Ana Augusta Odorissi Xavier e Mateus Bravin Lopes*
Nunca antes na história do Rio de Janeiro um carnaval foi tão celebrado quanto o de 1919. Isso porque o isolamento social e período de quarentena chegavam ao fim depois da terrível pandemia de 1918, a da gripe espanhola (que, aliás, não surgiu na Espanha). Entre marchinhas, pulos e confetes, as pessoas ainda levavam no peito a angústia de ter estado sob a sombra da morte por tantos meses.
Naquela época, os brasileiros não contavam com o SUS (Sistema Único de Saúde) e nem havia o postinho de saúde que hoje temos perto de casa. O sistema de saúde estava começando a existir e os pobres contavam apenas com os hospitais de caridade mantidos pelas igrejas. A ameaça da nova doença não foi levada a sério até atingir em cheio a população, principalmente em regiões como os morros cariocas, onde a situação sanitária era precária.
Mas a ciência avançou bastante desde então. Aquela pandemia ensinou muito a todos e deixou lições úteis para enfrentar desafios globais de saúde, como o novo coronavírus. Talvez a principal delas seja entender como uma doença se espalha.
Estudando as epidemias que já haviam atormentado o mundo, os cientistas notaram que, quando uma doença nova aparece, ela se propaga de maneira meio “padrão”. Começa com uma pessoa infectada que infecta outras, que infectam mais outras, e a epidemia vai crescendo até atingir o que eles chamam de pico epidêmico. Depois do pico, o vírus começa a ter dificuldade de encontrar pessoas que ainda não foram infectadas e o número de casos começa a cair. É mais ou menos como a subida e descida da parte mais alta de uma montanha-russa (sem a parte da diversão), ou o que acontece quando um meme viraliza; você descobre o meme e manda pra três amigos. Cada um deles manda para mais amigos e assim por diante, até que geral já viu o meme e ele deixa de ser novidade e perde a graça.
Agora, se tentarmos visualizar isso num gráfico onde vamos relacionando quantas pessoas são infectadas ao longo do tempo, fica mais ou menos como vemos neste vídeo da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Se o número de pessoas infectadas aumenta muito rápido, alcançamos o pico da curva rapidamente, com muita gente ficando doente ao mesmo tempo. Isso poderia ser uma coisa boa, já que, quanto antes atingirmos o pico, mais rápido a epidemia passa, certo?
O problema é que, no caso da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, ainda não existe nenhum remédio ou tratamento disponível. Muitas das pessoas infectadas acabam internadas no hospital e, pior ainda, uma em cada dez pessoas hospitalizadas fica em estado grave e precisa de tratamento na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Ou seja, com muitas pessoas doentes ao mesmo tempo, os hospitais não conseguem atender todo mundo que precisar.
Se pensarmos que o curso da epidemia segue aquele padrão de curva – aumento dos casos, pico e queda – pode parecer que nada é capaz detê-la, e que estamos nas mãos do vírus. Mas não é bem assim. Podemos usar alguns truques para tentar driblar o vírus e mudar a maneira como ele se espalha pela população. Segundo os cientistas, conseguimos reduzir a taxa de transmissão do vírus se diminuímos o contato entre as pessoas usando medidas de distanciamento social.
As duas principais formas de transmissão do Sars-CoV-2 são através do contato e pelo ar, já que ocupa o nariz e garganta de quem está infectado. Quando essa pessoa tosse, espirra ou mesmo fala, espalha pelo ar gotinhas de saliva que carregam o vírus. A saliva cai nas superfícies e, onde elas caem, o vírus pode permanecer até três dias, dependendo do tipo de material. Podemos nos contaminar tocando estes locais contaminados e passando a mão no olho, nariz ou boca, ou ainda se ficarmos muito perto de uma pessoa com o vírus e respirarmos as gotículas contaminadas que ela libera.
Pensando em quantas pessoas encontramos por dia na nossa rotina normal, no transporte público, nas escolas, nos supermercados, parece lógico que, quanto mais gente nas ruas, maior é a chance das pessoas se infectarem. Isso fica bem visível no experimento feito em um restaurante por uma rede de televisão japonesa, mostrando como um par de mãos contaminadas pode acabar contaminando muitas outras, mesmo sem tocá-las.
Quando alguém infectado decide ficar em casa, vai contaminar menos pessoas ou não vai contaminar ninguém. No caso da covid-19, isso é ainda mais importante porque muita gente tem o vírus e nem sabe, já que os sintomas podem demorar até 14 dias para aparecer e a maioria dos casos não apresenta sintoma nenhum (assintomáticos). Assim, diminuímos o ritmo de espalhamento da doença, o pico de casos demora mais tempo para chegar e não é tão alto quanto seria se a epidemia seguisse seu curso sem que fizéssemos nada. É o famoso “achatar a curva”.
Ao achatar a curva, ganhamos tempo para encontrar outras soluções para combater o vírus, como medicamentos e vacinas, e os hospitais vão ser capazes de atender mais gente, já que menos pessoas estarão doentes ao mesmo tempo. Quanto mais cedo conseguirmos interromper a cadeia de transmissão, maior é o efeito cascata lá na frente e maior a redução no número de casos, como vemos no gif abaixo.
Considerando que é impossível manter as pessoas 100% distantes umas das outras sem nos colocar em bolhas, é essencial o uso de máscaras de proteção para impedir mais contaminação. Caso precise sair de casa, o ideal é que na volta lave bem as mãos, coloque as roupas para lavar, lave a máscara com água e sabão e, quando secar, passe ferro quente para garantir sua esterilização. Quando trouxer objetos para dentro de casa, limpe bem com água e sabão ou álcool 70. Também é importante deixar as janelas abertas para o ar ventilar os cômodos e não ter chance do vírus não ficar parado no ar.
O governo tem papel fundamental para que o maior número de pessoas consiga fazer o isolamento. Nem todo mundo consegue trabalhar de casa, e muitos autônomos precisam ir para a rua trabalhar para poder comprar comida, gás e pagar suas contas. Países do mundo inteiro têm adotado formas diferentes de garantir o mínimo para seus cidadãos, assim como o Brasil, que liberou 600 reais para aqueles que ficaram sem trabalho ou tiveram a renda diminuída por causa da pandemia.
As medidas de distanciamento podem ser mais ou menos rígidas e são realizadas analisando fatores como o número de casos da doença, disponibilidade de tratamento para quem adoece, etc. Alguns lugares, por exemplo, precisaram fechar o comércio que não é essencial e multar quem sai de casa sem máscara ou sem uma boa justificativa. Em inglês, o termo usado para isso é lockdown, que em português significa algo como “bloqueio total”.
Independente de qual medida seja adotada, acredite, ela funciona! Mas claro, seu resultado depende sempre do engajamento e da contribuição da população e do governo. Depois que isso tudo passar vamos curtir o carnaval como nunca e o famoso carnaval de 1919 será fichinha comparado ao da nossa geração.
* Colaborou Laura Segovia Tercic
Este é o quarto artigo da série Explicando a covid-19 para adolescentes, produzida pelo Lab-19, projeto de divulgação científica de um grupo de alunos do curso de especialização em jornalismo científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp), engajados, como tantos, em contribuir para a disseminação de informações corretas e confiáveis sobre a epidemia de covid-19 para públicos diversos.