadora Ana Rosa da Silva de Santana que acolheram com demasiado carisma a elaboração deste projeto com seus alunos, ao Memorial da Democracia representado por sua coordenadora Lucia Padilha e estagiários e, por fim, um agradecimento especial aos estudantes de 1º ano e 2º anos da Escola de Referência em Ensino Médio Ageu Magalhães, que recepcionaram nossa equipe com um enorme carinho.


*As autoras são alunas de Direito da Universidade Católica de Pernambuco, Unicap.

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