Luiza Caires, Jornal da USP
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), organização científica fundada pela Organização das Nações Unidas (ONU), acaba de lançar um Relatório Especial sobre fluxos de carbono relacionados a ecossistemas terrestres. O documento quantifica o carbono absorvido e emitido por florestas, desmatamento, agricultura e outras atividades que envolvem mudanças de uso da terra. Um dos objetivos é promover formas de produzir alimentos para uma população crescente sem causar tamanho impacto para o Planeta.
De acordo com Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física (IF) da USP e membro do IPCC, são quatros os principais pontos defendidos no relatório: reduzir o desmatamento de florestas tropicais é indispensável; fazer reflorestamento em larga escala é absolutamente necessário para remover CO2 da atmosfera; é preciso investir em formas sustentáveis para produzir alimentos para os 10 bilhões de pessoas que habitarão a terra em 2027; e é essencial estruturar um equilíbrio entre o uso da terra para produção de biocombustíveis e de alimentos. “Estes aspectos são críticos para o controle do sistema climático”, disse ao Jornal da USP.
Sobre a questão da agricultura, ele cita como exemplo o programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC), da Embrapa, que desenvolve e divulga tecnologias e práticas para o aumento da produção de alimentos sem elevação das emissões de gases de efeito estufa. “O grande problema ainda é a pecuária, atividade que emite grandes quantidades de metano. Até hoje não se encontrou nenhuma maneira de reduzir estas emissões de forma significativa.”
Quanto a isso, Charlotte Streck, fundadora da iniciativa Climate Focus, consultoria em políticas climáticas para governos e organizações, vai além dos desafios científicos citados por Artaxo, ao defender ações no plano de governos e também no nível individual, como o consumo mais consciente – ou seja, reduzir a ingestão de carne. A pecuária usa atualmente dois terços das terras agrícolas, mas fornece apenas cerca de um terço de nossas calorias, disse ela em coletiva realizada antes do lançamento do relatório. “A carne é responsável por 15% das emissões globais de gases de efeito estufa e cerca de dois terços de nossas emissões agrícolas. Carne é ruim para o clima e para a saúde.”
Florestas
Artaxo ressalta que, com esse relatório, o IPCC está fazendo uma análise muito mais abrangente do que se fazia antes. “Não estamos pensando só em redução dos gases de efeito estufa.” De fato, os especialistas em clima defenderam a proteção e a recomposição florestal, mas também de uma agricultura inteligente e uma alimentação mais saudável. Alertando que a destruição contínua da floresta é um caminho certeiro para ocorrência de eventos climáticos catastróficos, poluição da água e do ar e, em consequência, crise econômica.
A proteção e a restauração das florestas poderiam mitigar em 25% as emissões de carbono – redução necessária para limitar o aquecimento global a 1,5 grau até 2030. Os cientistas afirmam que não resta mais tempo, pois o aquecimento das terras alcançou 1,53°C, o dobro do aumento global da temperatura, incluindo os oceanos. “A partir de 2°C de aquecimento global poderemos enfrentar crises alimentares de origem climática mais severas e numerosas”, alertou na entrevista coletiva o especialista em mudanças climáticas Jean-François Soussana, do Instituto Nacional Francês de Pesquisa Agrícola.
“Proteger e restaurar florestas pode ser uma das opções mais eficazes que temos para armazenar e remover nossas emissões de gases que aprisionam o calor ”, disse Katharine Mach, pesquisadora da Universidade de Miami. Ela ressaltou que a estabilização do clima também requer a eliminação gradual dos combustíveis fósseis – além das medidas relacionadas à terra. Para a especialista, embora estejam em discussão outras soluções para reduzir o carbono, como usar biomassa (árvores) para produzir energia ou reinjetar carbono no solo, elas apresentam riscos significativos e “proteger e restaurar florestas é algo que já está disponível, tem comprovação e é muitas vezes muito rentável”. As florestas fazem mais do que armazenar carbono, lembra Katharine Mach . Elas mantêm ar e água limpos, resfriam a superfície, mantêm os solos saudáveis e promovem chuvas para a agricultura, tanto localmente quanto em regiões distantes, permitindo-nos produzir a comida que comemos.
Para Paulo Artaxo, os biocombustíveis podem sim ter um papel importante de substituição de fósseis, como menor emissão de CO2 para a atmosfera, mas isso deve ser feito sem comprometer a produtividade agrícola de alimentos. “Isso é algo que, de certa forma, o Brasil já está tentando fazer”, afirmou ao Jornal da USP.
Povos indígenas
Ainda na coletiva, a relatora especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, afirmou que outra solução que o IPCC endossa pela primeira vez no relatório é a concessão de direitos de terra aos povos indígenas. “Ninguém conhece melhor os conflitos entre alimentos, combustíveis e florestas do que povos indígenas e comunidades locais. Povos indígenas e locais continuam a enfrentar assassinatos e criminalizações quando enfrentamos os projetos de agroindústria, mineração, extração de madeira e infraestrutura que ameaçam nossas florestas, nossas vidas e os animais e plantas que protegemos”, disse.
“E ninguém entende melhor o valor das florestas do que as comunidades indígenas e locais”, continuou ela. “Como especialistas, muitas vezes guiados por centenas de anos de conhecimento, somos especialmente adequados para gerenciar, proteger e restaurar as florestas do mundo.”
Paulo Artaxo salientou que o relatório não faz recomendações a países específicos, mas em âmbito global. Contudo, ele diz que “o relatório mostra que as áreas florestais em que há reservas indígenas são mais bem preservadas”, o que pode indicar um caminho para os governos.
Amazônia em risco
O climatologista Carlos Nobre, pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, acrescentou que as florestas tropicais em particular têm um papel extremamente importante em “esfriar o Planeta”. A Amazônia, por exemplo, resfria o Brasil central, um dos celeiros do País, e diminui o calor nas terras tropicais em mais de um grau Celsius, além de aumentar os níveis de chuva. A chuva sobre a Amazônia, por exemplo, é entre 15% a 25% maior do que seria sem a floresta tropical, destacou o professor.
Nobre disse que um perigoso aumento do desmatamento na Amazônia nos últimos três anos, especialmente nos últimos 12 meses, pode rápida e irreversivelmente parar esse necessário resfriamento. “As taxas de desmatamento na Amazônia brasileira aumentaram em mais de 40% e as taxas de desmatamento na Colômbia estão aumentando. Isso é muito preocupante ”, disse ele.
“A floresta amazônica pode estar mais perto de um ponto de inflexão do que presumimos antes. Se o desmatamento total exceder 20% a 25% da área florestal total da bacia – atualmente é de 16% a 17% – pode haver uma transformação irreversível de mais de 60% da floresta amazônica para um tipo muito degradado de savana, liberando mais de 50 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera.”
De acordo com Nobre, isso complicará os esforços para alcançar as metas do Acordo Climático de Paris, causando danos à biodiversidade e aumentando o calor nos Trópicos.
Bioeconomia
Sobre desenvolvimento sustentável da Amazônia, resgatamos o USP Talks de outubro de 2017, com participação de Carlos Nobre, e do engenheiro agrícola Eduardo Assad, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa).
Nobre falou sobre o potencial subaproveitado da “bioeconomia” amazônica, baseada na exploração sustentável da biodiversidade e de outros recursos naturais da floresta. Já Assad mostrou como seria possível, usando apenas bom planejamento e tecnologias já disponíveis, dobrar a produção agropecuária nacional sem derrubar mais nenhum hectare de floresta.
Ambos concordaram num ponto essencial: desmatar a Amazônia é um péssimo negócio para o Brasil.
Veja os vídeos abaixo: