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Tocado pelos deuses na escola

por | 29 ago 2016

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Foi na hora do almoço, nos primeiros dias de agosto, volta às aulas, que ele soltou: ‘Começamos a estudar mitologia grega’. Daniel costuma ser econômico com as palavras. Tentei arrancar mais um pouquinho. ‘Que tal?’. Em vão. ‘Parece legal’, respondeu, laconicamente, pedindo o sal e o azeite. Notei na voz, no entanto, inconfundível tom musical de empolgação, hipótese devidamente confirmada quando ele passou a narrar as novidades da escola logo que chegava em casa, todos os dias, sempre direto e objetivo, sem muitas delongas. ‘Foi bom. Bacana. Interessante. Gostei’. Bons sinais. Já tinha sido fisgado.

Nas aulas de Língua Portuguesa e Ciências Humanas – é um projeto integrado do quinto ano –, sem muitas parafernálias tecnológicas nem aulas-show, a professora passou a apresentar deuses e heróis. Falava com detalhes sobre as características, as virtudes e as fraquezas de cada um deles. Mostrava figuras. Completava com vídeos. ‘Pai, no começo a sensação foi meio estranha, mas aos poucos a gente se acostumou e gostou do assunto’. Os alunos e as alunas foram então desafiados a fazer uma pesquisa a respeito de um deus e de um herói grego. Ganharam a prerrogativa de escolher de quem queriam falar, respeitando preferências, encantos e afinidades. Dani escolheu Hermes e Perseu.

‘Gosto das histórias deles, das estratégias que usavam. O Hermes, já no primeiro dia de vida, pregou uma peça no irmão mais velho e foi mensageiro dos deuses. Foi também nomeado deus de três coisas: comércio, viajantes e pastores. O Perseu matou a Medusa’, cravou. Foram tardes de intenso trabalho. Derrubou das estantes as enciclopédias da família. Fuçou nos livros que estão no quarto dele. Visitou a biblioteca da escola. Ficou aflito. ‘Achei bastante coisa sobre o Hermes, mas pouco sobre o Perseu. E não quero procurar só na internet. Fica muito fácil’.

Acionamos primos, primas, tios e tias. Alguém tem livros sobre Perseu para emprestar? Recebemos vários. Mais calmo, Dani fez anotações e rascunhos, a partir das obras e dos textos emprestados. Os rabiscos foram aos poucos se transformando em caprichosas biografias. Fez ainda belos desenhos coloridos dos dois personagens. Perseu com capacete e espada, segurando a cabeça da Medusa; Hermes com seu chapéu e capa. ‘Mãe, pode comprar cartolina, por favor? Preciso colar as folhas e os desenhos do trabalho’. Colocou os títulos. ‘Pai, pode ficar tranquilo, fiz a lista das fontes de pesquisa’. Garoto bom de bola, sabe o pai que tem.

Na noite anterior à entrega da preciosidade escolar, me chamou no quarto, sem conseguir dormir. ‘Acho que ficou legal. Mas estou um pouco tenso. Será que a professora vai gostar? E a coordenadora e o diretor vão olhar também’. Dei um beijo de boa noite nele, agradecendo. ‘Você se empenhou e caprichou. Fez o melhor que pôde. Agora é com a professora. Descanse’. No dia seguinte, todo o cuidado do mundo com as cartolinas. ‘Não pode amassar’. Teve apresentação oral, em sala, para todos os colegas, que também compartilharam as descobertas sobre os personagens escolhidos. ‘Foi tudo muito organizado. A professora disse que meus textos estavam bem completos’, sorriu, confiante e satisfeito.

Mitologia grega virou assunto recorrente nos almoços e jantares em casa. ‘Quem é mesmo aquele que fez asas que derreteram com o sol? Esqueci…’, perguntou Luiza, a irmã mais velha. ‘Ícaro, filho de Dédalo’, respondeu Daniel, com autoridade, para em seguida falar um tempão para a mãe sobre Teseu. O algoz do minotauro. ‘Hoje tivemos uma palestra sobre a mitologia grega com o coordenador do ensino médio. Ele estuda o tema. Sabe tudo. É muito engraçado e conta histórias muito bem’. (notem que o moleque destravou a língua e agora fala com desenvoltura e empolgação).

As tardes da semana que passou foram também dedicadas, entre uma lição e outra, a ver vídeos da série ‘Confrontos dos deuses’ no youtube. Pediu também para assistir ao filme ‘Percy Jackson’. Já encomendamos o livro. Na quinta-feira, era só alegria e orgulho. Nem esperou chegar em casa. Ligou do orelhão da porta da escola. ‘Tirei A no trabalho de mitologia’. Nota máxima. As cartolinas ocupam agora espaço especial e de destaque na bancada em que ele estuda. ‘A professora pediu agora para cada um inventar outro personagem da mitologia grega. Irado. Ainda estou pensando como vai ser o meu. Só sei que vai ser um deus’.

A escola, quando toca o coração da curiosidade e o cérebro do espírito crítico, é mesmo um grande barato. É dessa escola que os mensageiros do escola sem partido têm medo.

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